Entre estacionamento e um jardim, estes moradores de Lisboa escolhem o último
Já foram reunidas perto de 2500 assinaturas em defesa da criação de um jardim, que sirva as freguesias da Penha de França e de Arroios, num terreno onde a Emel prevê instalar 86 lugares para residentes.
O projecto da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel) que visa a construção de “uma zona de estacionamento” com 86 lugares na encosta da Penha de França não convence um grupo vasto de moradores da zona, que já reuniu perto de 2500 assinaturas em defesa da “requalificação” do “espaço verde existente” no local. “Preferimos um jardim de sucesso a um parque de estacionamento sem história”, justificam.
A petição, na qual se sublinha que nas freguesias de Arroios e da Penha de França “não existe nenhum verdadeiro jardim público, fechado e sem trânsito automóvel”, vai ser entregue esta terça-feira na Assembleia Municipal de Lisboa. Lembrando que está em causa uma “zona residencial densamente povoada”, os signatários entendem que a câmara presidida por Fernando Medina deve abdicar do estacionamento previsto e optar antes pela criação do “Jardim do Caracol da Penha”.
No centro da discórdia está um terreno municipal, com cerca de um hectare, limitado a Norte pela Rua Marques da Silva e a Sul pelas ruas Cidade de Liverpool e Cidade de Cardiff. De acordo com os moradores, trata-se de um “extenso espaço verde”, que “possui mais de 25 árvores de espécies variadas”, e que tem estado até aqui inacessível.
A sua proposta é que ele “seja requalificado e aberto a todos”. Para isso, os dinamizadores do Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha propõem que sejam abertos caminhos pedonais e criadas “zonas e infra-estruturas de usufruto comum, como um campo de basquetebol exterior, duas mesas de ping-pong, um parque infantil, um quiosque, uma zona de convívio e piqueninque e um ou mais espaços hortícolas”.
O grande problema é que o município e a Emel têm outros planos para o terreno, que passam por aí construir “uma zona de estacionamento” destinada a moradores. Segundo se lê no projecto apresentado à câmara pela empresa municipal, ao qual o PÚBLICO teve acesso, o “ponto de partida” desta iniciativa foi “a redução das carências de estacionamento na margem esquerda da Av. Almirante Reis”.
No documento acrescenta-se no entanto que aquela que era a proposta inicial “evoluiu” entretanto para “uma solução que ambiciona muito mais”: “acrescentar um parque de recreio polivalente que sirva tanto os lugares baixos da Penha de França como os lugares altos de Arroios”.
Nesse sentido, o projecto prevê a criação de “duas plataformas, paralelas às curvas de nível” destinadas a receber 86 lugares de estacionamento. Uma terceira plataforma será consagrada à instalação de um “jardim/miradouro”. No projecto faz-se ainda referência a uma “creche para 42 lugares (não integrada nesta empreitada)”, a um “núcleo hortícola” e a um “jardim infantil”.
A proposta não agrada a um grupo vasto de moradores, que considera que ela “vem dar uma resposta muito limitada à carência de estacionamento e impede de forma irreversível a criação de um jardim”. Para tentar travá-la, o Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha lançou a já mencionada petição e apresentou uma proposta na mais recente edição do Orçamento Participativo de Lisboa, cujas votações terão início em meados de Outubro.
“Nós não somos contra o estacionamento. Não queremos é perder a última oportunidade de ter ali um jardim”, frisa um dos dinamizadores do movimento em declarações ao PÚBLICO. Miguel Pinto argumenta ainda que a escassez de lugares para parar o carro “não é um problema tão grave quanto isso”, ficando a zona em causa “na média da cidade” no que diz respeito ao rácio entre os dísticos atribuídos a residentes e comerciantes e os lugares disponíveis na via pública.
Além disso, o porta-voz do movimento defende que existem, caso se queira de facto aumentar a oferta de estacionamento, “alternativas” àquela que é preconizada pela Emel. Como explica Miguel Pinto, essas alternativas poderiam passar pela celebração de protocolos com serviços públicos (para que os moradores pudessem estacionar nos seus parques em “horários não laborais”), pela “conversão” de algumas das muitas oficinas existentes na zona em “garagem de recolha” e pela construção de parques subterrâneos ou de parques “em altura” em pontos onde existem hoje edifícios devolutos.
Miguel Pinto contesta ainda a ideia que a Emel tem procurado transmitir de que com a sua proposta uma parte significativa do quarteirão passará a ser área verde, a todos acessível. De acordo com o representante dos moradores, que sublinha que “estacionamento arborizado não é jardim”, a inclinação tornará impossível o usufruto da maior parte dos espaços verdes. “Os miúdos não podem (ou não devem) jogar à bola ou às escondidas no meio dos carros”, conclui.
Em declarações anteriores do Diário de Notícias, tanto a presidente da Junta de Freguesia de Arroios como a da Junta de Freguesia da Penha de França (ambas eleitas pelo PS) manifestaram a sua concordância com o projecto que vai ser concretizado pela Emel, e que tem um custo estimado de 1,5 milhões de euros. A intenção da empresa, que já promoveu a limpeza do terreno e a demolição de construções precárias lá existentes, é concluir a sua execução até ao verão de 2017.