Governo pede investigação ao preço do gás de botija
O Ministério da Economia pediu à Autoridade da Concorrência que analise a evolução dos preços do gás engarrafado, para saber porque não acompanha as descidas do petróleo e do gás natural.
Na data em que se comemora o Dia Nacional de Energia, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, confessa-se cheio de “perplexidades” quanto ao mercado do gás engarrafado, liderado pela Galp, Rubis e Repsol, e do qual ainda depende 75% da população portuguesa. Por isso pediu à Autoridade da Concorrência que analise a evolução dos preços. Também quer lançar “em breve” uma plataforma de mudança de comercializador de luz e gás (uma medida reclamada pela troika para aumentar a transparência do mercado liberalizado), que ajudará os consumidores a escolherem o fornecedor com melhor preço. Sobre o petróleo no Algarve, diz que se anda a “discutir algo que nem existe”. A maior riqueza da região é o turismo e o Governo “terá isso em conta”, garante.
Como viu a repercussão internacional do facto de Portugal ter vivido quatro dias só com energia renovável?
Com orgulho. É a prova de que estamos no caminho certo para sermos um país que dá um contributo positivo ao planeta, à Europa e também à economia nacional. Mas também é verdade que isso reforça muito a nossa preocupação com os preços da energia em Portugal [o preço das renováveis é mais elevado e subsidiado pelas tarifas]. O nosso sistema tem uma grande capacidade de produção, mas é preciso que isso não sobrecarregue os consumidores portugueses e por isso é tão fundamental o tema das interligações. Temos um sistema eléctrico com um enorme potencial renovável, queremos exportar e as interligações actuais não nos permitem fazê-lo. Vivemos numa União Europeia (UE) de livre circulação de pessoas, capitais e mercadorias, mas não de livre circulação de energia. Este é mais um argumento a nosso favor, que vamos usar em todas as reuniões europeias, para reclamar a interligação entre a Pensínsula Ibérica e França.
Já tomou alguma decisão sobre as propostas de investimento da REN nas interligações?
Só recentemente nos chegou o plano de propostas para a rede eléctrica e por isso não me posso pronunciar. No gás, posso dizer que a nossa aposta em transformar Sines num ponto estratégico para o abastecimento europeu existe e seremos coerentes com isso. Mas só faz sentido algum investimento na interligação com Espanha se tivermos a garantia de que o mesmo se faz entre Espanha e França.
A falta de vontade francesa tem sido o grande obstáculo, mas Bruxelas previa que Portugal começasse com investimentos no gás este ano. Os calendários portugueses são os mesmos da Comissão?
As ligações entre Portugal e Espanha e entre Espanha e França estão condicionadas [entre si], de outra maneira não fazem sentido. Não consigo entender uma UE que não tenha em conta a vontade dos Estados-membros e que não tenha em conta os princípios básicos da livre circulação. Portanto, entendemos que nisto não podemos desistir e devemos colocar a questão das interligações em todos os fóruns.
O tema da electricidade é menos polémico, o gás implica investimentos muito superiores…
Não vou onerar o sistema sem a certeza absoluta de que serão feitos os investimentos necessários entre Espanha e França. Mas faz todo o sentido que o país apoie o investimento no gás se tivermos a certeza que isso está resolvido, porque é uma forma de aproveitarmos o terminal de gás natural liquefeito de Sines, que hoje está a menos de metade da capacidade. Na electricidade, o nosso potencial também é enorme e estivemos a trabalhar com a Direcção-geral de Energia e Geologia (DGEG), o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e a REN para identificar os pontos do sul do país com maior potencial solar. O que queremos é ajustar a rede eléctrica para que o solar tenha mais condições de crescer em Portugal. Houve candidaturas a parques aprovadas pelo anterior Governo e outras aprovadas já por nós; são projectos que estamos a acompanhar, até porque hoje em dia estes promotores sem tarifa subsidiada têm maiores dificuldades de financiamento. Estamos a trabalhar com eles para encontrar soluções.
Que tipo de soluções, fundos comunitários?
São esses também. Há várias soluções.
De quantos projectos estamos a falar?
Neste momento, há cinco autorizados, mas há muitas mais manifestações de interesse. A concretizarem-se todos os projectos no Alentejo para os quais há interesse, ficaríamos com excesso de capacidade em relação à rede, por isso estamos a trabalhar nisto.
Quando é que esses parques entram em operação?
