Tudo em cerâmica: nas Caldas nasceu uma bienal e uma nova colecção de design
Actividade de referência da cidade é o foco de uma bienal que fez as primeiras aquisições de peças de design contemporâneo em cerâmica para colecção coordenada por Fernando Brízio.
As Caldas da Rainha têm a cerâmica no seu ADN. Está nas fábricas que aloja, nos cursos que oferece em exclusivo, nas lojas, na arte pública e nos azulejos para cobrir parte da Praça da Fruta que brilham ao sol. A cerâmica está também na sua nova bienal, a Molda, que desde o final de Outubro quer vincar a identidade como Caldas Cidade Cerâmica e contribuir para a candidatura ao título de Cidade Criativa da Unesco - pelo caminho, já fez a Primeira Escolha do que será a sua colecção de design contemporâneo em cerâmica, “um legado” para a cidade e para o país, diz o designer Fernando Brízio.
Primeira Escolha é o título de uma das quatro exposições, ou eixos, que constituem esta primeira edição da Molda, que homenageia ainda uma fábrica - a Molde e o seu espólio de cerâmica industrial -, uma escola - a Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha (ESAD.CR), cujos alunos são responsáveis pela intervenção na Praça da Fruta azulejada - e uma colecção - a de João Maria Ferreira, focada na representação dos Animais na Cerâmica Caldense, da mais arcaica à contemporânea.
E é de cerâmica contemporânea, mas internacional abarcando também autores portugueses, que se fará a colecção que “fica sob custódia das Caldas”, como explica ao PÚBLICO o comissário geral da Molda, João Bonifácio Serra, e que pretende mostrar “a maior diversidade possível” de autores e propostas. Do designer estrela Konstantin Grcic ao próprio Brízio, passando pelos portugueses Filipe Alarcão, Marco Sousa Santos, Miguel Vieira Baptista ou Bela Silva, e por outros nomes internacionais como Marcel Wanders ou Maarten Kolk & Guus Kusters, estão para já representadas dezenas de peças de 52 autores. São as primeiras peças de uma “colecção de produção contemporânea em design com a cerâmica como matéria”, categoriza Brízio, também professor da ESAD.CR, adquirida com parte do orçamento da Molda e do programa Caldas Cidade Cerâmica: um milhão de euros para cinco anos desde 2015, 50% dos quais atribuídos pela autarquia e os restantes ainda a ser angariados pelos organizadores, que têm em vista parcerias e fundos comunitários.
Fazer compras online comprovou-se mais fácil do que pedir peças emprestadas para a exposição e aí percebeu ser possível fazer uma colecção, conta Fernando Brízio, conhecido pelo seu trabalho tanto por encomenda quanto para produção, especializado em design de produto mas a trabalhar nas fronteiras da arte, da experimentação e da produção em série. Foi “uma fórmula e uma feliz coincidência” que permitiu criar uma colecção que complementará de forma especializada acervos como a do Museu do Design e da Moda (Mude), da autarquia de Lisboa, ou de coleccionadores como Paulo Parra, muita da qual no MADE de Évora.
A colecção que agora nasce nas Caldas, e cujas primeiras peças estão em exposição até 4 de Dezembro no Museu José Malhoa, pretende também falar do que torna a cerâmica, “um material relativamente económico e de fácil acesso”, num dinamizador do próprio design. “Desempenhou um papel de experimentação que tem alargado a possibilidade de reflectir” na disciplina, explica Brízio, lembrando projectos como o que uniu o atelier holandês Droog à histórica Rosenthal em 1997, em que participou uma das integrantes da colecção, Helen Jongerius, “que a partir da cerâmica criaram novas possibilidades” numa disciplina dominada até então “por ideias de produção industrial, ou onde se procurava a perfeição no objecto, a superfície acabada”. Através da cerâmica e de novas tecnologias, começou-se a “assimilar o defeito com a qualidade e a usar novos materiais” e muitos designers abraçaram, por exemplo, a auto-produção. Em Portugal lembra a colecção multi-autor Terra, para o seminal atelier ProtoDesign de José Viana e Marco Sousa Santos, no mesmo ano, que uniu futuros grandes nomes como o de Grcic a outros então emergentes como Vieira Baptista. A versão completa dessa colecção, bem como um smartphone de cerâmica, por exemplo, fazem parte da “wishlist para futuras aquisições” do comissário da exposição e da colecção.
Ainda não se sabe onde ficará depositada a colecção, diz Fernando Brízio, mas ligação com as Caldas é determinante. A cidade é “um centro cerâmico reconhecido em Portugal e no estrangeiro, com actividade continuada desde o século XV” e desde o século XIX, detalha João Serra, professor coordenador na ESAD.CR, juntou-se ali “uma fileira completa, que vai desde a produção artesanal, a produção decorativa e artística, a produção industrial e um sistema de formação moderno que começou com a criação de escolas operárias, depois evoluiu para a formação técnica e, já no século XX, para o ensino superior”, onde a ESAD.CR “tem um curso de design de cerâmica e vidro único no país” cujos alunos expõem o seu trabalho na Casa dos Barcos nesta Molda. Somam-se-lhe “a patrimonialização do produto cerâmico através do museu” José Malhoa e sua secção especializada, com forte papel de Bordallo Pinheiro, detalha o antigo chefe da casa civil do Presidente Jorge Sampaio, e uma órbita de coleccionadores privados.
Em 2020, até quando está programado o Caldas Cidade Cerâmica, esta pretende candidatar-se à rede Cidades Criativas da UNESCO já com três edições da bienal realizadas e dois anos ímpares de iniciativas mais focadas na investigação, como explicou João Bonifácio Serra. Portugal já tem duas das 116 cidades criativas Unesco - Óbidos, na categoria Literatura com o festival literário Folio, e Idanha-a-Nova, com a música e dinâmica do Boom Festival. Esta é uma rede lançada em 2004 em torno de áreas que abrangem ainda a gastronomia, o cinema ou as artes dos média, e que visa incentivar a “promoção da criatividade e das indústrias culturais, partilhar boas práticas, fortalecer a participação na vida cultural e integrar a cultura nos planos e estratégicas de desenvolvimento económico e social”.