De insulto em insulto, Duterte também faz diplomacia
Desde que tomou posse, o novo Presidente filipino tem chocado o mundo com as suas declarações ofensivas. Ao mesmo tempo, Duterte afasta-se de Washington e olha para Pequim.
O Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, gosta de chocar o mundo e não o esconde. Entre os alvos dos seus insultos estão o embaixador norte-americano em Manila (“filho da puta gay”), Barack Obama (“filho da puta”), o Papa (“filho da puta”) e as Nações Unidas (“estou a cagar-me para eles”). O caso mais recente envolveu Duterte a comparar a sua violenta luta contra o tráfico de droga ao Holocausto, dizendo que ficaria “feliz” se conseguisse “massacrar três milhões de toxicodependentes”. Mas por trás do discurso desconcertante, Duterte tem conduzido a sua política externa de uma forma que pode deixar marcas nas dinâmicas regionais.
Num artigo recente, a revista Foreign Affairs notava que, “quase sozinho, o homem-forte filipino está a moldar a ordem regional”. Enquanto não está a insultar líderes e organizações estrangeiras, Duterte tem tomado decisões inéditas na história recente das Filipinas, numa altura em que a região assume uma relevância cada vez maior. O Mar do Sul da China, por onde passa metade do tráfego marítimo mundial, é um foco de disputas regionais intensas e Manila é um dos pontos nevrálgicos da questão.
Esta semana, Duterte anunciou que pretende deixar de realizar exercícios militares em conjunto com a Marinha norte-americana – as últimas manobras estão marcadas para a próxima semana, revelou o Presidente filipino. O secretário de Estado da Defesa, Ashton Carter, garantiu que a aliança entre os dois países continua “robusta”, mas o fim dos exercícios conjuntos representa o mais sério golpe à aliança militar entre os dois países.
As Filipinas, que chegaram a ser uma colónia dos EUA no início do século XX, são o mais importante aliado de Washington na região. Apesar de manter relações muito próximas com vários outros países do Sudeste asiático, é apenas com as Filipinas que os EUA têm um tratado de segurança mútuo – que obriga à defesa militar do aliado em caso de ataque. Duterte manifestou ainda o desejo de que o contingente de conselheiros militares norte-americanos abandone o Sul do país, onde têm apoiado o Exército filipino no combate contra vários grupos extremistas de inspiração islamita. Porém, a chefia militar norte-americana disse não ter recebido qualquer notificação nesse sentido.
Desde o final da II Guerra Mundial que a aliança com os EUA se tornou num princípio basilar da política externa filipina, mesmo durante o período mais conturbado do início dos anos 1990 em que o Senado ordenou o fecho de duas das bases militares norte-americanas no país. Ao mesmo tempo que progride para um abandono da linha pró-Washington, Duterte ensaia aproximações à China. Uma das primeiras notícias que o Presidente recebeu após tomar posse foi a deliberação do Tribunal Arbitral de Haia referente a uma queixa interposta por Manila a contestar a reivindicações territoriais de Pequim em relação a parte do Mar do Sul da China que as Filipinas também reclamam.
O tribunal que funciona ao abrigo da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar deu razão aos argumentos das Filipinas. Populista como é, seria expectável que Duterte explorasse esta vitória diplomática – durante a campanha, o ex-autarca disse que pretendia viajar de jet-ski até às ilhas Spratly e hastear lá uma bandeira. Mas não foi isso que aconteceu. Ao contrário daquilo que era o desejo de Washington, Duterte não aproveitou uma reunião recente da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla inglesa) para pressionar Pequim a aceitar a deliberação.
Em Agosto, Duterte nomeou o ex-Presidente, Fidel Ramos, para encabeçar um grupo de trabalho para estreitar relações diplomáticas entre as Filipinas e a China, e é aguardada a marcação de uma visita oficial para breve. Ainda antes de vencer as eleições, Duterte tinha sugerido que Manila poderia vir a suavizar as suas pretensões territoriais a troco de investimento chinês.
Os EUA acusam a China de querer controlar a totalidade do Mar do Sul, através da construção ilegal de infra-estruturas civis e militares em pequenos rochedos e recifes, e têm intensificado a sua presença militar na região para garantirem a “liberdade de navegação”. Os aliados regionais são fulcrais na estratégia norte-americana, mas a aproximação das Filipinas à China está a pô-la em causa.
“Washington esperava que o caso de arbitragem das Filipinas pudesse fornecer uma base legal para a aplicação de maior pressão diplomática, assim como [o envio de] activos militares para impedir o domínio chinês da mais importante rota marítima”, escreve o analista Richard Heydarian no site da Al-Jazira.
Na base das motivações de Duterte não está, porém, o desejo de um profundo rearranjo diplomático do tabuleiro regional. “O que Duterte está a fazer é virar os EUA contra a China e vice-versa, com a esperança de alcançar o máximo de benefícios para as Filipinas”, diz o especialista da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais em Singapura, Oh Ei-sun, citado pelo South China Morning Post. Duterte nunca escondeu que é o interesse nacional – e não considerações diplomáticas superiores – que vão presidir às suas decisões. Os insultos são apenas parte decorativa da sua estratégia.