A batalha avança a passo lento em Falluja, minada novamente pelo sectarismo

Milícias xiitas no combate ao Estado Islâmico capturam centenas de homens fugidos da cidade. Há relatos de tortura e execuções sumárias.

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Blindados das forças iraquianas no Sul da cidade, onde os combates se intensificaram na última semana. Ahmad al-Rubaye/AFP

As forças iraquianas viram-se forçadas a abrandar o passo da reconquista de Falluja durante a última semana, confrontadas por civis usados como escudos humanos, ruas armadilhadas por explosivos improvisados e combatentes do grupo Estado Islâmico dedicados a defender rua-a-rua o grande bastião sunita do país. 

“Eles estão na cidade, mas o cerco ainda está em curso”, explicou esta quarta-feira o coronel americano Chris Garver, fazendo o resumo da campanha no Sul de Falluja, onde combatem as forças antiterrorismo iraquianas, o exército, polícia e tribos sunitas. “Tem sido um combate duro”, disse, numa conferência de imprensa em Bagdad.   

À medida que os combates se prolongam, as condições humanitárias das cerca de 40 mil pessoas ainda aprisionadas no centro da cidade torna-se mais dramática. Falluja está cercada há meses e grande parte da população tem pouco acesso a água potável e alimento. Já 40 mil civis conseguiram fugir nas últimas três semanas de campanha, muitos deles depois de as forças iraquianas abrirem um corredor seguro no fim-de-semana.

Mas esta via serve apenas a população dos arredores e pouco pode fazer pelas pessoas aprisionadas no centro da cidade, onde os combates são mais violentos e as patrulhas do Estado Islâmico actuam com maior liberdade, proibindo civis de fugirem da cidade.

Os que não são baleados por jihadistas em motociclos arriscam-se a morrer com explosivos improvisados. Foi o que aconteceu com Ayman Farouk, ferido por uma bomba plantada ao largo da estrada que matou quatro primos seus. “Foi uma cena terrível. As pessoas estavam no chão banhadas em sangue”, contou ao Washington Post.

“Sejamos perfeitamente claros: não há hoje nenhuma via para fugir seguramente de Falluja”, explica à AFP Nasr Muflahi, o director dos serviços iraquianos do Conselho Norueguês para os Refugiados. E tudo se agrava nos bairros do Norte, onde muitos habitantes têm mais receio de fugir para zonas controladas por milícias xiitas do que de continuar sob o controlo do Estado Islâmico.

Tensões familiares

Nas últimas semanas, centenas de homens fugidos de Falluja acabaram por ser capturados, torturados e alguns até sumariamente executados por milícias das chamadas Unidades de Mobilização Popular, uma aliança que integra os três maiores grupos armados xiitas e que participa nos esforços de reconquista da cidade. 

Estas milícias optaram por não entregar os fugitivos às forças de segurança iraquianas, que aprisionam todos os homens e jovens de Falluja. Há ainda 4000 homens detidos à espera de uma decisão do Governo, que deve avaliar se são realmente civis ou jihadistas disfarçados — perto de mil pessoas foram já libertadas.

Não se sabe ao certo quantos homens estão ainda sob o controlo das milícias xiitas, mas a tensão nos arredores da cidade está a reavivar os mesmos fantasmas das divisões sectárias iraquianas que contribuíram para a ascensão de grupos como o Estado Islâmico. 

De acordo com uma investigação levada a cabo pelo governo local de Anbar, pelo menos 49 homens sunitas foram executados por combatentes xiitas em duas vilas no Norte de Falluja, onde estas milícias operam, sob a condição de deixarem os combates urbanos para as forças de segurança sunitas, para evitar precisamente o renascer de tensões sectárias.

A investigação, publicada durante o fim-de-semana, conclui também que “todos os homens detidos foram sujeitos a tortura colectiva severa”, ecoando relatos semelhantes de grupos de defesa dos direitos humanos como a Human Rights Watch e das próprias Nações Unidas, que dizem ter recebido relatos credíveis de tortura e execuções a Norte de Falluja.

Os primeiros abusos de sunitas às mãos das milícias xiitas foram divulgados há uma semana, mas todos os dias surgem novos relatos de tortura vindos de homens libertados pelas Unidades de Mobilização Popular.

“Vi umas 40 pessoas morrerem em detenção com os meus próprios olhos” contava esta quarta-feira Abu Ban à AFP, a quem mostrou os pulsos cortados. “Isto foi por ter as mãos atadas durante quatro dias, sem nada para comer ou beber”, explica. “Trataram-nos como se fôssemos o Daesh [Estado Islâmico]”, conta outro homem. “Digo-vos, deveríamos ter ficado lá.”

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