Quatro peixeiras, poucos clientes e os preços a baixar na Praça da Ribeira
Apesar de a sardinha estar mais barata este ano, nem o Santo António traz mais clientes. Mesmo assim, são os restaurantes que se afirmam como os melhores clientes.
O pregão de Rosa está escrito por cima da bancada: “O mar dá, a Rosa entrega”. Recorda que quando, há 32 anos, começou a vender peixe, na Praça da Figueira, foi habituada a pregar pela mãe e pelas tias, também peixeiras. “Hoje não sou muito de fazer pregões. Não quer dizer que na brincadeira não saia um ou outro, não é? Nunca se pode perder tudo na totalidade”. Para a venda de sardinha, nem precisa de pregar em tempos de Santo António. “Agora é altura da sardinha e do carapau. O calor e os santos populares puxam os grelhados”, diz animada.
Na banca que divide na Praça da Ribeira com a filha, a sobrinha, o marido e a empregada, Rosa Cunha, de 47 anos, recebe as caixas de sardinhas que acabam de chegar. “No ano passado vendi muito bem sardinha. Estamos no começo, mas não superei o que vendemos no ano passado”, lamenta. Com o Santo António à porta, pode dizer que já vendeu “alguns quilinhos” aos clientes habituais. As famílias aparecem às sextas-feiras e no fim-de-semana, por volta das 9h30. Os restaurantes, que são a maioria, aparecem às 7h durante os dias de semana.
Na praça desde as 5h e a atender clientes desde as 6h, Rosa aponta para a encomenda de Maria Guedes, proprietária do restaurante Moma Grill, na Baixa Pombalina. “Normalmente, compro peixe da época. Escolho o peixe que está mais gordo na altura do ano”, conta Maria. Por isso, agora vai pela sardinha. “Estou a comprar sardinha mais barata este ano. No ano passado nesta semana estava a comprar a sardinha a 12 euros o quilo, agora levo a sete euros”.
Turistas à espreita
Na banca ao lado, Maria Teresa Charrua, de 57 anos, irmã de Rosa, também vende sardinhas mais baratas, até agora a 6,5 euros. “Nesta altura, no ano passado, a sardinha estava mais cara”, recorda a peixeira. Ao contrário da irmã, Maria Teresa não está satisfeita com o negócio e atribui parte das responsabilidades ao MARL (Mercado Abastecedor da Região de Lisboa), local onde abastece a banca em que trabalha.
“Actualmente estão a fornecer os nossos clientes, o que não devia acontecer”, lamenta. Informa que já perdeu à volta de oito restaurantes que lhe encomendavam peixe. “Nós estamos aqui uma manhã toda no mercado à espera que o cliente chegue e o cliente não vem porque já está fornecido”, afirma com indignação. Esclarece que é uma situação que já acontece há algum tempo, mas apenas afectava um ou outro cliente. “O problema agora é que eles por vezes vendem mais barato aos senhores dos restaurantes do que vendem à gente”. Este ano, as peixeiras estão a comprar o peixe aos fornecedores por volta dos 4,5 euros.
Do lado inverso da praça, a banca de Alice Alves, de 66 anos, está coberta de máquinas fotográficas de turistas. “Compram pouco, mas eles não faltam a espreitar o peixe português”, conta. Clientes? Esses nem o Santo António traz. Costumam ser os mesmos durante todo o ano. Há uns anos ainda usava os pregões. “Dizíamos: ‘Olha a sardinha linda e fresquinha! Venham que é muito linda.’ Agora só dizemos: ‘Querem alguma coisinha, meus amores?’ É assim que se fala. Antes gritávamos muito. E resultava, que os clientes vinham”, explica Alice.
A sardinha de Sines
Este ano o destaque vai para a sardinha de Sines. “Está gordinha, tem sido um espectáculo. Até agora é a que está a ser mais vendida”, elogia. Já a sardinha espanhola é, segundo a peixeira, a que os supermercados vendem e quando chega a casa se “escangalha toda”. É um quilo da sardinha de Sines que Luís Marques, cliente três vezes por semana, leva. "Nem noto a diferença no preço, gosto tanto de sardinha que compro ao valor que estiver", diz.
Maria Gonçalves já está reformada, mas “parar é morrer” e amanhar peixe é a sua arte há 47 anos. Hoje já arranjou dez quilos de carapau. “É sempre assim, sempre a andar”, afirma, sem tirar os olhos do movimento mecânico entre a caixa que vem da lota e o alguidar da sua banca. Vende em média cinco a seis quilos aos restaurantes e, ao todo, hoje já vendeu 28 quilos de sardinhas. Mas só vende da sardinha de Sines. "A nossa mão sabe qual é a sardinha melhor. Aliás, a gente vai sempre ao melhor para o cliente não reclamar", brinca. Mas nem só de sardinha se faz o negócio nesta época do ano, cada vez mais vende carapau e cavala.
Rosa explica que os seus clientes sem carapau não fazem uma sardinhada. "Nem toda a gente gosta de sardinha". Mas a novidade é mesmo a cavala, outrora associada a uma classe mais baixa. "Agora a cavala é feita para grandes receitas requintadas, devido ao teor de qualidade que ela tem para a nossa saúde", afirma. O preço está próximo do da sardinha, a seis euros.
É de volta das encomendas para os santos populares que relembra o fogareiro que montava há uns anos, antes de a praça "ser tão organizada", para fazer uma sardinhada com os clientes. Agora é ao som de rádio que atende a japonesa Yoshie Sano, há dez meses em Portugal e fã de sardinha. Hoje Sano leva seis sardinhas. Rosa continua a atender os clientes, que já considera da família, para que, a mais ou a menos, a sardinha não falte na mesa no Santo António.
Texto editado por Raquel Almeida Correia