A Guerra dos Tronos: ele morreu e agora nem o livro temos para nos guiar
Quase um ano depois, a sexta temporada daquela que é actualmente a série de televisão mais mediática está de regresso. A estreia é este domingo; segunda-feira em Portugal. Falámos com 12 actores do elenco. Não nos querem contar muito mas garantem: vem aí a melhor temporada de sempre.
Nem parece que passou quase um ano desde que vimos o último episódio da quinta temporada de A Guerra dos Tronos, a série da HBO que é actualmente um dos maiores fenómenos da televisão. Aquele episódio em que tivemos de engolir em seco com tudo o que se estava a passar — a caminhada de Cersei Lannister, a reviravolta de Arya Stark, a cena de Sansa Stark, a mudança de Daenerys Targaryen, e claro, tudo o que aconteceu a Jon Snow. Foi em Junho mas a série continuou a ser notícia quase todos os dias e as redes sociais não a abandonaram. A tão desejada sexta temporada estreia-se finalmente este domingo (em Portugal, a estreia é amanhã às 22h10 no Syfy) e, pela primeira vez, os fãs estão perdidos. Se até agora os livros As Crónicas de Gelo e Fogo davam pistas para o que aí vinha, a série alcançou agora o fim da história escrita e George R.R. Martin não acabou The Winds of Winter a tempo desta nova temporada. Os actores dizem não ter sentido diferença na rodagem porque o argumento é a sua bíblia, mas admitem ter ficado mais nervosos porque também eles estavam a zero.
Quando nos sentamos com alguns dos actores do elenco e jornalistas vindos de todo o mundo, o trabalho pode ser frustrante. Fazemos perguntas que não levam respostas e não é porque não queiram responder. mas porque o secretismo em torno da série assim o exige. Há respostas que parecem ensaiadas e também não é por mal, é para o bem dos fãs, dizem. Nesta temporada, nem o primeiro episódio foi disponibilizado aos jornalistas. Só o Presidente norte-americano teve direito a um exclusivo — Obama tem uma agenda preenchida e não pode acompanhar o ritmo da televisão, alegou a Casa Branca. Antecipar o que aí vem seria por isso apenas especulação, embora teorias não faltem. Uma coisa é certa, os próximos dez episódios serão os maiores e possivelmente os melhores de sempre. Dizem-no os actores e os números comprovam: dez milhões de dólares (aproximadamente nove milhões de euros) é o orçamento-recorde para cada episódio desta temporada da série criada pela dupla D.B. Weiss e David Benioff.
“É assim que se faz a diferença”, diz o actor Liam Cunningham (Davos Seaworth). “Quando as produções atingem um certo nível de sucesso e começam a dar dinheiro, as pessoas que as fazem acham que descobriram a fórmula e limitam-se a repeti-la. Torna-se aborrecido fazer e aborrecido ver”, explica. “Aqui, acontece o contrário. A HBO pôs ainda mais dinheiro nesta temporada e D.B. Weiss e David Benioff criaram ainda mais problemas criativos”, continua, defendendo que “é preciso arriscar ou todos se acomodam”.
Iwan Rheon, o temível e assustador Ramsay Bolton, não tem dúvidas de que a HBO é responsável por uma mudança na televisão. Cada vez vemos mais e melhores produções — ajuda também o aparecimento de serviços de streaming como o Netflix, decididos a apostar em conteúdos originais, sem olhar a orçamentos. “É bom ver o dinheiro voltar à televisão. É preciso dinheiro para fazer melhor. A HBO põe o dinheiro e isso vê-se”, sublinha o actor de 30 anos, argumentando que o sucesso planetário de A Guerra dos Tronos é um incentivo para que outros canais e outras produtoras façam melhor.
Mas se agora, cinco anos depois da estreia da série, parece fácil falar, nem sempre foi assim. O veterano Jonathan Pryce é exemplo disso. Teve a oportunidade de entrar para A Guerra dos Tronos logo na primeira temporada mas recusou a oferta. “Fiquei muito nervoso com a forma como me foi descrita. Não era o tipo de coisas que veria, li o argumento e todos os nomes estranhos e passei”, conta. “Depois tornou-se este enorme sucesso”, diz, sem esconder a surpresa — A Guerra dos Tronos é a série mais pirateada de sempre, uma das mais vistas na televisão e também das mais influentes nas redes sociais. “Na quinta temporada voltaram a falar comigo e ofereceram-me o papel de Alto Pardal/Alto Septão [o líder da Fé dos Sete, a religião predominante de Westeros]. Aí li o argumento em condições e fiquei mesmo atraído”, explica. “O Alto Septão é uma personagem muito forte, que criou um novo mundo na história. Ter dito sim desta vez foi uma das melhores decisões que alguma vez tomei”, admite, revelando no entanto que continua a não seguir a série na televisão.
