Marcelo Rebelo de Sousa estava atento, mas quis fazer do dia da manifestação de taxistas um dia normal na sua habitualmente recheada agenda política. Em três momentos assumiu outros tantos papéis, e mais um. Foi voluntário, feminista, sindicalista… e ainda pacifista, por contraste com as imagens que se repetiam nas televisões. Se a actualidade era dominada por um protesto pouco sereno, para o chefe de Estado estava (quase) tudo bem. “O povo é pacífico”, dissera de manhã. “À excepção de um episódio”, acrescentou à tarde.

“O português é naturalmente um povo muito pacífico”, disse logo de manhã, em Alcântara, apelando à serenidade e espírito cívico no exercício do direito à manifestação. Estavam por essa altura os taxistas em burburinho no extremo oposto da cidade, num posto de combustível junto ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, onde atacaram uma viatura da Uber. Mas disso o Presidente ainda não sabia.

Marcelo participava nas comemorações do 10.º aniversário da Entrajuda – Bolsa de Voluntariado, juntamente com Cavaco Silva e Isabel Jonet, a fundadora da instituição ligada ao Banco Alimentar. Ali se tornou o voluntário n.º 36.126 depois de lembrar que Cavaco Silva era o número um e a esposa deste a número dois. “Há dez anos, [Cavaco Silva] aqui estava a lançar a Bolsa de Voluntariado, não com palavras, mas com gestos, ao inscrever-se como o primeiro voluntário, no âmbito do seu primeiro roteiro presidencial que teve por tema a inclusão”, disse, dirigindo-se directamente ao seu antecessor.

Questionado pelos jornalistas por que motivo decidiu agora homenagear Cavaco Silva, Marcelo respondeu: “Porque ele merece”. “As pessoas têm uma memória às vezes curta, mas o Presidente Cavaco Silva, no início do seu primeiro mandato, começou os seus roteiros pelo país pela questão social, pela necessidade de inclusão. Isto foi em 2006. Ele viu por antecipação uma situação social que o preocupou e percebeu a importância do voluntariado, que tem vindo a crescer, e bem”, justificou o chefe de Estado.

Cavaco Silva entrou e saiu sem dizer palavra, nem na cerimónia nem aos jornalistas. Uma residente do Bairro da Cabrinha, onde está a sede da Entrajuda, quis tirar uma selfie com o actual Presidente e fazer-lhe uma declaração: “A gente não quer cá Cavacos, queremos pessoas humanas como o senhor!”

Depois do almoço, Marcelo afirmou-se “feminista” entre mulheres embaixadoras que aspiram chegar aos mais altos lugares da diplomacia, sector onde já estão em maioria. "Se é verdade que hoje ninguém questiona a participação das mulheres na diplomacia, não o é menos que a proporção de mulheres nos serviços diplomáticos de todo o mundo, particularmente em posições de relevo, está ainda longe da desejável paridade", disse na conferência internacional sobre mulheres na diplomacia, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Ao fim da tarde, na inauguração da nova sede da UGT em que participou ao lado do ministro do Trabalho e Solidariedade e o líder do PSD, o chefe de Estado declarou que “a UGT está viva e está forte” e enalteceu a importância de manter viva a concertação social, com o desafio de encontrar “aquilo que une para além daquilo de divide”.

À saída, já três taxistas tinham sido detidos e já terminara, sem fumo branco, a reunião com o Governo, Marcelo manteve o tom de desdramatização que assumira de manhã. "No geral, e tirando um episódio, a manifestação foi pacífica, houve a possibilidade de contacto - não quer dizer convergência ou concordância - com o Governo, está a haver o contacto com deputados. Penso que o balanço global é positivo", afirmou, embora de semblante contraído. E quando questionado sobre a forma como o Governo estava a gerir o processo, recusou-se a responder.