A revolução de Sanders está prestes a culminar no apoio a Clinton
Candidato levou o Partido Democrata a adoptar muitas das suas propostas, à excepção do polémico acordo TPP, e vai aparecer ao lado de Hillary Clinton terça-feira.
O Partido Democrata norte-americano está prestes a atirar as divisões internas para trás das costas e a concentrar-se unicamente na corrida de Hillary Clinton à Casa Branca contra o polémico magnata Donald Trump. Num anúncio que já cheira a apoio oficial, Bernie Sanders vai aparecer terça-feira ao lado de Clinton num comício no estado do New Hampshire.
Apesar de Sanders ainda não ter proferido as palavras que Clinton esperava já ter ouvido há meses ("Suspendo a minha campanha e declaro o meu apoio a Hillary Clinton"), o candidato que se apresentou nas primárias como representante da ala mais à esquerda do Partido Democrata parece ter ficado satisfeito com as concessões feitas pela sua adversária nas últimas semanas.
Desde que se tornou óbvio que não iria ter delegados suficientes para ser nomeado candidato oficial na convenção do partido (entre 25 e 28 de Julho, em Filadélfia), Sanders foi negociando com Clinton para garantir que algumas das suas propostas fossem inscritas na plataforma eleitoral do partido – o programa com que o Partido Democrata vai apresentar-se aos eleitores tanto nas eleições para a Casa Branca como nas eleições para as duas câmaras do Congresso, que se realizam todas no dia 8 de Novembro.
Sanders diz que vai votar em Clinton mas mantém exigências para declarar apoio
Essas negociações entre as equipas de Bernie Sanders e de Hillary Clinton ficaram concluídas no fim-de-semana, durante a reunião do órgão que define a plataforma do partido, e que decorreu em Orlando, na Florida.
A reunião foi conturbada, já que os apoiantes de Bernie Sanders não conseguiram convencer os apoiantes de Hillary Clinton a aprovarem todas as suas exigências, e muitos deles chegaram a abandonar a sala como forma de protesto. Apesar disso, o candidato já veio dizer que está feliz com o acordo e que esta é "a plataforma mais progressista da História do partido", uma ideia que transmitiu em várias mensagens partilhadas nas redes sociais e que não passaram despercebidas a Hillary Clinton.
Sanders passou meses a prometer aos seus apoiantes uma revolução política no partido, que depois se alastraria a todo o sistema eleitoral, mas a sua margem de manobra reduziu-se no dia 7 de Junho, quando as vitórias de Clinton na Califórnia e em Nova Jérsia carimbaram aquilo que já se percebia desde Abril, depois de uma série de vitórias em estados como Nova Iorque e Pensilvânia. Entre delegados conquistados durante as primárias e declarações de voto de "superdelegados", a antiga secretária de Estado conquistara apoios mais do que suficientes para chegar à convenção e sair de lá com a nomeação garantida.
"A luta está apenas a começar"
A partir desse momento, restava a Bernie Sanders fazer algo que é muito mais do que ele esperaria quando anunciou a candidatura, em Abril de 2015, mas que para muitos dos seus fervorosos apoiantes poderá ficar aquém das expectativas que ele próprio alimentou: convenceu as estruturas do Partido Democrata a chegarem-se um pouco mais para o lado da classe média trabalhadora, sem derrubar todo o sistema por dentro.
"Graças a milhões de pessoas em todo o país, temos a plataforma mais progressista da História do Partido Democrata. Obrigado! Mas, apesar de termos feito grandes progressos nos temas que trouxeram milhões [de pessoas] para o processo político, a luta está apenas a começar", escreveu Bernie Sanders nas redes sociais.
Na reunião para definir a plataforma política, que decorreu no fim-de-semana, os representantes de Sanders conseguiram comprometer o Partido Democrata com a luta pelo aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora; pela abertura de uma investigação a qualquer tiroteio em que esteja envolvido um agente da polícia; pela aplicação de taxas sobre o carbono e o metano e pelo estímulo ao investimento na energias eólica e solar; pela aprovação de uma "reforma da imigração progressista"; e pela legalização da marijuana em todos os estados.
Para além do que ficou inscrito na plataforma do Partido Democrata, Bernie Sanders congratulou-se também com três outras medidas anunciadas por Hillary Clinton na semana passada: a duplicação do orçamento para os cuidados de saúde primários nos centros de saúde comunitários; o alargamento do acesso ao programa federal de saúde Medicare a partir dos 55 anos, quando actualmente o limite mínimo é 65 anos; e a gratuitidade das escolas e universidades públicas para alunos de famílias com rendimentos anuais inferiores a 125 mil dólares – "Isso resultaria num acesso gratuito para 83% dos alunos americanos", lê-se num comunicado da campanha de Bernie Sanders.
Uma parede chamada TPP
Para quem começou como um candidato que rapidamente iria desaparecer do mapa político, Sanders pode cantar vitória com as medidas adoptadas pelo partido no fim-de-semana e com as promessas feitas por Hillary Clinton na semana passada, mas os seus apoiantes mais fervorosos querem mais.
O grande problema chama-se Parceria Trans-Pacífico (TPP na sigla em inglês), o acordo internacional de comércio que os apoiantes de Sanders quiseram transformar num alvo a abater pelo Partido Democrata em troca do apoio inequívoco a Hillary Clinton. Mas, neste caso, Sanders teve de se contentar com as declarações públicas de Clinton, que durante a campanha alterou a sua posição inicial de apoio ao TPP e passou a opor-se ao acordo na forma como ele está escrito.
A oposição ao TPP tem um longo caminho pela frente, tanto no Partido Democrata como no Partido Republicano – tal como Bernie Sanders e agora Hillary Clinton, também Donald Trump quer rasgar o actual TPP, com o argumento de que vai contribuir para aumentar o desemprego no país. Mas o acordo tem muitos defensores nas duas câmaras do Congresso (a Câmara dos Representantes e o Senado), no Partido Democrata e no Partido Republicano, e é uma das bandeiras do Presidente Barack Obama.
Bernie Sanders e os seus apoiantes queriam garantir que o Partido Democrata assumisse por escrito que vai tentar travar uma votação do TPP no Congresso logo após as eleições de Novembro, mas não tiveram sucesso – e, mesmo que a plataforma passasse a incluir esse objectivo, o partido não tem poder para forçar os congressistas a votarem num ou noutro sentido.
No final, "a luta está apenas a começar", sublinhou Sanders, antes de fazer uma declaração que, nas entrelinhas, reforça o que já deixou bem claro: ele vai votar em Hillary Clinton. "Se queremos transformar a América e criar um governo que funcione para todos, e não apenas para os 1%, temos de eleger candidatos que lutem por esses princípios. Temos de eleger um Congresso e um Presidente do Partido Democrata, e garantir que a linguagem da plataforma democrata é traduzida em leis. Temos de assegurar que o progresso para as famílias trabalhadoras na América não termine nas páginas da plataforma democrata, mas que se transforme numa realidade", disse Bernie Sanders.