Só Costa desbloqueou o impasse
O Bloco negociou com o Governo até de madrugada mas o PCP, devido a um recuo do executivo, arrastou as conversas até ao fim da tarde de sexta-feira. No final, os dois partidos falaram mesmo em “vitórias”. Falta a especialidade, mas os votos estão garantidos.
O PCP apostou nas pensões, o Bloco no imposto sobre o património imobiliário. Ambos conseguiram, em parte, levar a água ao seu moínho. Mas o rodopio das negociações entre os partidos da esquerda e o Governo não se vai ficar por aqui. Confortáveis com as poucas bandeiras que podem agora erguer, deixaram ficar muitos outros temas, vistos como acessórios, pendurados para a discussão na especialidade. Terão precisamente um mês e meio para acertos e trocas de mensagens como as que esta sexta-feira à tarde fizeram a entrega do orçamento na Assembleia da República derrapar quatro horas.
Para já, ao mesmo tempo que clamam vitória por algumas medidas que conseguiram inscrever no OE2017, BE, PCP e PEV mantêm o discurso da necessidade de analisar a fundo a proposta do Governo, mas será ponto assente que o diploma tem aprovação garantida na generalidade, a 4 de Novembro. E António Costa não tem dúvidas: “Não posso dizer que estejam 100% de acordo com aquilo que está no Orçamento, mas o grau de divergência que existe não inviabiliza a sua aprovação”, disse o primeiro-ministro e líder do PS esta sexta-feira à noite. Que não se cansa de repetir a ideia de que “nas matérias essenciais há acordo” e que “não está em causa” a “solidez” dos acordos de 10 de Novembro passado.
Na contabilização do deve e do haver entre o que exigiam e o que conseguiram, Bloco, PCP e PEV estão confortáveis com os respectivos acordos. Que só foram desbloqueados com o regresso de António Costa da viagem à China, na quinta-feira a meio do dia. "Só na quarta e quinta-feira de noite é que o Governo comunicou aos seus aliados a resposta a propostas fundamentais, alimentando a incerteza até então. Sem o primeiro-ministro não há negociação", escreve Francisco Louçã, que acompanhou as negociações à distância.
Costa chegou a Lisboa na quinta-feira, ao meio-dia. Sentou-se no Conselho de Ministros, que durou até depois das 20h00. E foi depois que o Governo se reuniu com o Bloco, madrugada fora, para fechar esta parte do acordo. O PCP ficou para manhã de ontem.
A meio da tarde de sexta-feira, sozinho no seu gabinete, João Oliveira não largava o computador e o telemóvel. O líder parlamentar comunista geria o melhor que podia as negociações entre a sua equipa e o Governo depois do passo atrás que este dera sobre a contratação colectiva pública. O Conselho de Ministros aprovara o desbloqueamento para toda a administração pública na quinta-feira, mas ontem de manhã recuou e queria manter as condições que vigoraram até aqui pelo menos no sector empresarial do Estado. Uma discriminação a que os comunistas bateram o pé enquanto puderam – até porque António Costa, no debate quinzenal horas antes, tinha concordado com Jerónimo de Sousa na “necessidade de desbloquear a contratação colectiva” e porque o Governo se comprometera com o PCP, na discussão do OE2016, a eliminar estas restrições na proposta para 2017.
Os comunistas acabaram por ganhar alguma coisa: o aumento do subsídio de refeição será afinal para todo o universo estatal e o pagamento do trabalho suplementar e nocturno também. As horas foram passando e nos corredores comentava-se o finca-pé entre PCP e Governo. Mas sobre as pensões os comunistas não tinham dúvidas: “É uma vitória que custou muito a alcançar”, disse João Oliveira ao PÚBLICO. Se chega? “Claro que não!” Até porque este "é um orçamento do Governo PS. O PCP promete voltar à carga na especialidade. Tal como o Bloco. E a avaliar pela sua reacção ao incumprimento do Governo no fim da sobretaxa, será também por aí que vão pegar.
Do outro lado do edifício, o Bloco de Esquerda aguardava, com a serenidade de quem já tinha o que queria, conseguido na negociação sobre os temas essenciais que se prolongara até de madrugada: o chamado imposto Mortágua. Este adicional ao IMI, ia mesmo avançar, para fazer entrar nos cofres do Estado cerca de 160 milhões de euros, que serão canalizados para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, anunciou o primeiro-ministro de manhã no debate quinzenal. António Costa até disse a Assunção Cristas que o imposto foi desenhado de forma a que o CDS o aprove.
Ainda de manhã, Jerónimo de Sousa regozijava-se discretamente no debate quinzenal: “A nossa persistência deu frutos e é hoje alargada. A discussão hoje já não é se é ou não possível, mas sim de quanto será o aumento e em que condições será feito. Valeu a pena insistir; valeu a pena dialogar.” E não resistiu a um recado ao Bloco, dizendo que no OE 2016 o PCP se “bateu sozinho pelo aumento real das pensões, com a proposta de 10 euros [de aumento], quando muitos se contentaram com aumentos diminutos das actualizações automáticas. O PCP sublinhou que não era suficiente e continuou a bater-se por ela.”