"Sejam responsáveis, senão isto vai correr muito mal”

Governador e Centeno só serão ouvidos na comissão de inquérito à CGD, antes das férias, se tiverem disponibilidade. O desentendimento levou José Matos Correia a puxar as orelhas aos deputados.

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José Matos Correia presidiu à primeira reunião da comissão de inquérito à CGD Rui Gaudêncio

Um jogo de futebol dura 90 minutos. Se for a prolongamento, chega aos 120. Mas a primeira reunião da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos foi ainda a penaltis para decidir que pouco ou nada decidiu. No fim da discussão, ficou definido que o ministro das Finanças, Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o presidente demissionário do conselho de administração da CGD, José de Matos, só serão ouvidos antes do início das férias parlamentares se tiverem espaço na agenda.

A comparação pode parecer a despropósito, mas foram precisos vários tempos de discussão para que todos os grupos parlamentares chegassem ao entendimento que não se entendem de todo. A esquerda e a direita cavaram um fosso entre si e o debate político tornou-se também táctico na comissão de inquérito que teve esta quinta-feira a sua primeira reunião. O PSD estabeleceu uma linha de defesas na comissão de inquérito à Caixa com um ponta-de-lança, com o objectivo de obrigar a audições antes das férias parlamentares e o PS juntou-se ao PCP e BE e formaram um bloco de defesa com o objectivo

E para isso usaram vários “expedientes” jurídicos bloqueados pelo lado oposto. Os sociais-democratas começaram por apresentar um requerimento para pedir três audições. Os socialistas entregaram outro para ouvir mais – Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque, Eduardo Paz Ferreira, enquanto presidente da comissão de auditoria, e os presidentes da Caixa Geral de Depósitos. Todos votados. De seguida, o PS anunciou um requerimento oral para que as audições só se fizessem depois de decorridos os prazos para as entidades responderem aos documentos. E o debate voltou à táctica.

Poupando nos dribles jurídicos, o PSD acabou por apresentar outro requerimento obrigatório para que as três entidades por si chamadas fossem ouvidas o mais rápido possível, mas a comissão entendeu que esse pedido só pode impor que as entidades sejam ouvidas, mas quem estabelece os prazos não é o PSD. Resultado: Mário Centeno, Carlos Costa e José de Matos podem ser ouvidos pela comissão de inquérito entre dia 26 e dia 29 de Julho, mas só se tiverem agenda. Se não tiverem, “fica tudo para Setembro”, resumiu o deputado comunista Miguel Tiago.

Para os sociais-democratas, esta decisão “é um atropelo à lei”, como disse Hugo Soares, o coordenador dos deputados do PSD no inquérito à Caixa. Assim sendo, o PSD vai recorrer a uma decisão da conferência de líderes parlamentares, para que fique atestado se o entendimento do Parlamento é o mesmo para o futuro. “Um grupo parlamentar nunca pode exercer um potestativo, porque os demais grupos parlamentares dizem que exercem mas só quando eles quiserem”. Ou seja, rematou: “Abrimos um precedente que atesta, é cristalino, a forma como o PS, BE e PCP vão estar nesta comissão de inquérito”.

Foi nesse jogo entre os dois extremos que se jogou a primeira partida da comissão de inquérito. Se, no início, por outro incidente regimental, o deputado Hugo Soares desabafou dizendo que “seria o fim da picada” que os deputados não aprovassem um pedido do PSD para ter documentação requerida  – no caso, o plano de recapitalização e o plano de reestruturação da Caixa que está a ser discutido em Bruxelas – no fim, não havia dúvidas que o caldo estava entornado.

Pondo a votação umas intenções e decidindo outras, o presidente da comissão, José Matos Correia, acabou por dar o primeiro puxão de orelhas a todos os deputados: “A forma como a primeira reunião está a começar, não prefigura nada de bom. Não estou a dizer que a razão está do meu lado esquerdo e do meu lado direito. O que gostava é que o meu lado esquerdo e direito tivessem a capacidade de se entenderem. Se isto começa assim hoje, imagino o que poderá vir daí. Não beneficia nada o Parlamento, a comissão de inquérito, nem a CGD”, disse. 

Mais tarde, perante o desentendimento dos deputados, o presidente da comissão voltou a deixar um aviso: “A imagem que querem passar, por responsabilidade de quase todos os grupos parlamentares, não é aquela que se está a registar, sejam responsáveis, porque senão isto vai correr de facto muito mal”.

“Está em causa o normal funcionamento da AR”

Perante a decisão da comissão de inquérito à CGD, o PSD vai pedir que se realize ainda durante esta quinta-feira uma comissão de líder parlamentares extraordinária para decidir a leitura que a Assembleia da República tem de um direito potestativo. Ou seja, se o direito potestativo dá a quem o apresenta a possibilidade de estabelecer as condições em que ele deverá ser exercido.

Foi isso que disse o deputado do PSD, Hugo Soares, numa conferência de imprensa de propósito para denunciar que o que aconteceu na reunião da manhã foi grave “autoritário” e por isso “está em causa o normal funcionamento da Assembleia da República”, disse.  “Não conseguimos perceber do que estes partidos da maioria têm medo”, reforçou.

Tudo porque, se a conferência de líderes definir que um requerimento potestativo não pode incluir as condições em que ele deve ser feito, abre um precedente para futuro e, por exemplo, disse o deputado, pode dar-se o caso de um partido pedir uma audição e a maioria dos deputados dizer: “Muito bem, mas só em 2018”.

A decisão cabe assim aos líderes parlamentares, mas a reunião ainda não foi marcada.

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