Governo desafiado a reabrir parte do Portugal que fechou nos últimos cinco anos
O Programa Nacional para a Coesão Territorial estará nesta quinta-feira em cima da mesa do Conselho de Ministros. Unidade de missão propõe medidas para mudar a imagem e a vida do interior.
Como corrigir os desequilíbrios entre o litoral de Portugal, mais povoado, mais jovem, e o interior, mais envelhecido, com menos oportunidades? O Programa Nacional para a Coesão Territorial, que nesta quinta-feira será discutido em Conselho de Ministros, prevê uma campanha para mudar a imagem do interior, a valorização dos recursos endógenos, a aposta numa nova relação transfronteiriça e a reabertura de parte do Portugal que fechou nos últimos cinco anos.
“É urgente desconstruir uma falsa percepção de interioridade que desvirtua o potencial destes territórios. É urgente afirmar pela positiva o interior do país, impondo políticas públicas orientadas para esse fim”, escreve Helena Freitas, coordenadora da Unidade de Missão de Valorização do Interior, entidade dependente da Presidência do Conselho de Ministros que ao longo de seis meses preparou o programa com base num processo de consulta e interacção.
O diagnóstico está feito. Portugal está pendurado no litoral. As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto ocupam 5% da área total, mas acolhem 62% das pessoas em idade activa e quase 50% do tecido empresarial. “No decorrer do processo de auscultação e recolha de contributos, acentuou-se a convicção de que tal assimetria resultará do facto de terem sido sucessivamente implementadas políticas iguais de forma transversal ao todo nacional, no fundo, tratando de forma igual o que é diferente”, refere João Paulo Catarino, adjunto da unidade de missão, no documento a que o PÚBLICO teve acesso e que hoje mesmo deve ficar acessível.
A estrutura do território é muito influenciada pelo acesso a serviços, equipamentos, infra-estruturas. O programa assume – escreveu Catarino – “a elementar obrigatoriedade do Estado manter os serviços públicos com a mesma qualidade e proximidade aos cidadãos portugueses no todo nacional e a constatação evidente da urgência de reduzir os custos de contexto associados à interioridade”.
Unidade Local da PJ em Évora
Prevê-se a reactivação de 20 tribunais que foram encerrados na última reforma administrativa e a reclassificação de 23 secções de proximidade, algo que a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, já anunciou. Para “aproximar a justiça das populações”, a unidade de missão sugere também que se desdobre sete juízos de família e menores e se reforce a rede de julgados de paz. Aconselha ainda o Governo a manter os postos da GNR e as esquadras da PSP nos concelhos do interior e a abrir uma Unidade Local da Polícia Judiciária em Évora, com um reforço da cobertura local em 15 municípios.
Nos últimos cinco anos, o país fechou 1808 escolas, 1027 dos quais no interior, sobretudo do pré-escolar e básico. Os autores do documento não dizem que se deve reabrir todas. Julgam pertinente fazer “um estudo de impacte orçamental (ao nível dos indicadores de abandono e insucesso escolar)”. E acham que se deve pensar em turmas mais pequenas, evitando juntar alunos de diferentes anos lectivos, como tem acontecido em muitos sítios.
No mesmo período, Portugal perdeu 117 extensões de saúde, 50 das quais no interior. Sobre este assunto, reconhece-se que será necessário incentivar médicos a fixarem-se nos territórios carenciados. Em linha do que já foi dito pelo ministro Adalberto Campos Fernandes, o programa contém um aumento de 40% da remuneração base nos médicos em início de carreira – mais 1098,50 euros brutos. Além dos dois dias de férias extra já previstos, outro por cada cinco anos de serviço. E 15 dias para participar em investigação com direito a ajudas de custo e transporte. Um aperfeiçoamento profissional também terá essas ajudas.
Na mesma ordem de ideias, a unidade de missão aconselha o Governo a “diversificar e aumentar a oferta de serviços de registo”, a expandir a rede “balcão cidadão móvel”, a partir da experiência da comunidade intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, a promover a deslocalização de outros serviços públicos e a alargar a rede de Gabinetes de Apoio ao Emigrante.
O que é o interior?
O programa incide sobre 165 municípios do interior. Interior, aqui, não é sinónimo de longe do oceano. “A designação actual advém não apenas de aspectos demográficos, mas também económicos (escassez e fraca diversidade de actividades económicas, elevada taxa de desemprego), urbanos (insuficiente dimensão da maioria dos seus centros urbanos, mesmo os mais importantes), institucionais (reduzido leque de entidades com atribuições e competências de proximidade) e relacionais (fracas redes de parcerias e deficientes taxas de participação e envolvimento da população)”, refere o documento. Nesta lógica, quase todo o Alentejo é interior.
O plano abrange todas as áreas de governação. Organiza-se em prol de cinco eixos e mais de 160 medidas. Algumas destas já constam noutros documentos, inclusive de várias candidatura a fundos comunitários, as Grandes Opções do Plano ou mesmo a proposta de Orçamento do Estado. Conjugam estratégias para “fixação das populações, a formação do capital humano, a inovação e o desenvolvimento inteligente, inclusivo e sustentável do território”.
Na longa lista, sobressai o projecto “Aldeias 4G Sustentáveis”. A ideia é começar já para o ano a “dotar 100 aldeias de infra-estruturas, energias renováveis e telecomunicações eficientes”. Esse projecto conjuga-se com outros em curso: a cobertura de banda larga móvel em mais 1000 freguesias e a cobertura nas sedes de concelho e nos centros históricos. As novas tecnologias são fundamentais para encurtar distâncias, reduzir a diferença entre rural e urbano, atrair pessoas e investimento.
Apesar da necessidade de atrair jovens e investimento, os investigadores chamam a atenção para a importância de adequar infra-estruturas e serviços às pessoas mais velhas. A maior parte da população é idosa e necessita de espaços habitacionais adequados, serviços básicos de proximidade e redes de apoio domiciliário com vista à promoção da “vida digna, autónoma e saudável.”
Helena Freitas, eleita deputada pelo PS nas últimas eleições legislativas pelo círculo de Coimbra, suspendeu o mandato em Março para coordenar a unidade de missão. Não deverá agora regressar à Assembleia da República. O trabalho da unidade de missão deverá continuar.