O último dia do Governo Dilma, mas não da crise política brasileira
Se o Senado aprovar, como se espera, o impeachment, Dilma Rousseff será afastada enquanto o Senado prepara o seu julgamento, e o vice Michel Temer irá assumir a presidência
Esta quarta-feira deverá ser o último dia do segundo Governo de Dilma Rousseff e o fim de 13 anos de PT (Partido dos Trabalhadores) no poder. O Senado brasileiro irá votar a instauração de um processo de impeachment contra a Presidente da República e o desfecho é previsível: Dilma Rousseff será temporariamente afastada, por um período máximo de seis meses, enquanto o Senado prepara e procede ao seu julgamento.
Reeleita com uma pequena margem de votos em Outubro de 2014, a Presidente brasileira não chegou sequer ao meio do seu segundo mandato. Ela é acusada de irresponsabilidade fiscal, por ter decretado aumentos orçamentais sem aprovação do Congresso e por ter usado bancos estatais para pagar despesas públicas, mascarando o estado real das contas públicas. A Presidente, que tem feito de cada evento oficial uma tribuna para denunciar o que considera ser “um golpe” para derrubar o seu Governo, disse na segunda-feira que “não sobraria nenhum gestor público” no Brasil se todos fossem submetidos às mesmas regras que estão a ser aplicadas no processo de impeachment (destituição). “Antes de mim, outros Presidentes fizeram decretos iguais. O Fernando Henrique Cardoso fez 30 decretos, o Lula fez quatro e eu fiz seis. Houve algum problema anterior ao meu caso? Não”, afirmou, durante a inauguração do novo aeroporto do estado de Goiânia.
Apesar de não ser a primeira vez que o Brasil procede ao impeachment de um Presidente, esta deverá ser a primeira vez que o país vai assistir a um processo levado até ao fim. Em Dezembro de 1992, Fernando Collor de Mello demitiu-se quando o seu julgamento no Senado estava prestes a começar. Mas Dilma garante que não irá demitir-se antes da conclusão do processo.
O Brasil, que neste momento deveria andar nas bocas do mundo por acolher os primeiros Jogos Olímpicos da América Latina dentro de três meses, surge perante o resto do mundo como um país tomado pelo caos político. Até os cientistas políticos brasileiros admitem ter dificuldade em discernir o momento. “Fiz doutoramento em ciência política e não tenho a menor ideia do que está a acontecer”, escreveu na sua página de Facebook o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Santoro.
A última esperança de Dilma revelou-se um desastre: na segunda-feira, o presidente interino da Câmara dos Deputados, em funções desde quinta, mandou anular a sessão da votação em que mais de 70% dos parlamentares aprovaram a continuação do processo de impeachment. Waldir Maranhão, que substituiu Eduardo Cunha, entretanto afastado da presidência da Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal, pediu ao Senado que reenviasse o processo para a câmara baixa do Congresso, para repetir a votação, alegando que tinha havido vícios processuais na sessão de 17 de Abril.
A decisão de Maranhão convulsionou Brasília e reflectiu-se nos mercados, acentuando a queda da Bolsa de Valores de São Paulo. Horas depois, o presidente do Senado Renan Calheiros rejeitou o pedido de Maranhão e determinou que o processo de impeachment iria prosseguir como programado, recusando-se a “aceitar esta brincadeira com a democracia”. Maranhão ainda fez uma curta auto-defesa perante os jornalistas, rodeado de deputados aliados do Governo, mas no fim da noite revogou a sua própria decisão de anular a votação de 17 de Abril. Maranhão não justificou o seu recuo, mas a imprensa brasileira diz que a decisão foi tomada depois de o seu partido, PP (Partido Progressista) ameaçar expulsá-lo, o que o faria perder o cargo.
