O Iraque, a imunidade e as cautelas do MNE
Augusto Santos Silva deu conta que o caso dos jovens iraquianos é politicamente explosivo
Com a inevitável prudência da linguagem diplomática, o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem vindo a ajustar-se à onda de indignação pública suscitada pela alegada agressão de dois filhos do embaixador iraquiano a um jovem de 15 anos de Ponte de Sor. No dia em que a agressão foi conhecida, o MNE admitia considerar “eventuais diligências diplomáticas” se “tal vier a revelar-se no decurso do processo”; no fim-de-semana, em entrevista ao PÚBLICO o ministro Augusto Santos Silva fazia depender essas diligências do inquérito judicial em curso, mas fazia já constar que “Portugal fará tudo ao seu alcance para que os factos sejam apurados”; e ontem, em declarações à SIC, o ministro recorria já a outro discurso, mais directo e assertivo, que deixava claro um endurecimento da posição de Portugal e sugeria que o MNE está disposto a levar este caso até às últimas consequências.
Com o seu proverbial instinto político, o ministro percebeu que nas suas mãos estava um caso de imponderáveis consequências. O recurso à linguagem asséptica e reservada da diplomacia faz sentido em negociações comerciais ou nos protocolos que estabelecem regras de cooperação política. Quando em causa está a suspeita de um crime brutal muito provavelmente perpetrado por portadores de passaportes com imunidade diplomática, esse registo frio e calculista está condenado a fracassar. Ninguém perdoaria que o Governo não defendesse de forma intransigente os interesses da comunidade perante uma agressão tão cruel.
Resta saber se o MNE vai ainda a tempo de evitar críticas maiores pela eventual condescendência com que reagiu à notícia. Porque, afinal, a interpretação do estatuto de imunidade pode, como damos conta nesta edição, não ser aplicável em crimes comuns. Se por acaso esta interpretação prevalecer, o Governo vai ter dificuldade em explicar a linguagem tacticista e cautelosa com que geriu o problema.