Até para quem está na produção desde o início, o fenómeno em que A Guerra dos Tronos se tornou continua difícil de explicar. “Nunca imaginei que isto se tornasse tão grande”, diz, em resposta ao PÚBLICO, Alfie Allen, ou Theon Greyjoy, como agora tantas vezes o chamam na rua. “A ideia de uma série de fantasia à maneira da HBO nunca antes tinha sido feita. Viemos preencher uma lacuna. Ao mesmo tempo é uma série muito real. E acho que tudo se deve aos maravilhosos valores de produção, com cenários incríveis, guarda-roupa... É algo com que toda a gente se consegue relacionar”, justifica.
Para a holandesa Carice Van Houten, a sinistra Melisandre, A Guerra dos Tronos tem tanto de Shakespeare como das tragédias gregas. “É intemporal.” E dá como contraponto o exemplo de Breaking Bad, a série de Vince Gilligan, sobre um professor de liceu (Bryan Cranston) tornado fabricante de metanfetaminas que passou na televisão entre 2008 e 2013, considerada por muitos como uma das melhores de sempre: “Eu adoro Breaking Bad, mas essa é uma história mais contemporânea.”
“Não tenho dúvidas de que vamos deixar um legado e daqui a 50 anos as pessoas vão continuar a olhar para A Guerra dos Tronos com respeito. É eterno”, intromete-se na conversa Liam Cunningham — os actores sentaram-se aos pares connosco num quarto de hotel em Londres e Cunningham veio com Van Houten. “Uma das razões é a qualidade do argumento, é incrivelmente bem desenvolvido”, aponta.
Michael McElhatton, aliás Roose Bolton, o pai de Ramsay, que tem tanto de diabólico quanto o filho, explica-o de outra forma: “Muitas vezes apanhas uma desilusão quando, depois de leres os argumentos, filmas e vês as coisas editadas. Mas em A Guerra dos Tronos é exactamente o oposto. As coisas estão sempre a melhorar. É tão bem filmada, e de forma tão bonita. As cenas são sempre tão boas como as fizeste, se não melhores. E isso é pouco comum.”
Tão incomum que à medida que o fim desta saga se aproxima os actores já se questionam como é que conseguirão superar este marco nas suas carreiras. Esta semana, a HBO anunciou o que já se esperava: em 2017 teremos nova temporada. Mas ao contrário do que é habitual desta vez o canal não revelou quantos episódios terá, e não será por acaso. Numa entrevista à Variety, D.B. Weiss e David Benioff equacionaram a hipótese de as novas temporadas serem mais curtas. “Acho que estamos a chegar aos nossos 13 episódios finais. Estamos a caminho da última volta”, disse Benioff, clarificando, porém, que “é apenas um palpite” porque nada está fechado.
Antes, já Michael Lombardo, presidente de programação na HBO, tinha revelado à imprensa norte-americana que os dois showrunners queriam fazer apenas mais duas temporadas, depois desta sexta. A Variety escreve que em 2017 devemos ter então oito episódios e por fim, em 2018, apenas sete. Parece definitivo: A Guerra dos Tronos está a chegar ao fim, na televisão e nos livros. George R.R. Martin ainda não acabou de escrever a saga — são sete os livros a publicar e até agora só saíram cinco (a versão portuguesa da editora Saída de Emergência divide os cinco capítulos existentes em dez volumes) —, mas está a tratar disso.
“Todos nós temos medo de morrer na série, mas como mulher nesta indústria dou por mim a pensar no que haverá depois”, questiona-se Carice Van Houten, queixando-se da falta de argumentos de qualidade para as mulheres, principalmente no cinema. “As mulheres são habitualmente mães que ficam em casa a tomar conta das crianças. É muito frustrante para mim. É o meu maior medo. O que acontece se eles me mataram? Onde é que vou acabar?”, prossegue, contando que habitualmente os argumentos descrevem as personagens femininas pela aparência e pela idade, enquanto os homens têm sempre um background qualquer. “Quase não me apetece voltar a fazer filmes. E essa é a parte triste disto tudo.”
