Pode um clube sobreviver ao desaparecimento de uma equipa?
Desastre aéreo na Colômbia fez 71 vítimas, incluindo 19 jogadores da Chapecoense que iam disputar a primeira mão da final da Copa Sul-Americana, a primeira final continental do clube.
Nesta quarta-feira a cidade de Chapecó e o seu mais representativo clube de futebol, a Chapecoense, deviam estar a viver um momento histórico: a equipa ia disputar a primeira mão da final da Copa Sul-Americana (a segunda competição de clubes mais importante do subcontinente, a seguir à Copa Libertadores) contra o Atlético Nacional. Mas, em vez de festa, o ambiente é de pesar. O avião no qual a equipa seguia para a Colômbia despenhou-se na segunda-feira à noite (madrugada de terça-feira em Portugal), e só três dos 22 futebolistas que viajavam sobreviveram. O futebol chora mais um acidente aéreo, que traz à memória casos tristemente célebres como os de Torino, Manchester United ou da selecção da Zâmbia – equipas que foram apagadas da história mas conseguiram reerguer-se.
A solidariedade veio de todas as partes do mundo, mas destacaram-se os testemunhos de quem já sentiu na pele desastres semelhantes: “Emoção pela tragédia na Chapecoense. É um destino que nos liga inextricavelmente. Força Chapecoense, estamos fraternamente convosco”, escreveu o Torino na rede social Twitter. A formação “granata” entrou de luto na partida frente ao Pisa, antes da qual foi cumprido um minuto de silêncio. “Os pensamentos de toda a gente no Manchester United estão com a Chapecoense e todos os afectados pela tragédia na Colômbia”, podia ler-se num tweet dos “red devils”.
Reconstruir um clube depois de um evento com estas dimensões trágicas não é simples. Bobby Charlton, que tinha 20 anos quando sobreviveu ao desastre de Munique, em 1958, que arrasou uma geração do Manchester United conhecida como “Busby Babes”, recordou um dia que o acidente foi “desmoralizador para todos: as famílias, os jogadores, os adeptos”. A equipa treinada pelo escocês Matt Busby, que vencera dois campeonatos e uma Taça, foi desfeita quando a equipa regressava de um jogo da Taça dos Campeões Europeus.
“Quando o acidente aconteceu pensámos que nada voltaria a ser igual. Tivemos de reerguer-nos. Vencer a Taça dos Campeões Europeus tornou-se uma demanda nossa, porque se não tivesse sido o acidente tê-la-íamos ganho naquele ano – tenho a certeza”, acrescentou Bobby Charlton. Honrar as vítimas com troféus tornou-se uma obrigação para o Manchester United, resumiu: “Não temíamos ninguém, nenhum desafio era intransponível. E, dez anos depois, fomos campeões europeus. Ganhar a Taça dos Campeões Europeus era uma dívida de gratidão para com aqueles que morreram”. Será deste espírito de superação que a Chapecoense precisará para se manter no lugar que é seu na elite do futebol brasileiro.
Se os “red devils” recuperaram para serem a potência que hoje se conhece, a história do Torino depois da tragédia de Superga, em 1949, foi menos feliz: vindo de cinco títulos consecutivos, o “Toro” só foi campeão mais uma vez (1976), tendo conquistado três Taças de Itália (1968, 1971 e 1993) e chegado a uma final da Taça UEFA (em 1992, que perdeu para o Ajax). O clube viveu altos e baixos, com várias passagens pelo segundo escalão, a última das quais entre 2009 e 2012. Dizimada num acidente aéreo em 1993, quando viajava para um jogo de qualificação para o Mundial, a selecção da Zâmbia veio a sagrar-se campeã africana em 2012.
Unidos pela dor, os adeptos de rosto fechado juntaram-se no estádio onde costumam reunir-se para apoiar os seus ídolos. “Passei no estádio antes de vir para a empresa e está muita gente lá. A cidade parou, muito comércio e empresas como a minha decidiram não abrir as portas. As pessoas querem estar juntas, a cidade é pequena e é normal a gente encontrar os jogadores. É como se todos tivessem perdido membros da família”, disse Everton Pereira, elemento da claque da Chapecoense, à BBC Brasil.
A Confederação Brasileira de Futebol suspendeu a última jornada do campeonato, que deveria realizar-se no domingo, adiando-a para dia 11. A prefeitura de Chapecó decretou 30 dias de luto oficial e suspendeu todos os eventos e festividades relacionados com o Natal e Ano Novo.
O desastre que vitimou a Chapecoense aconteceu a sensivelmente 50 quilómetros de Medellín, para onde o emblema brasileiro se dirigia. O avião onde seguia a equipa perdeu o contacto com a torre de controlo pouco antes das 22h locais, tendo-se inicialmente avançado como explicações uma falha eléctrica ou a falta de combustível. O ministro dos Transportes da Colômbia confirmou a descoberta da caixa negra da aeronave. “O saldo é de 71 mortos e seis sobreviventes, que estão a ser assistidos em hospitais próximos”, podia ler-se num comunicado da autoridade aeronáutica civil colombiana. Para além dos 19 futebolistas, o acidente vitimou também 20 jornalistas que seguiam com a equipa.
“O avião embateu contra uma colina de quase 200 metros de altura e ficou numa ribanceira”, explicou o comandante dos bombeiros de Itagüí, Misael Cadavid. Os trabalhos de resgate envolveram 150 pessoas e foram dificultados pelas más condições meteorológicas e pelo difícil acesso ao local do acidente. “Os destroços da aeronave dispersaram-se por um raio de 500 metros”, acrescentou a autoridade aeronáutica civil.
Um dia que seria inesquecível pelas melhores razões ficou para a história da Chapecoense pelos motivos mais trágicos. Com um vídeo dos jogadores em festa no balneário, o clube só deixou um pedido: “Que essa seja a última imagem dos nossos guerreiros.”