Rebeldes lançam-se com tudo contra o cerco do regime em Alepo
A cidade acordou sob a neblina negra criada por dezenas de pneus que residentes e rebeldes incendiaram para impedir novos bombardeamentos. Morreram dezenas de pessoas em apenas dois dias.
Uma grande aliança de facções rebeldes sírias lançou aquilo que vários observadores estão a designar como a ofensiva militar mais violenta de que há memória em Alepo, tentando romper o cerco do regime sobre a cidade, onde cerca de 300 mil pessoas estão aprisionadas. As tropas leais a Bashar al-Assad respondiam esta segunda-feira às manobras adversárias com operações aéreas e contra-ofensivas que tentavam anular os avanços rebeldes da véspera.
A ofensiva parece ter sido pensada ainda antes de o regime completar o cerco à zona Leste da cidade, no início de Julho, e nela participam líderes militares vindos das províncias vizinhas de Alepo. Ao final do dia de domingo, a primeira jornada da ofensiva, os rebeldes já haviam conquistado algumas zonas urbanas, colocando sob pressão as linhas do regime. A sua acção mais visível chegou na manhã desta segunda-feira, com o abate de um helicóptero russo.
O aparelho Mi-8 foi abatido por rebeldes nos terrenos baldios do Sul de Alepo quando regressava de uma missão humanitária, segundo o Ministério da Defesa da Rússia. Os cinco tripulantes morreram, fazendo desta segunda-feira o dia mais mortífero para os russos desde que entraram no conflito. Os seus corpos foram arrastados, pisados e maltratados por rebeldes, exibindo-o nas redes sociais minutos depois da queda do helicóptero.
Ao final do segundo dia de operações ainda não se sabia quantos soldados tinham morrido em ambos os lados dos combates, mas o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, sediado no Reino Unido e em contacto com uma grande rede de activistas no terreno, afirma que os confrontos – “os mais violentos de sempre” – fizeram já dezenas de vítimas, provavelmente mais de uma centena. Entre civis, assegura, há pelo menos 18 mortos desde domingo, entre eles uma estudante da Universidade de Alepo, atingida esta segunda-feira por um rocket rebelde.
Na grande cidade síria de Alepo, os civis não têm onde se esconder
A cidade acordou sob uma espessa neblina negra criada por dezenas de pneus em chamas, que rebeldes e residentes incendiaram para toldar a visibilidade dos pilotos russos e sírios que bombardeiam diariamente Alepo. Aos disparos de armas ligeiras que não se deixaram de ouvir ao longo da noite somaram-se rapidamente os sons de artilharia pesada e de novos ataques aéreos. Apesar da violência, centenas de pessoas saíram às ruas para protestar contra o cerco do regime e destruição de hospitais em ataques aéreos.
A situação no terreno é incerta e modifica-se com rapidez. Sabe-se, porém, que os rebeldes conseguiram avançar no final de domingo sobre dois pontos-chave: a escola de Al-Hikmah, que o regime usava como unidade militar; e o complexo de apartamentos conhecido como "Projecto 1070", uma grande rede de edifícios de onde se avista a linha do cerco, que tem uma largura de apenas três quilómetros mas encerra mais de 250 mil pessoas, muitas delas sem acesso a comida ou cuidados médicos.
O regime tentava reagir esta segunda-feira aos avanços rebeldes, enviando dezenas de reforços e tanques avançados para o complexo de apartamentos, sob protecção de artilharia pesada e grandes vagas de ataques aéreos russos. Enquanto o faziam – alguns relatos indicavam ao final do dia que pelo menos uma parte do “Projecto 1070” estava de novo nas mãos das tropas leais a Bashar al-Assad – os rebeldes pressionavam outros pontos, conquistando posições a Sul, nas cruciais vias de aprovisionamento do regime.
Julgando pela quantidade de tropas mobilizadas num e noutro lado do conflito – o regime terá perto de cinco mil homens só em Alepo –, as operações podem demorar semanas. Os ataques começaram com duas grandes explosões de bombistas-suicidas no domingo, enviados pela ex-Frente al-Nusra, agora Frente Fateh al-Sham, que no final da última semana anunciou um corte com o seu patrocinador jihadista estrangeiro, a Al-Qaeda, embora as ligações organizacionais entre os dois se mantenham fortes.
A aliança rebelde de Alepo inclui uma miríade de grupos armados, alguns deles moderados e apoiados por países como a Turquia, Estados Unidos e França, por exemplo, mas os seus principais actores são a Fateh al-Sham e a sua aliada extremista Ahrar al-Sham, em vários aspectos as duas organizações mais poderosas na região. Só a meio da tarde desta segunda-feira é que o principal grupo de oposição no exílio, a Coligação Nacional Síria, apoiou a ofensiva rebelde.
As operações em Alepo comprometem a iniciativa russa de abrir corredores humanitários para a população cercada, por onde passaram apenas algumas dezenas de civis no fim-de-semana. Os grandes hospitais de Alepo e mesmo algumas das suas tendas de campanha foram destruídos pelas bombas do regime e várias agências humanitárias dizem que o cerco pode matar milhares de pessoas na cidade. “Não precisamos de corredores humanitários”, dizia um civil na zona rebelde, num protesto organizado esta segunda-feira. “Precisamos apenas de um que nos leve à liberdade.”