Maisie Williams tem hoje 19 anos, tinha 14 quando tudo começou. Ela é Arya Stark, a miúda que vimos crescer às suas custas, depois de ficar sozinha num mundo tão brutal. Foi o seu primeiro papel mas cinco anos na indústria chegam para concordar com Van Houten. “Acho que nunca tinha percebido quão sortuda sou, ou fui, quando comecei a interpretar a Arya, que é tão real, credível, honesta, imperfeita. Não é assim tão comum conseguir personagens destas”, explica. “Só quando comecei a ler outros projectos percebi que isto é praticamente único”, insiste. “Agora sinto que não tenho de aceitar uma personagem em que não acredite totalmente. Isto deu-me confiança para dizer não”, acrescenta, para nos dizer que continua com os pés assentes na terra, apesar de hoje ser reconhecida em todo o mundo. “Ainda tenho muito para aprender e muito para trabalhar e ganhar. Isto não é uma corrida. O meu plano não passa por correr todos os estúdios de cinema ou trabalhar com todas as estrelas.”
Se o quisesse, provavelmente conseguiria, como comprova Tom Wlaschiha, o enigmático Jaqen H’ghar. O actor alemão, que apareceu pela primeira vez na segunda temporada e voltou na quinta para surpresa de todos — a sua história já não constava do livro —, conta que a série da HBO lhe abriu muitas portas, mas recusa-se a antecipar o que poderá acontecer quando tudo acabar. “Hoje estou em muito mais listas do que estava. Claro que um dia vai acabar, mas veremos depois o que acontece.”
Para John Bradley (Samwell Tarly, fiel companheiro de Jon Snow na Patrulha da Noite), A Guerra dos Tronos “é um óptimo mostruário” das capacidades dos actores. “Dá um sentido mais amplo dos teus poderes de representação”, diz o actor, para quem é difícil ignorar o sucesso da série quando se sabe que, por exemplo, Obama é fã. “Um dos melhores elogios é as pessoas chegarem ao pé de ti e dizerem que não têm tempo para ver muita televisão, mas quando o fazem é para ver A Guerra dos Tronos. É incrível porque mostra o compromisso que têm”, explica. “São os espectadores que tornam a série grande, não é uma preocupação nossa. Nós só temos de fazer uma boa série. Mas não seria grande se não fosse boa.”
E Jon Snow?
Se continuar no ritmo em que tem estado, é possível que a série acabe primeiro do que os livros. Foi há cinco anos que Martin editou o último capítulo da história; o lançamento do novo devia ter acontecido algures entre o ano passado e este mas a data da sua chegada às lojas permanece um mistério. George R.R. Martin, de 67 anos, continua a escrever, e para provar que o está a fazer tem revelado pontualmente páginas de The Winds of Winter ou trechos das histórias de algumas personagens. Até já deixou pistas sobre o fim desta luta pelo Trono de Ferro: “Vai ser uma vitória, mas uma vitória agridoce.”
“É estranho termos apanhado o livro, é como se tivéssemos chegado ao fim do que está escrito”, diz-nos Ellie Kendrick Meera Reed, a aliada de Bran Stark —, lembrando que Geoge R.R. Martin é produtor executivo da série e nada é feito sem que seja consultado. “Ele adiantou algumas das coisas do livro que está a escrever, as direcções que a história vai seguir. Mas é estranho, eles [Weiss e Benioff] estão a escrever as ideias dele ainda antes de ele as escrever.”
E foi diferente fazer esta temporada sem livro?, perguntamos. Foi só mais uma questão de nervos, concordam muitos dos actores. “É muito excitante porque genuinamente não sabemos nada. Os livros costumavam ser uma espécie de mapa.” A maioria confessa, porém, nunca os ter lido, fazendo questão de marcar a diferença: a série tem de valer por si. Alguns revelam até que já nem os argumentos das outras personagens lêem, para depois acompanharem pela televisão.
