Motim em prisão brasileira de Manaus faz pelo menos 55 mortos
Guerra entre grupos criminosos ligados ao narcotráfico está na origem da rebelião na maior prisão do Amazonas. O tumulto começou no domingo e só esta segunda-feira foram libertados os últimos reféns.
Um motim que durou 17 horas na maior prisão de Manaus, capital do estado do Amazonas, no Brasil, provocou pelo menos 55 mortos. Inicialmente o balanço oficial indicava pelo menos 60 vítimas mortais, mas o número foi actualizado ao fim da tarde desta segunda-feira. Houve detidos que aproveitaram a rebelião para fugir do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), mas alguns foram entretanto recapturados.
Na origem do motim na maior unidade prisional do Amazonas terá estado uma “guerra” entre grupos criminosos rivais ligados ao narcotráfico. Foram feitos reféns reclusos e pelo menos 12 guardas prisionais, que foram libertados sem ferimentos. Os confrontos assumiram proporções de violência extrema, numa cadeia que albergava 1224 reclusos, quase o triplo da sua lotação (454 vagas), precisa a Folha de S. Paulo. De acordo com este jornal, algumas das vítimas foram decapitadas.
Ao fim da tarde desta segunda-feira foi noticiada uma nova rebilião numa cadeia de Manaus, desta vez no Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM). Ainda não há informações sobre fugas ou feridos, mas o governo do Amazonas garante que a situação está controlada.
Em nota, o governo informou que reclusos alojados num dos pavilhões tentaram fugir e foram impedidos pela Polícia Militar, que estava a reforçar a segurança da unidade. A edição online do Globo diz ter contactado pessoas que se encontravam no local e disseram ter ouvido tiros. Também esta cadeia regista uma forte sobrelotação, albergando, actualmente, 1.568 reclusos num espaço destinado a apenas 568.
"Nunca vi nada igual..."
O juiz de Execução Penal do Amazonas, Luís Carlos Valois, que foi chamado para negociar com os amotinados, ficou chocado. “Vi muitos corpos, parecendo que morreram entre 50 a 60 presos (pessoas), mas difícil afirmar, pois muitos estavam esquartejados”, afirmou no Facebook, antes de divulgado o primeiro balanço oficial. “Nunca vi nada igual na minha vida, aqueles corpos, o sangue...”
Foi o estado dos corpos, que segundo a Folha de S. Paulo, explica a revisão em baixa do balanço de mortos. "Nós tínhamos contado 60 [mortos]. Mas contaram repetido partes de corpos. O IML [Instituto Médico Legal] definiu que foram 55", afirmou o secretário de Estado de Administração Penitenciária, Pedro Florêncio, citado pelo jornal.
O motim do complexo de Anísio Jobim será o segundo maior massacre numa cadeia brasileira, apenas atrás da rebelião na prisão de Carandiru, em São Paulo, em 1992, quando 111 presos foram mortos, escrevem vários media brasileiros. A dimensão do massacre levou o ministro da Justiça brasileiro a deslocar-se a Manaus.
A maior parte das vítimas, diz a imprensa brasileira, estará ligada ao Primeiro Comando da Capital ou PCC, um dos grupos criminosos mais perigosos do Brasil, oriundo de São Paulo. A origem do motim está a ser atribuída à Família do Norte, uma organização criminosa do Amazonas, que mantém pelo menos desde 2015 um conflito com o PCC, pelo controlo do tráfico de cocaína — o Brasil é já o segundo maior consumidor desta droga, a seguir aos Estados Unidos.
A maior parte das vítimas, diz a imprensa brasileira, estará ligada ao Primeiro Comando da Capital ou PCC, um dos grupos criminosos mais perigosos do Brasil, oriundo de São Paulo. O comando da rebelião está a ser atribuído à Família do Norte, uma organização criminosa do Amazonas, que mantém pelo menos desde 2015 um conflito com o PCC, pela disputa pelo controlo do tráfico de cocaína.
Entre Junho e Julho desse ano, três líderes do PCC foram assassinados no interior de presídios de Manaus. O episódio terminou com o chamado Fim de Semana Sangrento que, decorreu entre sexta-feira, 17 de Julho, e segunda-feira dia 20. Nesses três dias foram contabilizados 38 homicídios nas ruas da capital do Amazonas, boa parte dos quais alegadamente ligados ao PCC e a outros grupos criminosos, conta a edição brasileira do El País.
A Família do Norte ter-se-à aliado a um outro grupo criminoso de âmbito nacional, o Comando Vermelho, oriundo do Rio de Janeiro. Um dos líderes da organização criminosa do Amazonas, que terá mandado matar os três responsáveis do PCC, terá sido responsável pelo rompimento de um acordo de cavalheiros entre o PCC e o Comando Vermelho, que durante quase 20 anos partilharam de forma relativamente pacífica o mundo do crime no Brasil.
Especialistas citados pelo El País consideram que o fim das tréguas foi oficializado com duas rebeliões em Outubro passado, em prisões da Roraima (o estado mais a Norte do Brasil) e Rondônia (que faz fronteira com o Amazonas), a maioria deles ligados à Família do Norte e ao Comando Vermelho.
O Compaj é controlado pela Família do Norte, com o PCC em minoria dentro da cadeia. Por isso, por questões de segurança os detidos ligados ao grupo paulista estavam concentrados em dois pavilhões, conhecidos como "seguro", que terão sido invadidos pelo grupo rival.
“Os interesses são sempre ligados ao narcotráfico. Essas organizações se alimentam principalmente do narcotráfico. Por conta de suas brigas por interesses deu-se esta tragédia. Infelizmente em outros estados já ocorreu isso. Nós entendemos, o governo do estado do Amazonas e principalmente o governador José Melo, que isso é um problema do Governo Federal, um problema de todos e não só do Amazonas”, afirmou Sérgio Fontes, secretário de Segurança Pública do Amazonas. .
"Na negociação, os presos não exigiram praticamente nada. Apenas que não houvesse excessos na entrada da Polícia Militar, coisas que não iriam ocorrer mesmo. O que acreditamos é que eles já haviam feito o que queriam, que era matar essa quantidade de membros da organização rival e a garantia que não seriam agredidos pela polícia. A Família do Norte massacrou os alegados integrantes do PCC e outros alegados adeptos”, revelou ainda Sérgio Fontes.
No domingo tinha havido uma fuga de 87 presos do Instituto Penal António Trindade, que fica a cerca de cinco quilómetros da prisão onde se verificou o massacre, um episódio que alguns jornais associavam ao motim de Compaj.
Terá sido parte desses fugitivos que introduziram no Complexo Penitenciário Anísio Jobim as armas usadas na rebelião, informou Pedro Florêncio. "Os presos receberam apoio por um buraco na muralha. As armas foram passadas por esse buraco", revelou.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, que cita um relatório de Outubro passado do Conselho Nacional de Justiça do Brasil, as condições da prisão Anísio Jobim são “péssimas”. Os presos não têm assistência jurídica, educacional, de saúde e social, sendo as condições para a reinserção social igualmente “péssimas”.
Esta prisão, a maior da unidade do Estado do Amazonas, não conta com aparelhos para detectar a entrada de metais e não tem qualquer tipo de bloqueadores para redes telefónicas móveis.