Eleições testam reformas ou põem fim à ilusão de abertura em Marrocos

Mais de 16 dos 34 milhões de marroquinos podem decidir se querem dar um segundo mandato ao Partido da Justiça e do Desenvolvimento, a primeira formação islamista a chegar ao Governo.

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O rei Mohammed VI nunca perdeu o controlo dos centros de poder THIERRY GOUEGNON/REUTERS
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Os marroquinos não estão mobilizados para votar FADEL SENNA/AFP

Para os mais optimistas, as décimas legislativas do país de Mohammed VI são um teste a um processo de reformas iniciado há cinco anos. Para quem não vê qualquer mudança fundamental na monarquia que tem a relação mais próxima possível com a União Europeia sem integrar o bloco (Estatuto Avançado), as eleições em Marrocos, quaisquer que sejam, “não são sobre democracia representativa nem separação de poderes”, nas palavras do politólogo Abdeslam Maghraoui.

Mais de 16 dos 34 milhões de marroquinos estão registados e podem votar esta sexta-feira para decidir se querem dar um segundo mandato ao Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD), a primeira formação islamista a chegar ao Governo no país. Isso aconteceu em 2011, meses depois da entrada em vigor de uma nova Constituição, a resposta do rei às ameaças de revolta na rua e aos ventos de mudança que então alastravam por uma parte significativa do mundo árabe.

No essencial, o rei manteve-se todo-poderoso – numa imagem muito usada nessa altura, abriu uma porta à distribuição de poder mas ficou com a única cópia da chave guardada no palácio. Continua a ser a máxima autoridade religiosa, judicial ou militar; e mantém ainda o poder sobre a política externa, controlando igualmente o Ministério do Interior (considera-se que está debaixo da sua esfera de influência).

Irá o PJD, partido islamista moderado e com alguns bons resultados na economia, à frente de uma coligação que inclui comunistas, liberais e conservadores, ganhar de novo nas urnas? Ou será derrotado pelo Partido da Autenticidade e Modernidade (PAM), formação liberal nascida em 2008 que se descreve como “modernista”, alerta para a “crescente islamização do país” (que na verdade, não está acontecer), diz querer “libertar Marrocos do PJD” e defende uma maior participação das mulheres na vida pública e política? E, mais importante ainda, isso interessa realmente para a vida dos marroquinos?

O PAM foi fundado por Fouad Ali El Himma, ex-conselheiro de Mohammed VI, conhecido como “o amigo do rei”, e é liderado por Ilyas El Omari, muito próximo de Himma. Para os dirigentes do PJD, o PAM (e o próprio Ministério do Interior) fará parte de um “Estado paralelo” (o “tahakoum”, em árabe), muito discutido por estes dias em Marrocos, que recorrerá a “métodos autoritários” para controlar a vida política.

A provar a existência deste “tahakoum”, e a participação do PAM nas suas actividades, estaria a manifestação de Setembro em Casablanca, supostamente contra o Governo do PJD. Entrevistas e vídeos publicados depois do protesto nas redes sociais mostram alguns manifestantes baralhados, descrevendo que foram ludibriados para participar; alguns disseram ter saído à rua contra a violação de uma criança”.

“Se os manifestantes que participaram estão realmente contra mim, aceito as críticas”, disse então o chefe do Governo e líder do PJD, Abdelilah Benkirane. “Se alguns de vocês foram manipulados, eu perdoou-vos”, afirmou ainda, numa conferência de imprensa.

Narrativa de oposição

Para a Fundação Carnegie, que divulgou um relatório recente sobre as eleições, a aparente rivalidade entre o PAM e o PJD, duas formações que “cultivam uma narrativa de oposição” uma à outra, acaba por mascarar “a natureza clientelista e oportunista” do sistema político marroquino. As eleições deverão, assim, “reforçar esta fachada de normalidade que responde aos objectivos de longo prazo da monarquia, permitindo-lhe apresentar a bipolarização […] e a inclusão dos islamistas no jogo político como sinal da democratização em curso desde 2011”.

O resultado disto é que os marroquinos não estão realmente mobilizados. As eleições de 2011 – e a vitória dos islamistas – foram históricas, estas ainda ninguém sabe bem para o que servirão, mas os eleitores baixaram as expectativas em relação ao que um Governo pode fazer pelo seu país e pela mudança nas suas vidas.

A abstenção, habitualmente grande, pode crescer em relação a 2011, quando foi de 55%. Participam mais de 30 partidos, mas para além do PJD e do PAM, só se espera um bom resultado do Partido Istiqlal (muito antigo, criado para defender a independência). Ainda assim, são oito as formações que deverão obter grupo parlamentar, incluindo a Federação da Esquerda Democrática, que defende a “terceira via”

“A monarquia usou o PJD para atravessar a turbulência da ‘Primavera árabe’”, defende Abdeslam Maghraoui, especialista em Magrebe que ensina Ciência Política na Universidade de Duke, em Durham, Estados Unidos. “O rei nunca perdeu o controlo dos centros de poder e o PJD não tem nenhuma intenção de desafiar a monarquia, o que poderia fazer enfrentando o sistema de corrupção. A alta corrupção endémica é que mantém o sistema monárquico completamente dominante.”

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