A semana mortífera do Estado Islâmico pode ser a sua nova encarnação

Os extremistas sabem que não podem controlar o seu "califado" durante muito mais tempo.Podem retomar a sua primeira encarnação e ser mais eficazes do que outro grupo do seu género.

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Velas em honra das mais de 250 pessoas que morreram na madrugada de domingo num atentado jihadista em Bagdad. Ahmad al-Rubaye/AFP

As coisas já estiveram melhores para o Estado Islâmico e o seu auto-proclamado "califado". Há meses que o grupo não é capaz de conquistar um troço importante de terreno, salvo por esporádicas contra-ofensivas que não fazem mais do que adiar os avanços das dezenas de grupos com que batalha. Os jihadistas perderam mais de um terço do território que controlavam no seu auge. Só no Iraque, têm quase metade do que tinham há dois anos atrás, quando declararam a criação de um suposto paraíso do islão radical sunita. E ninguém, nem mesmo os próprios combatentes jihadistas, espera que esta tendência se altere.

Mas o domínio territorial do Estado Islâmico é apenas uma das suas encarnações, como se tornou evidente na última semana de atendados fora dos seus enclaves. À medida que perde terreno na Síria e Iraque, o grupo terrorista parece estar a expandir o seu alcance global em matéria de ataques terroristas. Só na última semana, perto do fim do Ramadão, o grupo foi responsável por muitas explosões suicidas e centenas de vítimas em sete países diferentes: Iémen, Líbano, Turquia, Bangladesh, Iraque, Malásia e Arábia Saudita, não contando uma tentativa frustrada de atentado no Kuwait.

Existem várias razões para o seu sucesso. Ao contrário da Al-Qaeda, o Estado Islâmico concede independência operacional às células que tem no estrangeiro. Para além disso, a fama que conseguiu pelas conquistas na Síria e Iraque valeu-lhe uma aliança de grupos que lhes são leais e um exército de admiradores que executam atentados em seu nome sem alguma vez terem estado sequer em contacto com a liderança jihadista, como parece ter acontecido em Orlando, na Flórida. E, para repúdio da Al-Qaeda, a visão apocalíptica do Estado Islâmico faz com que todos sejam um alvo legítimo, incluindo muçulmanos em peregrinação a Meca.

No que diz respeito ao alcance e capacidade destrutiva, o Estado Islâmico pode vir a tornar-se uma espécie de super-Al-Qaeda, caso o grupo escolha regressar ao que era quando não passava de um braço da organização de Osama bin-Laden no Iraque. Veja-se a última semana: 36 mortos e dezenas de feridos no aeroporto Ataturk em Istambul, num ataque alegadamente conduzido por um veterano tchetcheno inserido na Turquia; 43 mortos em Mukalla, no Iémen, em quatro explosões-suicidas coordenadas; mais de 250 mortos — segundo o balanço publicado esta quarta-feira — no maior atentado em Bagdad desde o início da ocupação norte-americana.

Bagdad: “À noite a rua estava cheia de vida, agora só há cheiro a morte”

“À medida que a pressão aumenta, acreditamos que o Estado Islâmico vai intensificar a sua campanha de terror global, de maneira a preservar o controlo sobre a agenda de terrorismo”, afirmou há semanas o director da CIA, John Brennan, repetindo o que o comandante norte-americano para o Médio Oriente já dissera em Maio, quando começou a aperceber-se de que os jihadistas pareciam mais interessados em lançar atentados do que em manter o domínio sobre as suas cidades iraquianas. “Vemos que eles vêm oportunidades e aproveitam essas oportunidades”, disse o general Jospeh Votel.  

Reacção ou estratégia?

Governos e agências de segurança preferem enquadrar a mais recente vaga de atentados como uma resposta desesperada do Estado Islâmico às derrotas territoriais. Alguns analistas dizem até que o grupo criou recentemente um órgão destinado a coordenar ataques no estrangeiro. Mas uma outra explicação parte do princípio de que a aposta na marca global de terrorismo pode ter surgido de uma noção antiga de que o "califado" teria eventualmente de cair.

“Têm-se acumulado provas de que o Estado Islâmico começou a expandir o seu alcance, recrutamento e propaganda, tanto online como através de emissários, depois de se terem começado a revelar os verdadeiros custos militares e económicos de manter o seu califado original, quanto mais expandi-lo”, explica à Reuters um responsável norte-americano que acompanha grupos armados islamistas, optando pelo anonimato.

Shiraz Maher, autor do livro Jihadismo-Salafista: A História de uma Ideia, argumenta por outro lado que o Estado Islâmico não está tão em perda como o que as alianças militares que o combatem querem fazer crer e que o recente surto de violência no estrangeiro não é necessariamente prova de uma nova encarnação do grupo. “Estão a perder terreno, estão apertados, mas não acho que estejam a sofrer uma perda existencial de território.”

“Tendemos a ter uma ideia estática do que é o Estado Islâmico”, diz Shiraz Maher, tomando como exemplo a visão ocidental do grupo jihadista, que não se compara à de um residente de Raqqa, a sua capital, ou à de um adversário rebelde sírio. “A ideia de que [o grupo] deve ser uma coisa ou outra está errada. É um movimento caleidoscópico que pode ser todas estas coisas ao mesmo tempo.”

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