Candidatura de Georgieva à ONU posta em xeque por Moscovo
Rússia acusa Angela Merkel de ter tentado pressionar Putin a apoiar vice-presidente da Comissão Europeia. Berlim diz que declarações de Moscovo são “hostis”.
A eventual candidatura da vice-presidente da Comissão Europeia, Kristalina Georgieva, a secretária-geral da ONU motivou uma troca de acusações entre a Alemanha e a Rússia. O avanço da búlgara pode ficar comprometido pela posição russa.
Tudo terá começado durante a cimeira do G-20, em Hangzou (China), entre 4 e 5 de Setembro, quando a chanceler alemã, Angela Merkel, tentou pressionar o Presidente russo, Vladimir Putin, para apoiar a candidatura de Georgieva à liderança das Nações Unidas. Durante o fim-de-semana, a imprensa búlgara deu como certo o apoio de Moscovo à vice-presidente da Comissão Europeia — algo que acabou por ser negado pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.
“Foi deixado claro a Merkel que a nomeação de uma candidata para o posto de secretário-geral da ONU é algo apenas da responsabilidade do país em questão”, disse Maria Zakharova no domingo, acrescentando que qualquer notícia sobre um eventual apoio russo a Georgieva seria uma “mentira”.
Esta segunda-feira foi a vez de Berlim ripostar, com o porta-voz da diplomacia alemã, Martin Schäfer, a considerar “hostil” que uma representante oficial da Rússia “divulgue através do mundo coisas que são objectivamente falsas”.
A tensão entre os dois governos pode pôr em causa a possível candidatura de Georgieva. A ideia por trás da nomeação da vice-presidente da comissão era encontrar terreno comum entre as preferências dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China) e alguns dos requisitos informais quanto ao perfil do próximo secretário-geral — isto é, que pela primeira vez em 70 anos seja uma mulher e que venha de um país do antigo bloco de Leste.
É improvável, contudo, que seja Georgieva a candidata indicada para alcançar este consenso. “A Rússia parece rejeitar Georgieva como candidata e indicou que a pressão de Merkel foi descabida”, diz ao PÚBLICO Álvaro Vasconcelos, especialista em Relações Internacionais. A entrada da comissária europeia arrisca-se a “dividir ainda mais o voto europeu”, acrescenta.
Apesar das mudanças no processo de selecção do secretário-geral, no sentido de adquirirem mais transparência, a escolha irá passar por um consenso entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança — e, sobretudo, entre os Estados Unidos e a Rússia, observa Álvaro Vasconcelos. Assim, é possível que o português António Guterres termine as rondas das votações informais na liderança, mas que na decisão final seja encontrado um candidato de compromisso. “O processo aberto mostrou que Guterres é o melhor candidato”, diz o académico. “É muito possível, porém, que no final acabe por haver um candidato de consenso que elimine o melhor candidato.”
Por outro lado, o especialista diz que “seria muito estranho a Bulgária abandonar a sua própria candidata”, a directora-geral da UNESCO, Irina Bokova. Cada Estado-membro da ONU pode apenas apoiar uma única candidatura, pelo que o Governo búlgaro teria de retirar o apoio a Bokova para que Georgieva pudesse avançar. Há também a possibilidade de outros governos poderem patrocinar uma candidata estrangeira — algo que seria inédito.
De acordo com a imprensa búlgara, a questão deverá ser discutida esta terça-feira durante as visitas de dois líderes europeus a Sófia: o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e o seu homólogo sérvio, Aleksander Vucic. A Hungria foi referida como estando potencialmente interessada em apoiar Georgieva.
Na capital búlgara, o assunto está a ser gerido com pinças. A vice-primeira-ministra, Roumiana Buchvarova, disse não ter qualquer informação sobre discussões ao nível governamental para substituir Bokova, embora tenha admitido que a prestação da directora-geral da UNESCO esteja a ser “pouco convincente”, de acordo com o jornal de língua inglesa Sofia Globe.
Georgieva não seria a primeira a entrar de forma tardia na corrida à liderança da ONU. Em Junho, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Argentina, Susana Malcorra, e o chefe da diplomacia eslovaco, Miroslav Lajcak, anunciaram a sua candidatura e realizaram audições junto da Assembleia-Geral das Nações Unidas — um dos requisitos introduzidos no novo processo de selecção.
Na semana passada realizou-se a quarta ronda de votações informais do Conselho de Segurança e o ex-primeiro-ministro português, António Guterres, voltou a obter o melhor resultado, à semelhança do que já tinha acontecido nas sessões anteriores. A quinta votação está marcada para 26 de Setembro, sendo concluída então esta fase de apreciação das candidaturas.
Nenhum destes resultados é, contudo, vinculativo. Em Outubro, numa data que ainda não foi revelada, decorre o primeiro escrutínio com votos vinculativos dos cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança.