No Peru, conta-se voto a voto, esperando não ter outro Fujimori na presidência

A contagem dos votos na segunda volta das eleições presidenciais peruanas aproxima-se do fim. Filha do antigo autocrata está apenas a 0,36 pontos de distância do rival.

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Pedro Pablo Kuczynski celebra a divulgação dos primeiros resultados Ernesto Benavides / AFP

São umas eleições disputadas décima a décima: o liberal Pedro Pablo Kuczynski, ex-executivo de Wall Street, está a ganhar a Keiko Fujimori, filha do antigo Presidente autocrata Alberto Fujimori, candidata mais à direita, por 50,18% contra 49,82%, quando estão processados 93,94% dos votos da segunda volta das presidenciais de domingo no Peru.

Estes resultados apontam para uma nova derrota do fujimorismo, à semelhança do que aconteceu em 2011, quando a filha do ex-ditador foi derrotada por Ollanta Humala. Mas ninguém se atreve a confirmar qualquer vitória, numas eleições disputadas quase voto a voto.

Na origem desta corrida tão apertada está o facto de não haver uma clara distinção ideológica entre os dois candidatos, sublinhou o politólogo Arturo Maldonado ao jornal peruano El Comércio, ao contrário de outras eleições recentes. "Tanto Kuczynski como Fujimori podiam ter o mesmo ministro da Economia que ninguém se surpreenderia. O mesmo não poderia acontecer nas eleições de 2006 e 2011". 

maior fosso nestas eleições presidenciais é mesmo o "antifujimorismo", a  rejeição da herança autocrática do ex-Presidente Alberto Fujimori, julgado e condenado a 25 anos de prisão por violações dos direitos humanos enquanto esteve no poder, na década de 1990. Fujimori fugira para o Japão quando o seu regime de mão de ferro foi derrubado, em 2000, mas voltou ao Peru sete anos mais tarde para ser julgado pelo que a acusação definira como um papel de “instigador e mandante” dos raptos e massacres de civis em 1991 e 1992 por “esquadrões da morte” na vaga de repressão do Estado contra as guerrilhas de extrema-esquerda no país, incluindo o Sendero Luminoso 

Kuczynski pediu prudência e acenou com o fantasma da fraude eleitoral. “Temos que ser vigilantes para que não nos roubem os votos na mesa”, disse o candidato que reuniu os votos da chamada frente anti-fujimorista, que abarca desde liberais até à extrema-esquerda, unidos para evitar o regresso de um Fujimori à liderança do país.

“Temos um país democrático, por isso encaramos estes resultados oficiais com optimismo mas também com modéstia. Nós repudiamos a ditadura e amamos o diálogo”, afirmou Kuczynski.

Apesar de seguir atrás do seu rival, Fujimori adoptou uma postura desafiadora e confiante na vitória final. “Os números que vemos na televisão mostram um empate técnico. Vamos esperar com prudência, durante a noite irão chegar os votos das regiões e o voto rural do Peru profundo, por isso estamos optimistas”, disse Keiko Fujimori, que obteve uma vitória confortável na primeira volta das presidenciais. Os resultados finais poderão só ser divulgados terça-feira.

Durante a campanha, a filha de Alberto Fujimori tentou demarcar-se dos abusos cometidos durante a ditadura e que atiraram o seu pai para trás das grades. O que Keiko Fujimori prefere evocar é a imagem de “justiceiro” do antigo Presidente, que garante a popularidade à sua candidatura. O julgamento de Fujimori dividiu o país, sendo comuns as manifestações contra ele ou de apoio à sua acção contra o Sendero Luminoso, classificado como terrorista. Outros designariam as práticas de Fujimori como "terrorismo de Estado". Sondagens da altura mostravam que dois terços da população continuavam a aprovar os mandatos do antigo líder.

Muitos peruanos, sobretudo nas zonas rurais, associam Fujimori à derrota do grupo de inspiração maoísta que entre os anos 1960 e 1990 espalhou o terror no país. Com a ameaça do Sendero praticamente reduzida a cinzas, o foco da campanha de Keiko passou para a insegurança quotidiana.

A criminalidade é um dos assuntos que mais preocupa os peruanos. Há bairros de classe média em Lima com cercas à volta das casas e onde os carros não circulam de noite, diz o El País.

Apesar de se apresentar como herdeira das qualidades do pai, mas não dos defeitos, a campanha de Keiko Fujimori foi desenhada por antigos aliados do ex-Presidente. O próprio secretário-geral acabou por abandonar a coordenação da campanha por ser alvo de investigações da agência de combate ao narcotráfico norte-americana. A público vieram também denúncias de que a campanha foi financiada com dinheiro proveniente do tráfico de drogas — um problema que não é novo na política peruana, como se comprovou com a justificação dada por um dos porta-vozes da candidata: "Em todos os partidos há infiltração do narcotráfico."

Mas a chave da possível derrota de Keiko Fujimori está na aliança em torno de Kuczynski, que, apesar de ter uma agenda próxima dos grandes interesses económicos, recebeu o precioso apoio de Verónika Mendoza, a candidata de esquerda mais votada na primeira volta. Desde o primeiro momento que nunca escondeu que este é apenas um casamento de conveniência, com o único objectivo de impedir o regresso de um Fujimori ao poder. "A partir de segunda-feira faremos uma oposição vigilante", prometeu Mendoza.

Pela frente, e caso confirme a vitória, Kuczynski terá um Parlamento dominado pelo partido de Keiko Fujimori, o que irá limitar a sua acção. Porém, a filha do ditador terá igualmente de enfrentar a contestação interna, na sua própria família. Segundo o El País, o seu irmão, Kenji, já se estará a preparar para continuar a dinastia política.

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