Israel suspende relações com a UNESCO por "decisão delirante"
Governo acusa a agência da ONU de negar as ligações do judaísmo ao seu lugar mais sagrados, o Muro das Lamentações. Bokova condena texto.
As relações entre o Estado de Israel e diferentes agências das Nações Unidas não costumam ser muito boas, mas desta vez o Governo decidiu mesmo bater com a porta à UNESCO. Tudo por causa de uma resolução que condena as políticas israelitas em relação ao complexo da Mesquita al-Aqsa, em Jerusalém, lugar sagrado para as três religiões do Livro em Jerusalém Oriental, ocupada.
O texto, proposta por vários países árabes (Argélia, Líbano, Marrocos, Omã, Qatar, Sudão e o Egipto, que tem relações com Israel), foi aprovado com 24 votos a favor, seis contra (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Holanda, Lituânia e Estónia) e 26 abstenções. Ali se descreve Israel como “poder ocupante” e se refere o complexo na Cidade Velha pelo nome “Mesquita al-Aqsa/Haram al-Sharif (Nobre Santuário)”, o seu nome muçulmano – para os israelitas, o complexo que incluiu o Muro das Lamentações, chama-se Monte do Templo.
No topo da colina da discórdia fica a mesquita da cúpula dourada, o terceiro lugar mais sagrado para o islão (depois de Meca e Medina), onde os crentes acreditam que Maomé ascendeu ao céu. Já para o judaísmo, era aqui que se erguiam dois templos bíblicos, junto ao Muro das Lamentações, venerado precisamente por fazer parte das muralhas do complexo que incluiria o templo entretanto desaparecido.
Três religiões monoteístas
A resolução da UNESCO reconhece “a importância da Cidade Velha de Jerusalém e das suas Muralhas para as três religiões monoteístas”, mas denuncia as restrições de acesso impostas pelas autoridades israelitas aos muçulmanos que querem rezar na mesquita. O acesso faz-se sempre através de uma entrada controlada por soldados israelitas e este pode ser cortado quando o Governo de Benjamin Netanyahu assim entender.
Segundo se pode ler no texto, a sua votação tem por objectivo “a salvaguarda da herança cultural da Palestina e o carácter distintivo de Jerusalém Oriental”. A resolução apela ao regresso à situação histórica que esteve em vigor até 2000, quando a única instituição com a tutela do conjunto a que os muçulmanos chamam Pátio das Mesquitas era a direcção do Waqf (gabinete do património muçulmano) jordano.
Para o ministro da Educação israelita, Naftali Bennet, a resolução é uma vergonha que “nega a História e encoraja o terrorismo islamista”. Ao votar este texto, acrescenta, a UNESCO ignora “milhares de anos de laços judeus a Jerusalém”. O primeiro-ministro descreve “mais uma decisão delirante”, afirmando que a agência da ONU para a cultura se transformou “num teatro do absurdo”.
“Dizer que Israel não tem ligação ao Monte do Templo [como os judeus se referem ao complexo] ou ao Muro das Lamentações é como dizer que a China não tem nada a ver com a Grande Muralha ou o Egipto com as Pirâmides”, comentou ainda Netanyahu no texto que publicou no Facebook. “A UNESCO perdeu a pouca legitimidade que conservava.”
Ocupação e Jerusalém, capital
Já os palestinianos tiveram, naturalmente, uma reacção bem diferente. “Esta é uma mensagem importante, uma maneira de dizer a Israel que deve pôr fim à sua ocupação e reconhecer o Estado palestiniano e Jerusalém como sua capital com os locais sagrados muçulmanos e cristãos”, disse Nabil Abu Rdainah, porta-voz do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas.
Horas depois da aprovação da resolução, votada pela direcção executiva da organização, e num sinal da sensibilidade do tema, a directora da UNESCO fez saber que discorda do seu conteúdo. “A Mesquita al-Aqsa ou o Haram al-Sharif, o santuário dos muçulmanos, também é o Har HaBayit – ou Monte do Tempo –, cuja muralha ocidental é o lugar mais sagrado do judaísmo”, diz Irina Bokova num comunicado divulgado esta sexta-feira.
A declaração, escreve o jornal israelita Ha’aretz, foi publicada depois do embaixador de Israel na UNESCO, MK Carmel Shama-Hacohen, ter pedido a Bokova para se opor à resolução. Em Abril, depois de ser aprovado um texto semelhante, a directora já o tinha criticado. “A herança de Jerusalém é indivisível e cada uma das suas comunidades tem direito a um reconhecimento explícito da sua história e da sua relação com a cidade”, afirma ainda Bokova. “Negar, esconder ou apagar as tradições judaicas, cristãs ou muçulmanos mina a integridade deste lugar”.