Eleições “frouxas” para fortalecer Vladimir Putin
Entre o partido do poder e uma oposição decorativa, russos vão às urnas quase unicamente para legitimar Governo. Não são esperadas surpresas.
Há duas semanas, o Instituto Levada, um dos mais reputados e independentes centros de pesquisas e sondagens da Rússia, foi colocado numa lista de organizações designadas “agentes estrangeiros” por ter financiamento externo. A decisão pode abrir caminho ao possível “encerramento e dissolução” do centro, avisou o seu director, Lev Gudkov. Alguns analistas notaram a coincidência com as eleições legislativas deste domingo e interpretaram a decisão como uma forma de silenciar uma potencial fonte de informações negativas para o Kremlin.
De qualquer forma, o homem-forte da Rússia não parece ter motivos de preocupação. Nos últimos dois anos o índice de popularidade do Presidente Vladimir Putin nunca baixou dos 80%, de acordo com dados precisamente do Levada. As eleições, legislativas e locais, deste domingo são descritas como uma das mais previsíveis desde o colapso da União Soviética, o que só pode significar uma coisa — o poder de Putin sairá consolidado.
Tudo indica que o Rússia Unida, que apoia o Governo, será o partido mais representado na Duma (câmara baixa do Parlamento). E, mesmo que perca alguns lugares, o triunfo continuará a ser de Putin. A vitória parece tão segura que o partido foi apenas o terceiro que mais gastou durante a campanha eleitoral, de acordo com a Comissão Central de Eleições. Os restantes partidos que devem conseguir eleger deputados — Partido Comunista, Uma Rússia Justa e o Partido Liberal Democrata — fazem parte da chamada “oposição sistémica”, o conjunto de formações que apesar de fazerem uma oposição formal ao Governo acabam por apoiar as suas iniciativas.
A restante oposição “tem sido silenciada pela combinação de agressão mediática, barreiras administrativas e um conjunto de ‘truques sujos’ do FSB [serviços secretos] e de grupos leais ao Kremlin”, afirmam Darrell Slider e Nikolai Petrov, num estudo para o Centro de Estudos de Segurança do Instituto Federal de Zurique. A previsibilidade das eleições deu origem à “campanha eleitoral mais frouxa e menos activa dos últimos dez anos”, concluiu a Golos, uma associação de defesa dos direitos eleitorais.
Para o Kremlin, as eleições, por menos decisivas que sejam, são sobretudo uma forma de se legitimar. “Há um desejo de apresentar estas eleições como amplamente justas, para ajudar o regime a aumentar a sua legitimidade tanto entre as elites como entre todo o corpo político, nas vésperas da campanha para as eleições presidenciais de 2018”, escrevem Andrei Kolesnikov e Boris Makarenko, num artigo para o Centro Carnegie de Moscovo.
No Kremlin, a memória ainda está fresca em relação aos protestos que se seguiram às legislativas de 2011. Milhares de pessoas concentraram-se numa praça de Moscovo, suportando o frio de Dezembro, para protestar contra o que diziam ter sido a manipulação dos votos, após mais uma vitória do partido Rússia Unida. A generalidade dos analistas interpretou os protestos como o mais sério desafio enfrentado pela elite política russa desde que Vladimir Putin chegou ao poder.
Em aberto tinha ficado a questão sobre se esse descontentamento se iria traduzir numa oposição política eficaz. As eleições para a Duma seriam o momento para que essa mudança se desenhasse, mas mais não farão do que confirmar o domínio dos partidos pró-governamentais.
O Governo não quis arriscar novos protestos e tomou várias providências para assegurar que seja mais difícil questionar a legitimidade dos resultados - embora circulem nas redes sociais vídeos e outros indícios de fraude. Metade dos 450 lugares do Parlamento continua a ser eleita através de listas, mas os restantes passam a ser escolhidos em círculos uninominais, correspondentes a 225 distritos eleitorais. Em teoria, os sistemas mistos abrem caminho a que partidos sem apoio suficiente para alcançarem representação através do método proporcional o consigam através dos círculos uninominais.
O presidente da Comissão Central de Eleições também foi substituído por Ella Pamfilova, responsável pela comissão de direitos humanos, que já prometeu não tolerar qualquer irregularidade.
Mas, em sentido contrário, outras mudanças parecem indicar que qualquer tentativa de mudança sairá gorada. Desde logo, a antecipação das eleições para o fim do Verão quando, inicialmente, estavam previstas para Dezembro. “Como resultado, os russos têm estado mais preocupados com as férias, as colheitas de frutos e vegetais nos seus terrenos e em preparar o novo ano escolar do que em eleger uma nova Duma”, nota Steve Rosenberg, correspondente da BBC em Moscovo.
Os círculos eleitorais foram também redesenhados para que o voto das zonas urbanas, tradicionalmente mais alinhados com a oposição, seja mais diluído, alegam alguns analistas. Desta forma, grandes centros urbanos são divididos em círculos eleitorais que se estendem às zonas de província. E há as tradicionais queixas relativamente ao tempo de antena televisivo que o partido de governo disfruta, em comparação com os restantes.
Estas vão ser igualmente as primeiras eleições após a anexação da Crimeia, cuja população é também chamada às urnas. A União Europeia já declarou que não irá reconhecer o resultado num território que designa como “ilegalmente anexado”. Outra das novidades é a estreia de Ramzan Kadirov em eleições. Apesar de governar a região autónoma da Tchetchénia há quase uma década, o filho do líder histórico da guerrilha separatista nunca foi sufragado. A vitória do homem apoiado pelo Kremlin é quase um dado adquirido, mas a Human Rights Watch documentou uma grande quantidade de abusos contra os seus críticos, incluindo a detenção de jornalistas e activistas.