São opções dos promotores. Fui convidado para a inauguração de um deles, em Ourique. Por exemplo, em Ourique há uma subestação que tem uma capacidade que, em função dos parques autorizados, está esgotada. Há necessidade de reforçar a rede e esta parte sim, tem um custo; uma subestação custa 15 milhões de euros. É certo que são investimentos com peso, mas têm por trás uma estratégia política, a de aproveitar ao máximo o potencial solar porque a tecnologia já não precisa de ser subsidiada. Com isto reforçamos as condições da futura interligação a Marrocos [cujo estudo técnico deverá começar este ano], que também é a sul.
Já tem o estudo que pediu à ERSE sobre as garantias de potência [em que as centrais estão disponíveis para produzir quando é necessário, recebendo em troca pagamentos]?
Não.
As novas barragens da Iberdrola também estarão sujeitas a essa revisão?
É tudo o que é garantia de potência. Nós tivemos um regime que foi suspenso pelo Governo anterior durante o período da troika e que no último ano voltou a estar em vigor. A Assembleia da República incumbiu o Governo de fazer um estudo sobre a garantia de potência, e é um trabalho que também está a ser feito na UE. A tendência é para que esse serviço de garantia de disponibilidade passe a ser atribuído por concurso, que é um processo muito mais transparente.
Num país com uma ambição tão forte em termos de renováveis, a disponibilidade das centrais é ou não um serviço que tem de existir e ser remunerado?
Como vimos, no período da troika, achou-se que não. Mas depois o Governo anterior voltou a aplicá-la. Neste momento estamos a avaliar tudo isso.
Entende que as empresas não devem ser remuneradas por manterem as centrais disponíveis?
Acho que o sistema eléctrico nacional, em função da sua grande capacidade, é completamente diferente do sistema que existia quando foi criado o regime da garantia de potência.
As empresas não gostam que lhes mexam nos contratos…
Tenho sentido de todas as empresas uma extraordinária vontade de colaborar, mas há um momento para tudo. Há um momento para conversar e há um momento para tomar decisões e essas são tomadas pelo poder político.
Tem alguma meta de poupança com esta alteração?
Também estamos a tentar reduzir os custos com os juros do défice tarifário e juntámos o Banco de Portugal a este trabalho, para encontrar uma solução que poderá passar pela colocação da dívida tarifária futura no sector financeiro ou pela subscrição pública, já que se trata de uma dívida absolutamente segura.
O objectivo é encontrar sempre a solução mais barata, para que os portugueses paguem menos de juro por aquilo que são os sobrecustos do sistema [com as renováveis] do que aquilo que habitualmente pagam. Neste momento a taxa de juro praticada anda à volta dos 2%, a média anda nos 4%, mas há muitas aplicações que ainda estão nos 6%. No ano passado, enquanto o petróleo caía, aumentámos a electricidade em 2,5%. E porquê? Por causa dos juros do défice. Isto significa que temos de nos precaver para o momento em que o petróleo começar a subir.
Em quanto estima reduzir os custos do sistema? Tem uma meta?
Não tenho uma meta. Estamos a trabalhar com o maior rigor possível para reduzir os encargos dos consumidores de electricidade. Quero dizer que em breve lançaremos outra medida com impacto no funcionamento do mercado, que é a criação do operador logístico de mudança do comercializador de energia. É uma medida que vai permitir que os portugueses saibam qual é o comercializador com o melhor preço tendo em conta o seu agregado familiar e a tipologia da casa, ajudando-os a fazer uma escolha com base nessa informação. Desde que passámos das tarifas reguladas para as liberalizadas, muito pouca gente mudou de comercializador porque não sabe qual é o melhor.
Quando é que essa plataforma estará operacional e quem vai geri-la?
Não me quero comprometer com datas, mas posso dizer que está para breve.
A atribuição automática da tarifa social vai começar em Junho?
Sim, estamos a trabalhar com a Segurança Social, a Autoridade Tributária, os comercializadores e a Comissão Nacional de Protecção de Dados para que tudo se cruze. Temos estado a fazer testes e fizemos no final da semana um teste com um milhão de potenciais utentes, que correu bem.
Um milhão de titulares de contratos tem sido a meta apontada pelo Bloco de Esquerda. Há a possibilidade de serem mais ou menos famílias?
Só depois de cruzar todas as bases de dados é que consigo dizer quantas são.
Como viu as declarações do presidente da EDP, que entende que os descontos devem ser financiados pelo Orçamento do Estado (OE) ou pelos outros consumidores?
Li com atenção, mas a mim só me surpreende que tenham sido feitas seis anos depois, num momento em que o Governo aplica a lei. Temos uma lei que não é cumprida e vivemos todos bem com isso, no dia em que dizemos que vamos aplicar a lei, lembramo-nos de achar que não devia ser assim…
A contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE) acaba em 2020 e reduz-se entretanto, como espera a EDP?
