Um Nobel da Literatura e um autor policial na long list do Booker
Primeiro escritor a vencer dois prémios Man Booker, J. M. Coetzee habilita-se a ganhar o terceiro com The Schooldays of Jesus, um dos 13 romances seleccionados para a long list de 2016.
O escritor e prémio Nobel da Literaura J. M. Coetzee é a grande estrela entre os 13 semi-finalistas do prémio Man Booker 2016, anunciados esta quarta-feira. Após ter ganho o Booker em 1983, com A Vida e o Tempo de Michael K., e de se ter tornado em 1999, com Desgraça, o primeiro autor a repetir a façanha, Coetzee, que tem dupla nacionalidade sul-africana e australiana, volta agora a estar na corrida com The Schooldays of Jesus, sequela de A Infância de Jesus (edição portuguesa da D. Quixote), que prossegue a narração do destino do jovem David, que chega de barco a terras estranhas, onde é educado por um homem que conheceu na travessia.
A competir com Coetze estão alguns autores bastante conhecidos no mundo de língua inglesa, como a americana Elizabeth Strout, vencedora de um Pulitzer com Olive Kitteridge (2008), editado em Portugal pela Casa das Letras, que agora concorre com My Name is Lucy Barton, centrado numa relação mãe-filha, ou a dramaturga, poeta e romancista inglesa Deborah Levy, de quem o júri seleccionou Hot Milk, também protagonizado por uma mãe e uma filha, que viajam para Espanha em busca de uma cura para a paralisia da primeira. Levy já chegara em 2012 à short list do Booker com Nadar para Casa, editado em Portugal pela D. Quixote.
Outra finalista com um currículo considerável é a escocesa A. L. Kennedy, autora de oito romances, incluindo o agora seleccionado Serious Sweet, cuja acção decorre num só dia, como o Ulisses de Joyce ou Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, e que tem como protagonistas um solitário funcionário civil divorciado e com problemas no emprego e uma alcoólica em recuperação financeiramente falida e que trabalha num abrigo para animais. A autora, que também publicou livros de contos e ensaios, foi duas vezes escolhida pela revista Granta como uma das melhores jovens escritoras britânicas, e concilia a escrita com a prática da stand-up comedy, já recebera um prémio Costa por Day (2007), publicado pela Alêtheia, que manteve o título original.
Mas as 50 mil libras do Booker, acrescidas do prestígio de um prémio conhecido por fazer disparar vendas e contratos de tradução, podem bem ir parar a autores menos divulgados, como o inglês Ian McGuire, que já dera nas vistas, há dez anos, com o seu livro de estreia, a sátira académica Incredible Bodies, e cuja segunda tentativa, The North Water, não apenas convenceu o júri do Booker 2016, presidido por Amanda Foreman, como tem vindo a receber rasgados elogios de escritores tão exigentes como Hilary Mantel, Martin Amis ou Colm Tóibin, a quem esta história de crime e vingança, que é também o relato da viagem de um navio de caça à baleia, lembra as obras de Joseph Conrad e Cormac McCarthy.
Também His Bloody Project, do escocês Graeme Macrae Burnet, um engenhoso thriller histórico, tem entusiasmado a crítica. Tal como a história é apresentada ao leitor, trata-se do relato de factos verídicos relacionados com um antepassado do escritor, Roderick Macrae, que aos 17 anos, no século XIX, teria assumido a culpa de um brutal triplo homicídio. Um pouco na linha do que o seu compatriota Robert Louis Stevenson fizera em O Médico e o Monstro, Graeme Macrae Burnet usa vários supostos documentos de época: as memórias do assassino, ditadas a pedido de um jovem advogado que tenta defendê-lo alegando loucura, os relatórios policiais, as notas de um psiquiatra que lidou com o caso, ou ainda a cobertura que os jornais do tempo fizeram do julgamento.
Antes de His Bloody Project, o escritor, que nutre uma assumida paixão pelos livros do inspector Maigret, de Georges Simenon já publicara o policial The Disappearance of Adèle Bedeau, cuja acção decorre numa pequena povoação francesa.
Na long list do Booker 2016 há ainda três romances de estreia: Hystopia, do americano David Means, uma incursão na história alternativa, que imagina um final dos anos 60 nos quais o presidente John F. Kennedy continua vivo, após ter resistido a uma série de atentados, The Many, do inglês Wyl Menmuir, um jovem editor e consultor literário que se aventura aqui no seu primeiro romance – a história de um homem que compra uma casa isolada numa povoação costeira e se torna o objecto da obsessiva curiosidade dos habitantes locais –, e Work Like Any Other, da americana Virginia Reeves, que ressuscita o Alabama da década de 1920.
A completar a lista de 13 autores, conhecida com deliberada imprecisão como “the Man Booker dozen”, o júri escolheu ainda Eileen, segundo romance da americana Ottessa Moshfegh, cuja protagonista é uma jovem perturbada que trabalha numa prisão para rapazes nos arredores da Boston dos anos 60, The Sellout, do californiano Paul Beatty, que parte de um ghetto urbano em Los Angeles para lançar um olhar satírico sobre as questões raciais nos Estados Unidos, All That Man Is, de David Szalays, um autor canadiano há muito radicado no Reino Unido – o livro é composto por nove histórias relacionadas, que mostram homens em diferentes fases da vida, da adolescência à velhice – , e Do Not Say We Have Nothing, da canadiana de origem cambodjana Madeleine Thien, que conta a história dos acontecimentos que levaram às manifestações de protesto na praça de Tiananmen, em 1989, através de uma refugida chinesa que é acolhida por uma família canadiana.
O júri terá agora de seleccionar seis destas obras para a short list, a anunciar no próximo dia 13 de Setembro. O nome do vencedor do prémio Man Booker de ficção de 2016 será revelado a 25 de Outubro.