Waldir Maranhão é um reflexo do oportunismo que domina o sistema político brasileiro, onde grande parte dos parlamentares formam alianças ou tomam partido ao sabor dos seus interesses pessoais: ex-aliado de Eduardo Cunha, um inimigo de Dilma, Maranhão aproximou-se do Governo nas vésperas do votação do impeachment, e votou contra a destituição da Presidente. O senador Renan Calheiros, que recusou o seu pedido, é outro exemplo: velho aliado do Governo de Dilma, parece mais interessado na sua auto-preservação. Como assinalava recentemente o jornal Zero Hora, ele não age a favor de Dilma nem da oposição – Renan Calheiros age a favor de Renan Calheiros.
O presidente do Senado quer concluir a votação do impeachment ainda esta quarta-feira; caso seja aprovado, Dilma será notificada no dia seguinte. Depois de rejeitar o pedido do presidente interino da Câmara dos Deputados, Renan Calheiros ameaçou adiar a votação do impeachment quando soube que a comissão que deveria analisar o caso do ex-senador do PT Delcídio do Amaral, acusado de tentar comprar o silêncio de testemunhas da Operação Lava Jato, tinha adiado a sua decisão.
Delcídio foi o primeiro senador brasileiro detido em funções. Preso pela Polícia Federal em Novembro, foi libertado em Fevereiro, depois de fazer um acordo de colaboração com as autoridades. Delcídio alega ter agido “a mando” do ex-Presidente Lula da Silva quando tentou comprar o silêncio de um ex-director da Petrobras, Nestor Cerveró. Renan Calheiros acusou a comissão de adiar a sua decisão sobre Delcídio para que ele pudesse votar contra Dilma e disse que não marcaria a votação do impeachment enquanto o caso de Delcídio não ficasse resolvido, até porque é anterior ao processo de impeachment. Os senadores pró-impeachment mobilizaram-se rapidamente e a comissão improvisou uma reunião no próprio plenário, e aprovou a perda de mandato de Delcídio do Amaral em 15 minutos.
Um novo Governo Temer
O impasse político, que paralisou o Brasil e a sua economia praticamente desde a reeleição de Dilma e que se agudizou nos últimos meses, não vai desfazer-se de um dia para o outro, apesar de um novo Governo, liderado pelo actual vice-presidente Michel Temer, entrar em funções.
Eleito juntamente com Dilma, Temer é filiado no PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que era o maior aliado do Governo, antes de deixar a coligação em Março. O vice-presidente, que se incompatibilizou com Dilma praticamente desde que o processo de impeachment deu os primeiros passos no Congresso, é um político dos bastidores que gosta de dizer que aguarda discretamente o desfecho do processo de impeachment, embora tenha estado muito activo nas últimas três semanas, montando o seu Governo.
É um nome que agrada aos mercados e ao sector empresarial, ainda que as sondagens de opinião não lhe atribuam mais do que 2% das intenções de voto. Seis em cada brasileiros acham que ele deveria ser destituído – é a mesma proporção que defende o impeachment de Dilma. O estado de graça do seu Governo, se chegar a existir, será bem curto. Economia e finanças públicas serão a área prioritária, como pretendeu sinalizar com a escolha de Henrique Meirelles para a pasta das Finanças. Presidente do Banco Central do Brasil durante os oito anos de governos de Lula da Silva, Meirelles foi o primeiro nome fechado por Temer para o seu executivo; curiosamente, é o nome que há pouco meses o ex-Presidente Lula insistiu que Dilma convidasse para o seu Governo.
Temer prometeu formar um governo de “notáveis” e reduzir a máquina do Estado, mas as suas negociações nas últimas semanas foram na direcção oposta: segundo a imprensa brasileira, os seus planos de reduzir o número de ministérios dos actuais 32 para cerca de 20 estavam a ser postos de lado para acomodar e distribuir cargos aos partidos que apoiaram o impeachment. Esta segunda-feira, Temer terá recuado e fez saber que irá cortar nove ministérios. Também desistiu de nomear um bispo criacionista para comandar o Ministério da Ciência e Tecnologia.