Não sei. O Orçamento do Estado será entregue na Assembleia da República em Outubro.
A decisão não está tomada?
A decisão que existe é a de que essa questão é válida para este ano, tudo o que for discutir o futuro não faz sentido neste momento.
A ERSE e a Autoridade da Concorrência (AdC) já lhe entregaram o estudo que pediu sobre o mercado de serviços de sistema, na sequência da auditoria à EDP?
Não. Mas entretanto fiz outro pedido à AdC que tem a ver com algo que me provoca várias perplexidades. O preço do gás natural baixou na última revisão da ERSE devido à redução de custos que o regulador implementou e à descida do preço do petróleo. O que era expectável é que o preço do gás de garrafa, que é o que a maioria dos portugueses usa, também descesse. Mas um estudo que pedimos à Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC) verifica que o preço de venda ao público do gás butano não acompanha nem o preço de referência, nem o preço do gás natural. Por isso, o Ministério da Economia pediu à AdC que analise a questão e faça garantir que o mercado funciona correctamente.
Pediu uma investigação ao preço do gás de botija?
Pedi um estudo e espero que a AdC verifique o que é que se passa. O Governo está muito atento e não percebe porque é que quando os preços do gás e do petróleo descem não há um acompanhamento dos preços do gás de botija. Os portugueses mais carenciados têm gás de garrafa e isso exige atenção especial do regulador e do poder político.
As concessões petrolíferas da Portfuel são as únicas que suscitam dúvidas?
Não. Os contratos celebrados em Setembro de 2015 não obedecerão, segundo a ENMC, a todos os princípios estabelecidos no diploma. Numa das empresas [a Australis], a ENMC entende que há circunstâncias que levam a que, por ser uma empresa cotada em bolsa e com experiência noutros países, se possa tratar de maneira diferente. No caso da Portfuel, estou a aguardar o parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre questões que têm a ver com o acto administrativo [de atribuição do contrato] e com a própria execução do contrato. Não me inibirei de ser o mais rigoroso possível e de ter em conta o interesse público, pois estão aqui envolvidos interesses e valores muito superiores àqueles que, num momento de menos atenção, levaram a concessionar meio Algarve por ajuste directo, sem sequer se auscultar os autarcas. Há situações em que houve concurso, portanto foram processos transparentes. Sei que o Governo PSD-CDS, antes de assinar os contratos do offshore fez reuniões com autarcas. No onshore não, a uma semana das eleições, não se disse nada a ninguém.
No offshore, se as avaliações ambientais o permitirem, admite que se possa passar para a fase de exploração?
Aí falamos de gás natural e a exploração é muito menos invasiva que no petróleo. Gás quase de certeza que haverá, porque há ali ao lado, em Cádiz, mas também não há certeza de que se vá passar à fase de exploração, por isso não vale a pena especular. Quanto à existência de petróleo, as probabilidades são muito reduzidas. Se me pergunta qual é a maior riqueza daquela região, eu digo-lhe: é o turismo. Não fui responsável por estes processos, mas herdei-os e o que posso dizer é que vamos ter o interesse da região em conta, em qualquer situação. Os contratos de concessão têm de ter aprovação política por alguma razão, não é para dar mais trabalho ao membro do Governo, é porque tem de haver uma avaliação política. E, no caso do onshore, essa avaliação ou não foi feita ou foi mal feita. Mas ninguém ajuda o turismo do Algarve se andarmos a discutir esta questão, o que interessa é termos uma postura de serenidade e confiar que as opções políticas terão sempre em conta o que é mais relevante para o país e para a região, não vale a pena especular. Andamos a discutir uma coisa que nem sequer existe.
O anterior ministro da Energia afirmou que esta questão está a ser usada para fazer tiro ao alvo ao vice-presidente do PSD…
Não fui eu que arranjei este problema, ele foi-me deixado. Acho que o ministro [Jorge] Moreira da Silva teve uma actuação boa em determinadas áreas, mas em relação a esta questão, ainda hoje não consigo perceber o que aconteceu. Acho que foi um erro.
Sobre o teste do gasóleo profissional, já decidiram quantos postos vão ter o desconto?
É por município. A escolha dos municípios [Serpa, Bragança, Elvas e Almeida] foi feita com as transportadoras e atendeu ao tipo de postos que lá existia e ao número de mangueiras, por exemplo. Nós queremos que sejam os próprios transportadores a demonstrar que, se tivermos um sistema fiscal mais amigo deles em Portugal, vão deixar de abastecer em Espanha e passam a abastecer aqui.
