Joana disse à irmã que vai carregar-lhe o filho: “Tens de começar a preparar-te”
Esta noite, Joana, o namorado, a irmã e mãe vão todos jantar juntos para festejar. Joana vai poder ser mãe.
“Consegui. Agora tens de te começar a preparar”. “Eu já estou preparada há muito tempo”. Foi assim o diálogo telefónico entre as duas irmãs, Joana Freire, que não tem útero, e a irmã Catarina que vai carregar-lhe o filho quando a gestação de substituição passar a ser possível em Portugal, depois de ter sido aprovada esta sexta-feira no Parlamento.
Aos 17 anos ainda não tinha menstruação mas isso nunca a tinha preocupado muito, à irmã mais velha também tudo tinha acontecido tarde e ela não tinha nenhum problema de saúde. Mas foi esse o primeiro sinal, aquele que a levou ao médico, que lhe disse que tinha nascido sem útero e que nunca poderia vir a engravidar. O diagnóstico veio sob a forma de “um palavrão”: síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hause (MRKH).
Aos 27 anos, com o actual namorado, começaram a pensar nesta solução alternativa que ainda só era possível no estrangeiro, a gestação de substituição. A irmã, de 32 anos, que na altura ainda não era mãe mas agora já tem um filho, sempre se prontificou a ser “a gestante” de um filho de Joana com o companheiro.
Quando começou a falar à comunicação social sobre o seu caso e a necessidade de a gestação de substituição ser legalizada, Joana falava sob anonimato. A prática é proibida pela anterior lei de procriação medicamente assistida e podia ser sancionada com uma pena que pode ir até aos dois anos de prisão. A nova legislação, que agora tem de ser regulamentada, passa a permitir a prática apenas a mulheres sem útero ou que sofram de alguma lesão ou doença neste órgão que não lhes permita concretizar uma gravidez e não pode envolver qualquer tipo de pagamento.
Foi ainda em Janeiro de 2012 que entraram no Parlamento dois projectos de lei, um do PS, outro do PSD, que pretendiam legalizar a gestação de substituição. É definida como qualquer situação em que uma mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrém e a entregar a criança após o parto, renunciando aos seus direitos de mãe.
Joana Freire, que tem 29 anos e trabalha em marketing, não se limitou a assistir ao longo processo legislativo de fora. Ela e uma amiga com o mesmo problema — não têm útero mas têm ovários e óvulos e por isso podem ter filhos biológicos, desde que seja outra mulher a passar pela gravidez — escreveram a deputados e a líderes parlamentares. “Escrevo-lhe em meu nome e em nome de todas as mulheres portadoras da síndrome de MRKH, uma anomalia congénita que se caracteriza pela ausência ou má formação do útero, condição que afecta uma em cada 4500 mulheres. Esta síndrome para nós significa ‘extorsão’ de um sonho. O de sermos mães.”
Desde há pelo menos dois anos que a legislação teve várias datas previstas de aprovação que vão sendo adiadas. Na carta dirigida aos deputados, Joana e a amiga, que chegaram a ser recebidas no Parlamento, escreveram também: “Reconhecemos a complexidade de legislar sobre a matéria, mas a nós compete-nos dar voz a situações reais, de jovens casais que têm a legítima expectativa de lhes ser reconhecido o direito às possibilidades que a ciência e a medicina dispõem para tratamento desta situação particular de infertilidade.”
Ficou surpreendida com o número de deputados que votaram a favor da nova legislação. “Portugal vai ser exemplar nesta matéria. É um passo de gigante”, diz, e "eu vou ser uma das primeiras mulheres a beneficiar". Esta noite, Joana, o namorado, a irmã e mãe vão todos jantar juntos para festejar. Joana vai poder ser mãe.