Adele falou, cantou, encantou e não chorou
Falou imenso, cantou muito, riu bastante, deixou o público totalmente rendido, emocionou-se mas sem chegar às lágrimas, apesar de um espectáculo assente em muitas baladas pungentes.
Falou imenso, cantou muito, riu bastante, deixou o público totalmente rendido, emocionou-se mas sem chegar às lágrimas, apesar de um espectáculo assente em muitas baladas pungentes. Foi assim, sábado, na estreia em Portugal da britânica Adele, na primeira de duas noites – repete este domingo – esgotadas num ápice em Dezembro do ano passado.
Um estudo de mercado do final do ano passado concluía que muitos dos seus admiradores são cinquentões e sexagenários e que a vida do ponto de vista material não lhes corre nada mal. Não se pode dizer que, num olhar empírico, o público presente na MEO Arena correspondesse a esse perfil, embora se vislumbrasse mais casais de meia-idade do que talvez fosse de esperar, enquadrados por uma assistência transgeracional.
O que havia era muitos estrangeiros – segundo a organização cerca de 6 mil dos 19 mil bilhetes foram comprados fora de Portugal – e Adele fez questão de puxar por esse facto, perguntando ao longo da noite se estavam presentes pessoas das mais diversas nacionalidades. Os portugueses trataram de ser conquistados logo de início, com ela agarrada à bandeira ou com imagens da Baixa de Lisboa a serem vistas no grande ecrã. Na fase inicial disse que nunca na vida havia tido um público tão bom e barulhento e este retribuiu naturalmente com uma enxurrada de aplausos, maiores do que até aí.
Desde o primeiro momento, quando surgiu de surpresa no meio do cenário e não no palco, envergando um vestido negro a cintilar, que se percebeu que iriam ser mais de duas horas com juras de amor de parte a parte. E assim foi. A partir do palco foi desfiando inúmeras histórias e interagindo com a assistência. E esta retribuiu com genuíno entusiasmo.
Já se sabia que os seus concertos vivem muito da forma descontraída como se apresenta, como se estivesse no café da esquina a falar para cada um dos presentes inseridos no meio da multidão, mas talvez não se esperasse tanta interlocução. Numa das situações acabou mesmo por chamar dois irmãos ao palco, com a sala a cantar os parabéns a Catarina, que havia feito anos na véspera.
Noutro interlúdio entre canções ficámos a saber o que andou a fazer nos últimos dias em Portugal, com idas à praia e ao Rock In Rio para ver Bruce Springsteen, mas não só. Desfiou histórias da sua vida, de relações românticas ou com o filho – no sábado havia acordado às cinco da manhã, lamentou-se, por causa dele, e não garantia aguentar até ao fim – ao mesmo tempo que elogiou a comida portuguesa, recebeu flores ou foi fazendo poses, por entre gargalhadas, para quem lhe queria tirar fotos.
A envolvê-la, em palco, uma vintena de intervenientes, entre músicos de cordas, de sopros e outros instrumentos, para além de coros. O som era excelente – o que não é muito comum naquela sala – e as telas transparentes para projecção de vídeos, proporcionaram um efeito sóbrio mas de grande eficiência. Foi nesse sentido um espectáculo sem qualquer mácula.
A voz e as baladas de sempre
Em termos de alinhamento foi privilegiado o último álbum, 25, com oito das 18 canções apresentadas a pertencerem a esse disco. Começou com o sucesso Hello e logo aí se levantaram milhares de telemóveis para a captar, com a sua voz emotiva a erguer-se sobre qualquer outra coisa.
Já se sabia. Tem uma voz imponente. Mas muitos precisavam dessa confirmação. Ali tiveram-na. Já a forma como a utiliza nem sempre é a mais ousada, preferindo resguardar-se quase sempre no mesmo registo épico que tanto sucesso lhe tem granjeado. Uma costela grandíloqua que no último álbum está ainda mais presente em baladas sentimentais de precisão milimétrica.
Curiosamente é quando sai desse registo, seja quando opta por roupagens mais acústicas, acompanhada apenas à guitarra, como em Million years ago (com direito a engano e tudo na letra) ou quando recorre à linhagem mais soul do seu repertório – como na interpretação da dinâmica Rumour as it ou, na despedida, com o êxito Rolling in the deep, por entre uma chuva de confetti – que se constata a sua maior versatilidade quando ao serviço de outras possibilidades sonoras.
Nesses momentos a sua voz parece expandir-se ainda mais e a música acaba por ganhar contornos mais intensos. Mas essas pistas mais soul esfumaram-se no último disco em favor de baladas emotivas onde revela destreza vocal, mas sem nunca abandonar um modelo que lhe é confortável. Existiu uma altura em que se apontava que seria a descendente natural de Amy Winehouse, mas nela a convulsão é gentil e os valores que difunde são mais clássicos, algo visível quando interpreta I miss you ou Skyfall (a canção para o 23.º filme de James Bond), manifestando valores universais.
No início ironizou que, se o público estava à espera de um espectáculo animado, não era ali que o iriam ter porque “não tenho canções alegres”, disse. Ouvindo temas sentimentais como All I ask, Don’t you remember ou Make you feel my love (versão de Bob Dylan), com toda a gente de telemóvel no ar a seu pedido, ou canções epopeicas como When we were young, com fotos suas da infância no ecrã, ou Set fire to the rain, envolta numa cortina que cria a ilusão de chuva, apetece dar-lhe razão.
Mas ou porque o público canta em uníssono com ela, ou porque nos interlúdios cria a fantasia que é apenas mais uma entre nós, palco e plateia confortam-se mutuamente. Não há drama, mas sim suspiros partilhados num espectáculo eficazmente caloroso.