Maracanã foi palco de um Carnaval fora de época

Presidente em exercício do Brasil, Michel Temer, vaiado na cerimónia de abertura do Rio 2016. Espectáculo percorreu a história do Brasil, com a música em lugar de destaque

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Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro começaram ao som do samba, numa cerimónia de abertura que mostrou o melhor da cultura brasileira e que colocou a música em plano de destaque. Nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Ben Jor passaram pelo palco e o espectáculo terminou ao som das 12 baterias das escolas de samba do Carnaval de 2016. Mas noite ficou também marcada pela vaia com que Michel Temer foi brindado no Maracanã. A intervenção do Presidente em exercício, a declarar abertos os Jogos, durou escassos segundos, mas foi o suficiente para as bancadas tornarem audível o seu antagonismo pelo político.

As vaias deram lugar aos aplausos pouco depois, quando a tocha olímpica entrou no Maracanã pela mão de Gustavo Kuerten, tenista ex-número um mundial e três vezes campeão em Roland Garros. Este passou-a à basquetebolista Hortência Marcari (medalha de prata em Atlanta 1996), que depois a entregou a Vanderlei Lima. O maratonista foi medalhado de bronze em Atenas 2004, tendo sido abalroado por um espectador quando liderava a corrida. Tornou-se um exemplo por não ter desistido e acendeu a pira que arderá até ao dia 21, quando tiver lugar a cerimónia de encerramento do Rio 2016. Pelé, que tinha sido convidado para integrar a cerimónia, invocou problemas físicos para não marcar presença.

Com todo o seu significado para o Brasil e para o desporto brasileiro, o Maracanã transformou-se no palco de um enorme baile, no ponto alto da cerimónia, quando as bancadas a cantarem em uníssono com Jorge Ben Jor os versos de “País Tropical”. Foi um momento de catarse colectivo para (pelo menos) aquela parte da população que estava no recinto e que, nos últimos anos, não tem parado de ouvir más notícias. A crise económica e a corrupção colocaram o Brasil em destaque pelas piores razões, e não tem faltado gente a questionar a capacidade de o país levar a cabo os Jogos Olímpicos que lhe foram atribuídos em 2009.

Numa viagem de altos e baixos, o Brasil é hoje um país diferente daquele que, há dois anos, acolheu o Campeonato do Mundo de futebol. Não só pelas dificuldades económicas ou pelo clima político – o entusiasmo nas ruas também não é tão evidente. Apesar disso, o espectáculo que marcou o arranque do Rio 2016 apostou na música para criar o clima para uns Jogos Olímpicos que se pretendem inesquecíveis. A cerimónia percorreu a história do Brasil e deixou uma mensagem ecológica – cada um dos atletas das 207 comitivas que desfilaram no estádio recebeu a semente de uma árvore, que será plantada e formará a Floresta dos Atletas, no parque radical de Deodoro. E os cinco anéis olímpicos foram representados em tons de verde.

A música, sempre ela, foi a nota dominante na noite em que o Rio de Janeiro deu início aos seus Jogos Olímpicos. Não foi por acaso que o primeiro grande “bruá” nas bancadas ainda pouco compostas, mais de uma hora antes do início da cerimónia, tenha acontecido quando se ouviu “Emoções”, música de Roberto Carlos, enquanto nos ecrãs passava uma sequência de momentos olímpicos de atletas brasileiros.

A cerimónia propriamente dita começou à hora marcada, mas com muitas cadeiras vazias. O aparato de segurança nos acessos ao Maracanã era considerável e muitas pessoas viram atrasada a entrada no estádio.

Após o hino tocado por Paulinho da Viola, ao violão, num palco inspirado pelas linhas de Oscar Niemeyer, a cerimónia que teve direcção criativa de Fernando Meirelles (realizador nomeado para o Óscar com “Cidade de Deus”), Andrucha Waddington e Daniela Thomas fez desfilar pelo Maracanã uma história condensada do Brasil. Celebrou os indígenas, assinalou o primeiro encontro destes com os europeus e depois a chegada forçada dos africanos e o esclavagismo.

O Brasil contemporâneo surgiu simbolizado pela densidade das suas maiores cidades e ao som de “Construção”, de Chico Buarque. Foi a fase em que a cerimónia embarcou na história musical brasileira e ganhou um ritmo que contagiou as bancadas. Gisele Bündchen foi a “Garota de Ipanema”, desfilando de um extremo ao outro do Maracanã enquanto Daniel Jobim, neto de Tom Jobim, tocava ao piano. A bossa nova, as sonoridades pop e funk e a música popular brasileira estiveram presentes, enquanto 1500 bailarinos se espalhavam e preenchiam o palco para a apoteose. “País Tropical”, com Jorge Ben Jor, e a celebração do Brasil: “Abençoado por Deus e bonito por natureza”.

Mesmo antes do desfile dos atletas, o espectáculo expôs o impacto das actividades humanas sobre o equilíbrio do planeta, ameaçado pelo aumento da temperatura e pela subida do nível das águas do mar.

As 207 comitivas preencheram o Maracanã com as cores das suas bandeiras. A Grécia, como é tradição, liderou um desfile que durou quase duas horas e foi encerrado com a entrada da comitiva brasileira no palco. Imediatamente antes dos anfitriões, desfilaram os dez elementos que integram a equipa olímpica de refugiados: seis atletas (cinco sul-sudaneses e um etíope), dois nadadores sírios e dois judocas da República Democrática do Congo. Saudada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que estava na tribuna de honra, a comitiva portuguesa foi a 153.ª a subir ao relvado tendo sido recebida com uma ovação.

“O sonho olímpico é agora uma realidade maravilhosa. O melhor lugar do mundo é aqui, agora. Sou o homem mais orgulhoso do mundo”, declarou o presidente do comité organizador dos Jogos Rio 2016 (e atleta olímpico pelo voleibol em Tóquio 1964), Carlos Arthur Nuzman. “Estes são os seus jogos, os primeiros na América do Sul. Trabalhámos sete anos numa jornada de superação e paixão pelo desporto. Os filhos do Brasil não fogem à luta, são fortes. Nós nunca desistimos, essa é a força do povo”, acrescentou.

O presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach, iniciou o seu discurso em português: “Boa noite Brasil”, começou por dizer. “Todos os brasileiros podem sentir muito orgulho esta noite. Conseguiram em sete anos o que gerações sonharam mas não conseguiram. Transformaram a cidade maravilhosa numa metrópole moderna e tornaram-na ainda mais linda. A nossa admiração é ainda maior porque vocês conseguiram isso num momento difícil da história do Brasil”, sublinhou o dirigente.

Sem ser pomposa, a cerimónia não decepcionou e é justo que os brasileiros se sintam orgulhosos. Ao longo dos próximos dias, os atletas têm a palavra.

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