Roberta Sá: “A matéria-prima do intérprete tem a ver com a própria vida”

Roberta Sá lança em Lisboa o seu novo disco, Delírio. E diz que o Brasil está a abrir os olhos para melhorar. Esta quinta-feira no Tivoli BBVA, às 21h30.

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Roberta Sá Daryan Dornelles

Chamou Braseiro ao primeiro disco, em 2005, e Delírio ao mais recente (2015). Mas nestes dias, quando é o Brasil que parece um braseiro, Roberta Sá não delira: canta e vive intensamente o que da voz lhe sai. Nascida em Natal, Rio Grande do Norte, a 19 de Dezembro de 1980, ela tem sido aclamada como uma das melhores e mais seguras cantoras da última década. Em Portugal, onde o seu trabalho é conhecido desde os primeiros passos, já tem actuado várias vezes. Regressa agora, para apresentar em Lisboa o seu mais recente disco, numa digressão que inclui também Londres, Madrid, Amesterdão e Paris. É esta quinta-feira, dia 23 de Junho, no Tivoli BBVA, às 21h30.

Delírio tem onze temas, de vários autores, e a participação vocal de Chico Buarque, Martinho da Vila, António Zambujo e Xande de Pilares, um cantor e compositor carioca. A direcção de produção é de João Mário Linhares e a produção de Rodrigo Campello. “Começo um disco quando termino outro. Então penso no que quero fazer, converso com os compositores sobre os temas, procuro a formação certa dos músicos.” Não tinha qualquer ideia fixa à partida. “Acho que a graça de fazer um álbum está em acreditar e em dimensionar os afectos e os encontros que surgem. Eu já queria gravar uma coisa da Adriana Calcanhotto há muito tempo, do Martinho da Vila também. Tinha pedido uma canção à Adriana e ela me deu agora uma inédita, para o disco. Ao Martinho, tinha pedido uma versão feminina de Disritmia, uma canção dele que eu adoro, e pedi que colocasse uma mulher nesse papel, o de uma mulher que sai de casa pra trabalhar e que na volta é o homem, ou a parceira, o que ela escolher, que tem de curar ela, de lhe dar colo.”

Escolheu Delírio, de Rafael Rocha, para dar título ao disco, por causa do estado do mundo. “A letra dessa música fala: ‘Não vou gastar/ meu tempo pra lamentar/ me ame como puder’. Eu acho que este é um disco que fala muito de amor, num mundo em que o amor está perdido no meio de tantos bombardeios. Nunca houve tanto afecto à informação, mas as informações estão vindo de maneira muito violenta: crise, terrorismo, homofobia, machismo…”

Amor e separação

Mas o disco fala também de separação, como ela própria diz. Pedro Luís, do grupo A Parede, com quem ela havia casado, já não participa neste disco. “A gente se separou, mas continuamos muito amigos e parceiros nessa questão musical.” A ausência dele na gravação, porém, tem apenas a ver com uma opção musical. “A gente fez cinco discos. Estando casado, o casal sempre interfere um pouquinho, nem que seja só por estar ali. Estava na hora de deslocar um pouco, até para construir uma outra coisa. Este disco, de certa forma, é um recomeço. Se repararem, as letras falam muito de separação. Tudo isso está no disco. Há coisas que eu canto que têm maior profundidade depois de ter passado pelo que passei. A matéria-prima do intérprete tem a ver com a própria vida.”

António Zambujo gravou com ela um velho clássico de Ataulpho Alves e Mário Lago, Covardia, que Roberta já queria gravar há muito tempo. “Gravei-o em Lisboa, com o Bernardo [Couto], o Ricardo [Cruz] e o Rodrigo Campello”. Mas Zambujo influiu também no registo do som. “O Zambujo tem sido bastante importante nas nossas trocas sobre música. Eu venho de uma geração que usou um jeito de gravar muito pós-produzido. Eu não sou contra, mas queria um outro approach. E o Zambujo me encorajou muito a gravar de outra maneira. Essa canção foi gravada com todos os músicos juntos e um microfone no meio, sem ensaiar muito, sem pensar muito, e eu gostei. Dar mais importância à essência da música, à emoção, do que ao resultado.”

Brasil, a grande ilusão

Da situação no Brasil não gosta de falar no estrangeiro, sente-se constrangida. Ainda assim, diz: “As pessoas estão muito agressivas, de uma maneira geral, e isso me dói muito. Mas, ao mesmo tempo, acho que vamos encontrar um caminho. As coisas estão vindo à tona, as pessoas estão questionando muito, dando as suas opiniões, e isso é positivo para o país. A gente vivia numa grande ilusão e agora está abrindo os olhos, vendo os próprios defeitos para melhorar.”

No concerto do Tivoli, com Roberta Sá (voz), estarão Alberto Continentino (baixo), Marcos Suzano (percussão), Luis Barcelos (bandolim e cavaquinho) e Rodrigo Campello (violão e guitarras).

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