Arco do Cego já não é palco de guerra entre moradores e estudantes. O pior são "os outros"
Moradores querem encontrar soluções em conjunto com os estudantes e a Câmara de Lisboa. “Imaginar que [este tipo de conflito] pode ser eliminado é uma ilusão”, considera o sociólogo João Sedas Nunes.
Cerca de 30 estudantes do Instituto Superior Técnico (IST) participaram na manhã desta quinta-feira numa acção de sensibilização e limpeza do jardim do Arco do Cego, já conhecido como o “cervejódromo” de Lisboa. A iniciativa “Um Jardim para Todos” partiu da Junta de Freguesia de Avenidas Novas que convocou a Associação de Estudantes do IST, sob o manifesto agrado da Associação de Moradores do Arco do Cego também presente no jardim esta manhã.
A posição das três partes envolvidas é unânime: não há qualquer guerra entre moradores e estudantes do IST. Como nota o presidente da Junta, Daniel Gonçalves, “estes jovens estão interessados em manter este espaço limpo, porque, como os moradores, são os maiores afectados pela degradação do espaço.” Degradação pelo lixo acumulado, pelo ruído e pela sobrelotação do espaço. Rosa Ribeiro, da associação de moradores, reforça: “Eles também sofrem como sofrem os moradores. Espera que esta iniciativa permita que outros utilizadores do espaço tomem consciência como isto pode ficar sujo”.
É exactamente aos “outros utilizadores” do jardim que querem chegar. “Como qualquer espaço público, o jardim não é só frequentado por estudantes do Técnico. Há outros estudantes, há trabalhadores, há grupos de jovens que vêm para cá e não estão sensibilizados nem preocupados com este espaço”, acredita Rosa Ribeiro.
A associação de moradores foi criada em Junho deste ano, após “ saturação com a situação do jardim, que já estava muito grave”, nas palavras de Raquel Paisana, presidente da associação. “Mas desde então, tendo havido um crescendo de barulho, de lixo, de insegurança”, queixa-se. A moradora afirma que, “não raras vezes”, tem dificuldade em entrar no prédio onde mora e “quase todas as semanas” chama a polícia por causa do barulho.
Os estudantes vão reunir na próxima semana com os moradores para que possam ser encontradas “soluções conjuntas” para este problema. “Nós fazemos parte da solução, não do problema”, reforçou Rodrigo do Ó, presidente da Associação de Estudantes do IST. Os moradores pretendem propor uma série de iniciativas de sensibilização que tenham lugar no jardim, durante a tarde, e possam ser vistas por todos os que frequentam o local.
Eliminar o conflito "é uma ilusão"
Para quem vive com o “cervejódromo” à porta de casa, os problemas vão para além do lixo. Os moradores contestam a venda de álcool nos três estabelecimentos próximos porque estes não têm esplanada e “obrigam”, segundo os moradores, os clientes a consumir na rua. Somam a isto o ruído, o cheiro a urina e a “transformação deste jardim num ponto de venda de droga”, acrescenta Raquel Paisana.
“Há aqui uma grande sensação de impunidade, sentimos que as pessoas vêm para cá e podem fazer o que lhes apetece, até às horas que lhes apetece”, frisa a representante dos moradores.
Para que seja possível fazer uma “intervenção de fundo”, os moradores do Arco do Cego pedem à Câmara de Lisboa que reúna com as Juntas de Freguesia envolvidas – de Avenidas Novas e Areeiro – e com os moradores. “Não queremos que não se gaste mais dinheiro no jardim até que nos sentemos todos à mesa”, defende Rosa Ribeiro, referindo-se ao gradeamento colocado sobre os muros do jardim, com o qual os moradores não concordam, por verem “que aquilo só serve para colocar copos, de bengaleiro e de assento”.
Segundo a associação de moradores, a restrição do horário de funcionamento dos três estabelecimentos próximos, que antecipou o fecho da meia-noite para as 21h, não é suficiente. Um dos estabelecimentos em causa criou uma petição para que a autarquia volte atrás na decisão de reduzir o horário de funcionamento.
João Sedas Nunes, sociólogo e investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, considerou, numa conversa telefónica com o PÚBLICO que, ainda que possa ser mantido “dentro de certos limites”, imaginar que o conflito de interesses diferentes nas cidades possa ser eliminado “é uma ilusão”. O sociólogo, numa pequena entrevista, destaca que é um fenómeno social comum a sobreposição no tempo de grupos com diferentes faixas etárias em determinados espaços públicos — o que, muitas vezes, gera tensões que só terminam quando um dos grupos se torna hegemónico.
"Ou os espaços são ocupados à vez por grupos diferentes ou porque são ocupados hegemonicamente por certos grupos, portanto outros grupos acabam por se afastar dele", considerou o sociólogo. Na perspectiva de Sedas Nunes, "a vida social é feita de convivência e de conflito" e, por isso, não são incompatíveis um com o outro.
Quando questionado sobre esta tendência grupal, o sociólogo considerou que não se trata "nada de extraordinário" e é um comportamento que faz parte dos processos de convivência social de grande parte dos jovens. "Basta pensar que os jovens fazem parte da vida em contexto escolar e estes contextos propiciam, em contexto institucional, a formação de grupos", concluiu.
E há muito pouco que as cidades possam fazer para inserir a integração juvenil: "É uma utopia controladora pensar que se fazem coisas" para esse feito, acredita Sedas Nunes. Não por as cidades não serem capazes de criar infraestruturas ou espaços destinados para os jovens, mas porque estes, "em bom rigor, não precisam disso para nada, como, em regra geral, os actores sociais precisam pouco", entende o especialista em sociologia da juventude.
"Quando criamos infra-estruturas que sedimentem as práticas juvenis, muitas vezes, vemos que os jovens se apropriam de espaços que não imaginaríamos a priori", remata.