Mas o resto dos condutores vai continuar a ter um sistema fiscal pouco amigo…
É verdade, tenho de reconhecer que sim.
Quanto é que vão perder em receita fiscal?
Os Assuntos Fiscais têm essa questão identificada. Mas sabe que acho que vamos ganhar? A questão é esta: Um camião, com dois depósitos de mil litros cada, atravessa a fronteira e abastece em Espanha; quanto é que pagou de imposto em Portugal? Zero. Agora, chega à fronteira portuguesa e abastece mil litros, mais mil litros. Quanto é que deixou de imposto em Portugal? Deixou 32 cêntimos por litro. Acha que vamos perder? Vamos começar a cobrar um imposto que hoje é todo cobrado em Espanha e vamos tentar mostrar que isto tem viabilidade.
Há aqui uma situação em que se privilegia um sector de actividade em detrimento de outros, isto não levanta questões de equidade, não pode suscitar dúvidas a Bruxelas?
Esta é uma questão fiscal e é uma questão que tem a ver com receita que perdemos como país, com dinheiro que sai do país. O que me estão a dizer é que o melhor é não fazer nada, deixar tudo como estava e passar a receita fiscal toda para Espanha?
Se acha que vamos ganhar e não perder, que contas são essas? Não nos pode dar já uma ideia?
Para isso é que vamos fazer um teste até ao final do ano.
Foi secretário nacional da direcção de António José Seguro. O PS hoje está internamente pacificado?
Os partidos nunca estão pacificados, os partidos são a força que deve ser utilizada para unir pessoas em função de projectos, mas não há unanimismos em lado nenhum, nem mesmo nas democracias mais musculadas os partidos são completamente unânimes. É natural que as pessoas divirjam e tenham posições diferentes, essa é a riqueza das democracias, a de haver diversidade de pontos de vista mesmo quando há posições comuns.
Como é feita a articulação com o PCP e o BE em relação às medidas concretas? No caso do Ministério da Economia e desta secretaria de Estado, há reuniões sectoriais com os outros partidos?
Essa articulação no seio do Governo é liderada e coordenada pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Nunca vi uma situação tão exigente e complexa [ao nível governativo], mas ao mesmo tempo com esta grande mais-valia: as hipóteses de cometermos erros são muito menores, porque efectivamente estamos sob permanente escrutínio a montante das decisões. E funciona bem! É muito mais exigente, mais cansativo, mas estamos a viver um momento muito diferente na democracia em Portugal, que é muito interessante e estimulante.
Parece haver alguma pressa em cumprir tudo aquilo que está nos acordos com o BE, PCP e Os Verdes, como se houvesse receio de algum desentendimento, por exemplo, no próximo OE…
A pressa é evidente, e para quem está de fora é normal: havia muita coisa a fazer. Quem pensa na pressa estará a pensar que, há um ano, ninguém pensava que fosse possível fazer tantas coisas que já foram feitas. Durante algum tempo o país mergulhou numa certa falta de confiança e urgia que este governo voltasse a dar esperança e confiança aos portugueses. Esta questão é central, não é uma questão de pressa. Para nós os acordos são sempre para cumprir e é isso que estamos a fazer de forma muito consciente.
O Presidente da República disse esta semana que está garantida a estabilidade política neste ciclo político até às autárquicas. Sendo as autárquicas as primeiras eleições de âmbito nacional depois das legislativas, devem ser tiradas ilacções nacionais dos seus resultados?
Eu nunca vi nenhuma relação entre as eleições autárquicas e eleições nacionais.
O engenheiro Guterres viu…
Viu, mas numa situação em que o Parlamento estava partido ao meio, em que nenhuma das forças alternativas ao PS estava interessada em encontrar uma alternativa, ao contrário do que acontece agora, em que todos os partidos que suportam o Governo querem fazer melhor do que foi feito nos últimos quatro anos. Isto é imbatível!
Se esta solução governativa não vingar até ao fim da legislatura, qual seria a melhor opção: eleições antecipadas ou procurar uma alternativa dentro do actual quadro parlamentar?
Eu não acredito que esse cenário se coloque. Houve uma mudança enorme em Portugal nas últimas legislativas: os partidos que não estávamos habituados a que estivessem disponíveis para encontrar soluções de Governo hoje estão disponíveis e com muita vontade. Isso é extraordinário e a partir de agora tudo vai ser diferente na forma como se faz política em Portugal, nomeadamente à esquerda. Quem ainda não percebeu o que aconteceu foram os partidos da direita.