Grupo rebelde da Síria tem campo para desertores do Estado Islâmico
Entres os que desistiram de combater ao lado dos jihadistas há europeus que já regressaram a casa. Uns 300 estão num campo de reabilitação gerido por um grupo da oposição a Assad.
A localização do campo é secreta e a “janela de oportunidade” para quem queira desertar está a fechar-se, diz à BBC o comandante do grupo rebelde Jaish al-Tahrir, formado por combatentes considerados moderados e apoiado pelos Estados Unidos. “O [Daesh ou autoproclamado] Estado Islâmico tem estado a desfazer-se nos últimos seis, oito meses, segundo os desertores com que falámos”, diz Mohammad al-Ghabi.
No campo não vivem apenas ex-combatentes, também lá podem ficar as suas famílias. “Tentamos reabilitá-los e alterar a sua disposição”, conta Ghabi. A emissora pública britânica tentou visitar o campo e não conseguiu, mas os seus jornalistas puderam ver material sobre as condições de vida e falar com pelo menos um prisioneiro. Segundo a BBC, os detidos dizem ser bem tratados, mas muitos querem sair dali.
Entre os cerca de 300 desertores e combatentes capturados que ali se encontram actualmente, há franceses, holandeses e polacos, mas também gente de países do Norte de África, Médio Oriente e Ásia Central. São todos homens; as mulheres e crianças que se encontrem na mesma situação são mantidas numa aldeia rural do Norte das Síria.
De acordo com Ghabi, as deserções aceleraram-se desde que a Turquia iniciou a Operação Escudo de Eufrates, no fim de Agosto. O Governo turco sempre esteve envolvido no conflito da Síria, mas até agora apoiava diferentes grupos da oposição armada e política, sem enviar forças terrestres para o lado sírio da fronteira. Nas últimas semanas, Ancara decidiu avançar de forma mais robusta, com unidades de infantaria, tanques e apoio aéreo a grupos rebeldes árabes que combatem os jihadistas do Daesh, ao mesmo tempo que mantêm mais longe da fronteira os grupos de curdos (apoiados pelos Estados Unidos).
“A Operação Escudo de Eufrates degradou ainda mais o Daesh e provocou o seu desmembramento depois dos rápidos avanços das nossas forças”, diz Ghani à BBC. O grupo de que é comandante, Jaish al-Tahrir, é apoiado ao mesmo tempo pelos EUA e pela Turquia (os dois nem sempre coincidem nas suas apostas, com Washington a ter nos curdos o principal aliado no terreno, enquanto Ancara considera estas milícias ligadas ao PKK turco como grupos terroristas que não distingue do Daesh).
Desradicalização
É a primeira vez que há notícia de um campo para desertores do Daesh num dos países onde o grupo actua e tem território. Em diferentes países europeus há várias experiências de desradicalização. Alguns prendem simplesmente os jihadistas arrependidos, mas países como a Dinamarca ou a Alemanha ou Bélgica já experimentam outras abordagens.
A ideia aqui, segundo explica Ghani à BBC, é coordenar o regresso a casa dos que não cometeram crimes graves – já “os que não quiserem regressar ou tenham cometido crimes serão enviados para um tribunal de sharia [lei islâmica] e punidos de acordo com a gravidade do crime”. Alguns, esclarece, serão executados. “Os que desejem voltar a casa podem telefonar às suas embaixadas”, afirma. Já há em prisões europeias jovens que antes passaram por este campo, diz ainda.
A BBC falou com Abu Sumail, nascido na Holanda e que partiu para a Síria há dois anos, passando pela Bélgica e, depois, por Gaziantep, no Sul da Turquia. Sumail descreve ter-se disfarçado de “party boy” para evitar ser detectado pelos serviços secretos. Entrar na Síria, concluiu a BBC, foi muito mais fácil do que sair. “Eles tratam-nos muito mal, especialmente quando somos de outro país”, diz Sumail, a descrever a vida em território controlado pelo Daesh.
“Usam-nos para coisas más”
“É muito difícil para nós vivermos aqui – não é o nosso estilo de vida, estamos habituados a muitas coisas e quando chegamos eles começam logo a tratar-nos mal”, afirma. “Nós damos-lhes a vida e eles começam a controlar a nossa vida. Usam-nos para coisas más.”
Para além deste campo, a BBC diz que está a ser criada na Síria uma “linha de caminhos-de-ferro subterrânea com outros grupos rebeldes e serviços secretos britânicos e de outros países europeus para encontrar, capturar e devolver” aos seus países apoiantes do Daesh.
O grupo liderado por Abu Baqr al-Baghdadi é uma espécie de segunda vida da Al-Qaeda no Iraque, fundada depois da invasão do país pelos EUA, em Março de 2003. Já o Daesh surgiu muito mais recentemente, entre 2012 e 2013, primeiro na Síria e, depois, de novo no Iraque, antes de se espalhar para a Líbia, Iémen, Nigéria, Afeganistão ou Egipto e de começar a recrutar na Europa, onde alguns dos seus seguidores já cometeram vários atentados.
O grupo está actualmente a perder território a grande ritmo na Síria e no Iraque – onde diferentes países se preparam para ajudar forças iraquianas numa operação para reconquistar Mossul, a segunda maior cidade, no Norte do país. Na Síria, o grande bastião ainda é Raqqa, declarada capital do grupo quando este anunciou a criação de um califado, no Verão de 2014. A partir de Raqqa há combatentes que têm enviado declarações e vídeos a explicar que querem desertar, esperando conseguir sair de lá vivos com as suas famílias.