Vai o novo plano para o interior mobilizar o país?

Grupo responsável pelo programa para desenvolver o interior vai discutir com autarquias ajustamento das medidas a cada região. Associação de Municípios não se pronuncia sobre a estratégia.

Foto

Há quem diga que o Programa Nacional para a Coesão Territorial, quinta-feira aprovado em Conselho de Ministros, é só "um apêndice do programa de Governo". O tema não está fechado. Começa agora a discussão sobre medidas específicas para diferentes regiões do interior.

Nos seis meses que durou a elaboração do programa estratégico, a Unidade de Missão para a Valorização do Interior, coordenada por Helena Freitas, na dependência da presidência do Conselho de Ministros, recebeu contributos de vários ministérios, autarquias, associações e outras organizações. A investigadora conta dezenas de debates, colóquios, jornadas, fóruns, palestras e dezenas de reuniões com comissões de coordenação e comunidades intermunicipais. 

O que tem este programa de diferente? “O problema é que olham para o interior como um todo”, responde Helena Freitas. Acredita que as políticas para o desenvolvimento do interior “têm falhado devido à incapacidade de as territorializar e de as trabalhar a nível sub-regional”. A não diferenciação entre os territórios que integram o interior do país, leva a que as políticas públicas “encarem como iguais os problemas e as potencialidades do interior alentejano e do norte transmontano”, exemplificou. 

Helena Freitas coordenará um grupo de trabalho que nos próximos três meses criará uma agenda com medidas específicas para diferentes regiões do interior. A chamada Agenda para o Interior, explicou, pretende corrigir o tal "erro" de tomar a parte pelo todo. Vai abrir a discussão às autarquias. 

Tornar o Guadiana navegável para a dinamização da vila de Mértola, impulsar o sector agro-alimentar em Moimenta da Beira, criar um campo interuniversitário na Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro em parceria com o Instituto Politécnico da Guarda. Estes são alguns dos “projectos estruturantes” que, segundo a investigadora, podiam vir a integrar a Agenda para o Interior.

A estratégia agora aprovada organiza-se em torno de 164 medidas. Prevê campanha para mudar a imagem do interior, valorização dos recursos endógenos, quadro fiscal mais favorável para as empresas, incentivos à contratação de jovens, apoio à mobilidade geográfica de desempregados, instalação de serviços públicos de proximidade, alargamento da mobilidade e transportes no território, aposta numa nova relação transfronteiriça. 

Não é “um programa de regresso ao passado”

“É a primeira vez que um governo define uma estratégia nacional para o desenvolvimento do interior”, comentou a ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, na conferência de imprensa realizada no final do último Conselho de Ministros.  O ministro adjunto Eduardo Cabrita diz que este não é “um programa de regresso ao passado”, que implica reabertura automática de serviços encerrados nos últimos anos, mas um programa de igualdade de acesso a serviços, que procura mobilizar investimento para o interior. “É um programa com uma dimensão profunda, que olha para o futuro, que recusa uma visão fatalista.” Parte dele vem do Programa do XXI Governo Constitucional, concretizando no Programa Nacional de Reformas. Algumas medidas constam da proposta de Orçamento do Estado.

Para já, o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Manuel Machado, não quer pronunciar-se. Primeiro vai analisar o documento final com todo o cuidado. Mas a 11 de Outubro a ANMP emitiu um parecer. Nele sustentou que “para que o programa possa ser concretizado, independentemente das políticas de cada governo, e assumir-se como um verdadeiro instrumento de desenvolvimento do interior, deveria proceder-se a um profundo debate, de modo a obter-se um amplo consenso sobre o estatuto da baixa densidade e do mundo rural”. Bastar-lhe-á a nova discussão em torno da "agenda do interior"? 

Henrique Pereira dos Santos, arquitecto paisagista que foi dirigente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, vê opacidade no processo. Acha que seria necessário “envolver toda a nação”. “Um programa nacional é um programa nacional, portanto deve ser feito com as pessoas e as instituições, o que inclui todos os agentes políticos e económicos”, defende. Este “é um apêndice do programa do governo, a ser substituído na primeira oportunidade e com pouco interesse para mobilizar o país para uma gestão socialmente óptima do interior”. 

Para Eduardo Castro, coordenador do Grupo de Estudos em Território e Inovação da Universidade de Aveiro, o país precisa de pensar o desenvolvimento do interior a 10, 15, 20 anos, mas também tem de ser pragmático. “Os consensos são importantes, mas, se vamos por aí, daqui a dez anos ainda estamos à procura de consensos. Os consensos constroem-se”, frisa. Parece-lhe que este programa pode servir de base para o construir.

“Revemo-nos nesta abordagem integrada, numa maior coesão territorial por via da valorização do interior”, comenta Pedro Cegonho, presidente da Associação Nacional de Freguesias, que fez parte do Conselho de Concertação Territorial, como a ANMP. “É importante agora que haja monitorização da implementação das medidas. É importante realizá-las, sobretudo, no que tem a ver com pessoas, com a criação de emprego, a fixação de quadros.”

De que serve atrair empresas?

Que não haja equívocos, adverte Eduardo Castro. A população, em grande parte do interior, é pouca e envelhecida. “De que serve atrair empresas se não há gente para trabalhar?” Tem de se atrair mão-de-obra. E, reitera, tem de haver serviços que garantam qualidade de vida às pessoas (serviços de saúde, de educação, de justiça) e acessibilidades. As portagens, em seu entender, são um erro. E o interior não é todo igual. É diverso mesmo dentro das regiões. Às vezes, dentro dos concelhos. Uma instituição do ensino superior pode fazer toda a diferença.

Augusto Mateus, economista, ministro de António Guterres, julga que é fundamental abandonar a concepção “simplista” de que “basta ligar a máquina”. É necessária “cultura, criatividade e conhecimento” sobre os bens e serviços a produzir e “conhecer as reais necessidades dos mercados”. Não só a nível local, mas também mundial: “Porque quando um turista vai de férias para o Alentejo, coloca o Alentejo a competir com todos os outros destinos turísticos.”

Sugerir correcção
Comentar