Apesar do sucesso dos nacionalistas, sérvios votam para manter rota europeia

Eleições antecipadas devem dar vitória clara ao partido do actual primeiro-ministro, que quer partir para as negociações de adesão à UE fortalecido.

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Tudo indica que o primeiro-ministro Aleksandar Vucic vai conseguir contrariar o discurso extremista ANDREJ ISAKOVIC/AFP

As eleições legislativas deste domingo na Sérvia devem reforçar o partido do actual primeiro-ministro, Aleksandar Vucic, que pretende assim ter o seu mandato fortalecido para negociar a adesão à União Europeia. As sondagens também apontam, porém, para uma subida no apoio às formações nacionalistas.

“Estas eleições serão um referendo para decidir se a Sérvia quer ser um país moderno, europeu, até 2020.” É o próprio primeiro-ministro que enquadra nestes contornos as eleições que decidiu antecipar em dois anos. Mais do que eleger um novo Parlamento, sete milhões de sérvios são chamados, na verdade, a pronunciar-se sobre o caminho europeu do seu país.

Um acordo alcançado entre a Sérvia e o Kosovo em Agosto do ano passado abriu caminho para o início do longo processo de adesão da antiga república jugoslava ao bloco europeu e que Belgrado espera concluir até ao final da década.

De acordo com as sondagens, o Partido Progressista (SNS, de centro-direita) deverá conseguir mais de 50% dos votos e, desta forma, reforçar o seu domínio no Parlamento de 250 lugares. Mas a noite eleitoral de Vucic pode vir a ser assombrada por um fantasma do passado do actual primeiro-ministro.

Depois de duas eleições mal sucedidas, o Partido Radical Sérvio (SRS, nacionalista) deverá conseguir superar o limiar de 5% e entrar no hemiciclo. A formação extremista volta a ser liderada pelo seu fundador, Vojislav Seselj, recentemente absolvido de crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional.

Os caminhos de Seselj e de Vucic cruzaram-se em 1993, quando o futuro primeiro-ministro se inscreveu no SRS – o volte-face acontece em 2008, com a saída de Vucic do Partido Radical para fundar o SNS, apresentando-se então como um europeísta convicto.

Aliado de Milosevic

Por seu turno, Seselj – um académico que tanto tem de brilhante como de polémico – mantém-se fiel ao seu fervor nacionalista. Quando a guerra na antiga Jugoslávia estalou, montou um grupo paramilitar chamado Seseljevci (“os homens de Seselj”), enquanto proferia discursos em que defendia o conceito da “Grande Sérvia”, um território mítico que incluía a Sérvia, o Kosovo, a Macedónia, a Bósnia, Montenegro, e grande parte da Croácia. “Onde houver túmulos de sérvios, essa deverá ser uma terra para os sérvios”, costumava dizer.

Durante a guerra, Seselj tornou-se um importante aliado do presidente sérvio, Slobodan Milosevic, e do líder dos sérvios na Bósnia, Radovan Karadzic (condenado a 40 anos de prisão por crimes contra a humanidade pelo TPI), acabando por integrar o governo no final dos anos 1990 como vice-presidente. Alguns relatos acusam-no de ter sido um dos ideólogos do Plano Ferradura – que tinha como objectivo a expulsão da população albanesa do Kosovo –, algo que sempre negou.

Após a queda de Milosevic, o Tribunal de Haia acusou Seselj de crimes de incitação ao ódio entre diferentes etnias. O político decide entregar-se voluntariamente e declara-se desde logo inocente. No final do mês passado foi absolvido de todos os crimes que lhe eram imputados.

Hoje, o seu discurso tem na mira a União Europeia. “Não queremos entrar na UE! Todos os inimigos tradicionais da Sérvia estão lá”, afirmou recentemente, durante um comício em Belgrado. De costas voltadas para Ocidente, Seselj defende uma aproximação à Rússia, uma prioridade que é partilhada por grande parte da sociedade.

Uma sondagem publicada pela revista Vreme, e citada pelo site EurActiv, mostra que 67,2% dos sérvios apoiam uma aliança com Moscovo, enquanto apenas 50,9% se mostram favoráveis à adesão à UE.

Gerir a questão russa

Numa altura em que as relações entre o bloco europeu e a Rússia atravessam o período mais crítico desde o final da Guerra Fria, Belgrado tem tentado fazer uma gestão cuidadosa da sua política externa. Se, por um lado, o caminho na direcção de Bruxelas é prioritário para o Governo, por outro, Vucic tem tentado preservar as relações com o Kremlin.

Em Outubro, o primeiro-ministro visitou Moscovo e já este ano os dois países realizaram exercícios militares conjuntos. A Rússia fornece um apoio diplomático importante à ambição sérvia de impedir a entrada do Kosovo na ONU. Do ponto de vista russo, a Sérvia é um importante aliado numa zona geopoliticamente sensível e com o qual partilha importantes laços culturais, que vão desde o alfabeto cirílico à forte presença da Igreja Ortodoxa.

Na Sérvia, “a ideia é que a Rússia mostra ‘respeito’, enquanto o Ocidente se concentra mais em fazer exigências e promover reformas impopulares”, escreveu o analista da London School of Economics, Jaroslaw Wisniewski. Com um desemprego acima dos 17% e um crescimento quase nulo da economia (0,7% em 2015), o terreno é fértil para o sucesso dos discursos extremistas. Para além do Partido Radical, também os nacionalistas do movimento Dveri deverão conseguir entrar no Parlamento.

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