Bruxelas vê desvio de cerca de 900 milhões de euros nas contas do OE
Comissão diz estar mais pessimista em relação à economia, alerta que há medidas “pouco especificadas” e pede mais explicações até quinta-feira. O Governo minimiza e garante que se trata apenas de questões metodológicas.
Passados nove meses, o país começou esta terça-feira a assistir a mais uma ronda de negociações entre o Governo e a Comissão Europeia sobre medidas de consolidação orçamental e os seus efeitos no défice.
O primeiro passo foi dado por Bruxelas. Numa carta de resposta aos planos orçamentais que tinham sido enviados pelo Executivo português, os comissários Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici avisam Lisboa que, de acordo com as suas estimativas, o OE aponta apenas para uma “ligeira melhoria” do saldo estrutural face a 2016. Isto significa que, caso essa estimativa se viesse a confirmar, se estaria perante “o risco de desvio significativo da melhoria recomendada de pelo menos 0,6 pontos do PIB” no saldo estrutural, afirma a Comissão.
Estes números de Bruxelas contrariam aquilo que está previsto pelo Governo no OE. Aí projecta-se precisamente que as medidas tomadas e a evolução esperada da economia permitam o cumprimento das regras orçamentais europeias com uma redução de 0,6 pontos percentuais do défice estrutural e um corte de 0,8 pontos no défice nominal.
A diferença entre a projecção da Comissão – que estará próxima de uma redução de 0,1 pontos no défice estrutural - e a do Governo corresponde assim a um valor situado perto dos 900 milhões de euros.
Na carta dirigida a Mário Centeno, os dois comissários explicam que “o cenário mais negativo em comparação com o draft do orçamento apresentado por Portugal está relacionado com um cenário macroeconómico menos optimista projectado pela Comissão e pelo facto de algumas medidas anunciadas não terem sido suficientemente especificadas”.
Por isso, a Comissão pede que Portugal envie até à próxima quinta-feira mais informação sobre a forma como pretende cumprir a meta de redução do défice estrutural de 0,6 pontos. Bruxelas pede também informação adicional sobre as estimativas de execução do orçamento em 2016, algo que também está a ser pedido pelos partidos da oposição e pela UTAO e que o Governo se disponibilizou para enviar ao Parlamento durante esta semana.
No final do debate sobre o OE que decorreu esta terça-feira no Parlamento, o ministro das Finanças falou aos jornalistas sobre as dúvidas da Comissão Europeia, minimizando a sua importância. Não são questões que “coloquem em causa o plano orçamental que foi aceite, nem aquilo que será a implementação desse plano”, disse.
Mário Centeno diz que as divergências em relação ao valor estimado para o saldo estrutural estão relacionadas com a “metodologia de cálculo do défice do saldo estrutural”. “Não é uma matéria nova”, justificou. O ministro deu a garantia de que vão ser dadas clarificações pelo Governo a Bruxelas, assinalando que entre as duas partes existe “um diálogo intenso mas construtivo”.
Recorde-se que esta segunda-feira, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) já tinha alertado para a possibilidade de a contabilização do efeito das medidas presentes no OE conduzir a um valor do saldo estrutural pior do que o apresentado pelo Governo e distante das exigências feitas por Bruxelas.
Portugal não é o único a ser alvo das dúvidas de Bruxelas. Dos dezoito países da zona euro que enviaram os seus planos orçamentais à Comissão Europeia (Grécia não o fez porque se encontra a cumprir um programa de ajustamento), seis receberam agora cartas dos comissários Dombrovskis e Moscovici a detectar desvios e/ou a solicitar mais explicações. Bélgica, Espanha, Itália, Chipre, Lituânia e Finlândia foram os alvos escolhidos, para além de Portugal.
O envio de uma carta a dar conta de diferenças de análise e a pedir informações adicionais é geralmente o primeiro passo que é dado pela Comissão no processo de análise aos planos orçamentais que cada um dos governos da zona euro está a submeter aos respectivos parlamentos.
Durante as próximas semanas, Bruxelas terá de decidir, após um diálogo com os respectivos governos, se considera as propostas orçamentais como estando “conformes” às regras europeias, “globalmente conformes”, em “risco de incumprimento” ou “em sério risco de incumprimento”.
Quando analisou no início do ano os planos orçamentais portugueses para 2016, a Comissão detectou um desvio muito significativo do valor estimado para o défice estrutural e começou por ponderar uma classificação de “sério risco de incumprimento”, o que obrigaria o Governo a ter de apresentar uma versão revista do orçamento, algo nunca visto na UE. No entanto, depois de o Executivo se ter comprometido com novas medidas de consolidação orçamental no valor de 970 milhões de euros, a Comissão acabou por aceitar que o défice estrutural cairia 0,2 pontos e acabou por rever a sua avaliação para apenas “risco de incumprimento”.
Desta vez, uma vez que ao nível do défice nominal, a Comissão já está a apontar para um valor abaixo dos 3% tanto em 2016 como em 2017, não se prevê que a avaliação possa ser de “sério risco de incumprimento”, o cenário em que o Governo teria de apresentar um orçamento revisto. Entre as outras possíveis avaliações, o resultado depende da forma como o Governo irá conseguir responder às dúvidas agora manifestadas por Bruxelas.