Birmânia “vai encontrar um modelo próprio”
Embaixador da União Europeia em Myanmar acredita que país desenvolverá, à velocidade que entender, a sua forma de federalismo.
A União Europeia (UE) gaba-se de ter sido um dos primeiros actores internacionais a responder às reformas políticas e económicas de Myanmar, a antiga Birmânia. A Roland Kobia cabe escrever o novo capítulo das relações bilaterais: em Setembro de 2013, inaugurou a primeira representação diplomática. Encontrou um país a abrir-se, após cinco décadas de isolamento. “Um terreno virgem, onde quase tudo está por fazer.” A UE apresenta-se como um actor “neutro”, empenhado na construção da paz, da democracia e do desenvolvimento. “Achámos que valia a pena ajudar. E, nos últimos cinco anos, talvez muito devagar, as coisas têm ido na direcção certa”, começou por explicar o embaixador, uma manhã, na seu gabinete, no sexto andar de um moderno edifício da capital, Rangum. O que se segue é apenas um quarto do que foi dito numa amena conversa sobre o país.
Está a Birmânia a caminhar para o federalismo?
A maioria étnica e os grupos minoritários têm, de forma consistente nos últimos meses, talvez nos últimos dois anos, dito que querem avançar para um estado federal. Podem inspirar-se no modelo suíço, no modelo alemão, no modelo americano.... Nós estamos disponíveis para prestar ajuda técnica e muito envolvidos no processo de paz. Não podemos ir a todo o lado, porque não conseguimos autorizações de viagem, mas temos ajuda humanitária, ajuda o desenvolvimento, diálogo político nos 14 estados. O federalismo talvez seja a única maneira de os grupos étnicos se sentirem mais incluídos.
Que modelo é expectável?
Myanmar é um país muito consciente da sua verdade, da sua cultura, das suas tradições. É diferente dos outros países. Tem uma grande diversidade étnica. Tem 135 grupos étnicos reconhecios. Acho que vai encontrar um modelo próprio. Que modelo será? É difícil saber. Tendemos a ser muito impacientes com os outros, mas temos de lhe dar tempo para criar o seu modelo. Talvez dez anos não cheguem para o fazer. Eles estão melhor posicionados para decidir a velocidade. Se tiver de extrapolar o futuro a partir do passado, direi que a viagem continuará em direcção à democracia. Outra coisa que espero é que haja paz. Assegurar democracia duradoura com guerra é impossível. Tal como é impossível ter desenvolvimento económico duradouro. Sinto-me aliviado por ver que a paz parece ser uma prioridade de topo do novo governo [que tomou posse a 31 de Março]. E estamos a trabalhar para que haja mais igualdade no país. Gostava de ver mais igualdade entre os diferentes grupos étnicos, uma divisão de poder com a qual todos se sintam confortáveis, uma justa partilha de recursos. Não tenho uma imagem completa do modelo político, mas essa é a tendência que vejo.
Qual é o maior desafio?
A relação entre a nova administração e o exército. O exército não transferiu o poder para o governo presidido por civis, porque reservou 25% dos lugares do parlamento, três ministérios, mas está a partilhar o poder, o que é um grande passo. Aung San Suu Kyi [líder da Liga Nacional para a Democracia] e o Presidente [Htin Lyaw] tornaram claro que querem mudar a Constituição. Isso acontecerá, a seu tempo, mas por agora o exército será o parceiro mais importante com que terão de trabalhar.
Há uma grande tentação na Europa para comparar Aung San Suu Kyi a Nelson Mandela. Isso tem sentido?
Toda a gente é diferente. Mandela fez muito pelo seu país. E Aung San Suu Kyi quer fazer muito pelo seu país. Eu fico impressionado quando olho para trás e vejo a transição desde a abertura do regime militar [2011]. Pela primeira vez desde 1962, o país tem um presidente civil. Penso: Meu Deus! Claro que podemos criticar, podemos dizer que está a ser lento, que não fizeram isto e aquilo, mas é impressionante o que foi feito nos últimos anos. Não só em termos de números, também em termos de mudança de regime. Às vezes, em conversa, referem a “Primavera Árabe” e dizem: “Ai, talvez tenha sido depressa de mais; veja o que aconteceu. Nós queremos uma evolução mais espaçada.” Até agora, tudo bem.
Aung San Suu Kyi tem limites que não sejamos capazes de ver lá fora?
Ela está cheia de energia. Quer que se se saiba que está no poder e que está a conduzir o país para onde acredita que o deve fazer. Acho que mexerá no que pensa ser do alto interesse da nação. Terá de lidar com o Estado de Rakhine [com um grupo étnico ao qual não são reconhecidos direitos fundamentais e onde se desenrola um conflito inter-religioso]. É um assunto que atrai muito a atenção da comunidade internacional. Ela terá de enfrentar a situação por uma questão de direitos humanos, mas também porque tem muita visibilidade. Com certeza também terá de enfrentar problemas difíceis relacionados com os direitos da terra, a forma como os negócios são feitos. Tenho a impressão de que não fugirá das dificuldades. Tem a grande maioria da população a apoiá-la. Deve sentir-se muito forte.