Passado da Caixa não está a ser auditado. Governo diz que será "posteriormente"

Novo presidente da CGD diz que não recebeu ordens para lançar auditoria à gestão da CGD desde 2000. Em resposta ao PÚBLICO, o Governo admite que só fará esta auditoria "posteriormente" a fechar o plano de recapitalização.

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António Domingues Miguel Manso

O homem que está “habituado a estar na sombra” foi ouvido na terça-feira pela primeira vez enquanto presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e logo na primeira audição mostrou desacerto em relação ao Governo. António Domingues revelou na Comissão Parlamentar de inquérito que, afinal, não foi incumbido de fazer uma auditoria independente à gestão do banco desde 2000. E, acrescentou, também não acha que deva ser a própria Caixa a fazê-lo. O Governo admite que não ordenou ao conselho de administração da Caixa a realização da auditoria, decidida em Junho, e que esta só vai ser feita depois de fechadas as negociações sobre a recapitalização com Bruxelas.

Por partes. Para responder a polémicas no Parlamento, o Governo aprovou a 23 de Junho deste ano, em Conselho de Ministros, uma resolução pela qual se propunha incumbir a “nova administração” da CGD de realizar uma auditoria aos actos de gestão do banco público desde o ano 2000. Essa era a única auditoria que iria avançar, uma vez que os partidos da maioria de esquerda chumbaram a intenção do PSD de que fosse o Parlamento – ou outra entidade, como o Banco de Portugal ou o Tribunal de Contas – a contratar uma auditoria a empresas externas. Então, no Parlamento a única coisa que foi aprovada foi uma recomendação do BE ao Governo, para que levasse a cabo uma auditoria especial aos principais empréstimos. Ou seja, era uma recomendação, não era efectiva.

António Domingues disse que tomou conhecimento destas iniciativas antes de tomar oficialmente posse e que, por isso, agendou conversas com o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, para perceber o que fazer. E afirmou aos deputados: “Não fui formalmente incumbido de fazer essa auditoria”, contou, insistindo depois que falou com Carlos Costa e que defendeu que “não fossem da responsabilidade do conselho de administração [da Caixa], mas que fossem coordenadas pelo supervisor”. “Parecia-me e parece-me o melhor do ponto de vista das instituições”, defendeu. Dizendo, no entanto, que “promoverá as auditorias que sejam determinadas pelo accionista”.

Só que o accionista, neste caso o Estado, apesar de ter aprovado esta iniciativa em Conselho de Ministros, ainda não a efectivou. Em resposta ao PÚBLICO, o gabinete de Mário Centeno diz que, "neste momento, para efeitos da capitalização acordada com a Comissão Europeia, está em curso um trabalho do Conselho de Administração com os auditores da Caixa Geral de Depósitos prosseguindo os compromissos assumidos entre as partes envolvidas no processo. A abertura de uma auditoria independente que abrange o período de 2000 a 2016 aprovada em 2016, será solicitada posteriormente".

Ora a declaração do homem que diz que trabalhou quatro meses pro bono, a preparar os destinos do banco enquanto esperava pela aprovação da sua administração, caiu que nem uma bomba junto dos partidos da oposição. Isto, porque PSD e CDS tinham proposto a realização de uma auditoria feita por entidades externas e independentes, que foi chumbada pelos partidos da maioria parlamentar. O PSD, pela voz do deputado Hugo Soares, acusou o Governo de promover “um fogacho” e de com isso “criar um logro”, que permitiu aos partidos chumbar a iniciativa do PSD. O PS respondeu dizendo que “o enfoque” deve ser na finalização do plano de recapitalização.

Além desta polémica, da audição na comissão de inquérito saíram mais duas confusões. Aos deputados, António Domingues disse que cessou funções no BPI a 16 de Abril. No entanto, a informação do BPI à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários refere que o gestor pediu a rescisão do contrato a 30 de Maio. Confrontado com esta discrepância, Domingues respondeu: “Não sei explicar porque entreguei só em Maio. Não me pareceu que esse fosse um assunto da maior importância. O que é verdade é que deixei de participar em todos os órgãos do BPI em Abril”.

Em causa, para os deputados, está o facto de, enquanto administrador do BPI, Domingues ter tido acesso a informação confidencial da concorrente CGD. Por mais do que uma vez garantiu: “Não tive acesso a informação confidencial”. Nem ele nem a consultora Mckinsey, que o ajudou a fazer o plano de recapitalização e que foi alvo de outra confusão. Domingues diz que contratou a consultora, e que informou logo o Ministério das Finanças, porque não podia “trabalhar sozinho”. Contudo, só enviou uma carta ao Ministério a defender que a consultora devia ser paga pela CGD em Agosto. Antes, a 29 de Julho, Mário Centeno tinha assegurado no Parlamento que nem o Estado nem a Caixa tinham contratado a empresa.

Durante a audição, o novo presidente da CGD deu poucas informações sobre o plano de recapitalização. Disse apenas que a operação seria feita “de uma só vez” e que tinha de respeitar algumas “condições” que passavam pelas regras de concorrência e por não serem “ajudas de Estado”. Aliás, aos deputados, António Domingues falou de um cenário catastrofista que não aconteceu porque esta solução foi encontrada. Disse que a Comissão Europeia ter aceite a solução, sem a considerar ajudas de Estado, acabou por salvar o futuro da CGD: “Se voltasse a fazer uma recapitalização com ajudas de Estado, isso criaria um enorme problema para a Caixa e para o país".

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