“Não se perdoam inocentes”, dizem activistas de Angola amnistiados por iniciativa do Presidente

Governo chefiado pelo Presidente, José Eduardo dos Santos, apresentou lei “com carácter humanista”, aprovada com 142 votos a favor do MPLA, no poder, 32 abstenções e nenhum voto contra.

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A lei da amnistia abrange os 17 activistas angolanos cuja situação motivou protestos em várias cidades como Lisboa e Porto Miguel Manso

Os activistas angolanos que estiveram presos durante um ano e foram condenados em Março por "actos preparatórios de rebelião" esperavam em liberdade provisória, desde o mês passado, a resposta do Tribunal Supremo ao recurso interposto pelos seus advogados. Ao fim de um ano na cadeia, com longos protestos de greve de fome, a saúde debilitada e uns meses de prisão domiciliária, estavam agora com termo de identidade e residência. Aguardavam convictos um desfecho favorável, quando na quarta-feira ficaram a saber que serão abrangidos pela Lei da Amnistia. A expectativa e o desejo era o de uma anulação da condenação. Tanto para os 17 activistas como para os advogados.

Uma amnistia não pode ser recusada, nem contestada pelo beneficiário, lembra o activista e músico Luaty Beirão. “O que digo é que gostaria que isto fosse até às últimas consequências. Não era o desfecho pelo qual ansiava.”

A  amnistia, que a Assembleia Nacional aprovou sem nenhum voto contra, entra em vigor em Agosto e abrange pessoas a cumprir penas até aos 12 anos por crimes comuns não violentos. Para Luaty Beirão, 34 anos, pouco muda, a partir daqui.  “A nossa vontade irá prevalecer. Não vamos desistir de sonhar com uma Angola melhor. Nenhuma opressão ou perseguição por parte de todo o partido-Estado poderá desmobilizar a vontade dos oprimidos", diz ao PÚBLICO. E acrescenta: “Gostaria que o Ministério Público (MP) conseguisse provar as acusações que nos levaram a estar um ano presos ou que pudéssemos gozar da prerrogativa de processar o Estado, no caso de o Ministério Público não provar a acusação. E, não se provando, que o processo seguisse [os seus trâmites] para sermos indemnizados pelos danos que nos causaram.”

Em vez disso, vão ser perdoados por “um crime que não cometeram”, diz o advogado Miguel Francisco, também por telefone a partir de Luanda, lembrando a primeira reacção de outro dos activistas, Mbanza Hamza, numa entrevista em Angola. “Não se amnistiam inocentes”, disse Hamza, que estava entre os 15 presos entre Junho e Julho de 2015, condenados há quatro meses, juntamente com mais duas activistas, Laurinda Gouveia e Rosa Conde.

A "magnanimidade" de Eduardo dos Santos

"A amnistia torna o recurso dispensável, no caso de todos eles”, diz o advogado Miguel Francisco. "De certeza absoluta", enfatiza. E prossegue, não como advogado, mas enquanto cidadão, para dizer que o regime, através do partido no poder, o MPLA, arranjou “este expediente para não passar pelo vexame de ver as penas irremediavelmente anuladas”.

“Não existe nenhum crime e esta foi a forma de o Governo tentar suavizar ou mitigar os estragos criados pelo Ministério Público ao instaurar este processo. Foi o maior erro em matéria jurídica cometido neste país desde que exerço advocacia, há 15 anos. Em Angola não há delitos de opinião. Não se pode acusar de actos preparatórios de rebelião quem está a ler um livro ou reunido a debater política."

O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Rui Mangueira, apresentou no Parlamento a lei aprovada com 142 votos a favor do MPLA, 32 abstenções e nenhum voto contra. Cerca de oito mil pessoas vão beneficiar da medida, que exclui os crimes violentos, os delitos sexuais, o tráfico de drogas, o tráfico de órgãos, acrescentou o ministro.

O líder da bancada parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, qualificou a iniciativa legislativa do Presidente, José Eduardo dos Santos, de “acto de magnanimidade”, resultante "de um sentimento de proporcionar oportunidades sociais, políticas e outras de reinserção pessoal e familiar, bem como da valorização da pessoa, independentemente da sua conduta social”. Rui Mangueira falara no Parlamento de uma lei "com carácter humanista".

“Continuo um pouco entorpecido. E estou estupefacto”, reage Luaty Beirão. “No meu entendimento da lei só se pode amnistiar ou perdoar uma pessoa que tenha culpa provada. E no nosso caso o processo ainda não transitou em julgado. Por isso, no meu fraco entendimento da lei, nós não deveríamos estar abrangidos por esta lei. Mas parece ser de consenso que sim, que estamos.”

Para Luaty Beirão, a dedicação vai manter-se de futuro, não por via da criação de um partido político, mas através de uma consciência cívica. “Deve ser uma actividade focada essencialmente no fortalecimento da sociedade civil, que é muito apática e que precisa de uma revitalização”, diz o activista que “não consegue destrinçar política e cidadania”.

Resolver problemas prisionais

Um pouco como Nélson Dibango, 33 anos, outro dos activistas do grupo, que, no momento de reagir à amnistia, diz que ela só será positiva para resolver o problema das prisões, onde a maioria dos reclusos permanece a cumprir prazos de prisão preventiva muito acima dos previstos na lei, sem nunca terem ido a julgamento.

"Não tenho outra forma de entender esta iniciativa se não como uma fuga. Estão a fugir", diz ao PÚBLICO, acrescentando que "quando não existe capacidade para resolver os problemas, os problemas resolvem-se assim".

E explica que esta é uma maneira de o Governo fugir, não só à contestação, mas também "aos  graves problemas que as cadeias apresentam" com sobrelotação e más condições. Recorda os tempos passados na prisão e diz que tanto ele como os outros activistas partilhavam com os outros reclusos ideias sobre a condição dos presos, mas também queriam chamar a atenção dos serviços prisionais para "a péssima condição das cadeias". "Nós não estávamos só presos, estávamos empenhados em actividades humanistas, de consciencialização. Estávamos a trabalhar, sentíamos-nos úteis."

Por isso, perante a lei da amnistia, Nélson Dibango não deixa de sentir o "fardo" do que deixou na prisão e não esquece "as pessoas que perderam muito tempo das suas vidas nessas condições e agora vão ser atiradas para a rua, sem nada, vão estar desintegradas". O activista de 33 anos é técnico infomático, webdesigner e realizador de vídeos. Sempre trabalhou como freelancer e com computadores, mas todos lhe foram tirados quando foi preso: os dele e os dos seus familiares. Enquanto tenta recuperá-los para poder trabalhar e refazer a vida, diz: "A minha reacção é um pouco a mesma de todos. Nós estamos inocentes e não nos revemos na amnistia, ainda por cima ao fim do ano que passámos na prisão."

 

 

 

 

 

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