Maisie Williams reitera que filmar não foi diferente, mas a leitura do argumento sim. “É tudo material novo. Eu nem estava nervosa mas definitivamente devia ter ficado. Esqueci-me que agora tudo pode acontecer. Sempre me senti confiante porque a Arya ainda estava viva nos livros... Esqueci-me que tudo está em risco.”
E se A Guerra dos Tronos ficou conhecida por ser tão imprevisível e matar tantos dos seus protagonistas sem que nada faça antever tais tragédias, a sexta temporada promete ainda mais desenvolvimentos inesperados. E é aqui que entramos na parte difícil. Perguntas sobre o que aí vem ficam praticamente sem resposta. Não há um actor que não fuja ao que lhe é perguntado ou que não responda com um: “Temos de esperar para ver.” Claro fica que esta vai ser a temporada mais épica até agora. E se não tem os episódios em dia, então o ideal será parar por aqui para não encontrar spoilers.
“Se todos soubermos o que vai acontecer, qual é o sentido da série? As pessoas esforçam-se tanto para fazer a série, há tanto trabalho”, diz Iwan Rheon, criticando duramente aqueles que procuram a todo o custo sacar informações. “É muito difícil manter tudo em segredo, especialmente agora com toda a tecnologia que existe, como os drones.” O exemplo não é casual. No ano passado, um drone apanhou o actor Kit Harington durante as filmagens. Depressa as imagens correram mundo. A última vez que vimos Jon Snow foi a esvair-se em sangue, depois de esfaqueado pelos seus camaradas da Patrulha da Noite. Ninguém quis acreditar que morresse mas as teorias só ganharam força com estas imagens. “As pessoas fazem de tudo, é uma vergonha. Os verdadeiros fãs querem ser surpreendidos e por isso não é justo.”
Mas se dúvidas existem, Snow morreu. O primeiro a dizer-nos isso é Isaac Hempstead Wright, um dos irmãos mais novos de Snow, Bran Stark. Ele que esteve ausente na última temporada e que volta agora com destaque, com os seus poderes mais apurados. Já John Bradley elabora um pouco mais: “Foi devastador.” A morte de Snow acontece quando este abandona a Patrulha da Noite com a mulher que decidiu acolher e por quem se apaixonou, Gilly, interpretada por Hannah Murray, que também nos diz que Snow morreu. “No momento em que Sam sente que as coisas se estão a compor, algo acontece. Se ele descobrir que Snow morreu, vai culpar-se por acreditar que se lá estivesse podia ter feito alguma coisa para evitar. Mas o melhor é que ele não saiba o que aconteceu.”
Carice Van Houten diz que toda a discussão à volta de Snow a diverte. Uma das teorias põe-na a ressuscitá-lo. A actriz ri-se e conta até que já foi alvo de ameaças por parte dos fãs pelas coisas terríveis que fez na série. Curiosamente as mensagens mudaram: “Só lia: ‘Morre, morre, cabra, morre. Depois, quando Snow morreu, recebi mensagens a dizer que me perdoavam se o ressuscitasse”, diz entre risos, contando que a preocupação de Melisandre será outra. “Ela tem de encontrar o chão outra vez porque Stannis [Baratheon] está morto. O que é que ela vai fazer agora? Em quem é que vai confiar? Está completamente confusa.”
Os trailers e as imagens até agora divulgadas vão deixando algumas pistas também, mas pouco adiantam. Num dos teasers, vimos nas paredes da Casa do Preto e Branco, onde figuram todos os mortos, a cara de muitos dos protagonistas actuais como se mortos também estivessem. Tom Wlaschiha, que é quem cuida daquela casa, é peremptório: “As pessoas morrem. É uma coisa normal. A pergunta é quando.” Resta saber a quem se refere, tal como está por confirmar a morte de Snow.
Vimos também que há uma guerra prestes a estalar, vimos imagens da destruição, sem perceber do que se trata. Uma batalha épica está prometida por D.B. Weiss e David Benioff. Dean-Charles Chapman, o jovem rei Tommen Baratheon, resume: “Esta temporada vai ser maior, melhor, vai ter mais mortes, mais agitação.” E Liam Cunningham reforça: “Desde o início até ao fim, esta série vai ser maior, mais corajosa, e mais marada.”
“D.B. Weiss e David Benioff sabem para onde vão e como fechar este belo círculo”, não hesita Cunningham, com a certeza de que ninguém na série “vai relaxar e recolher os frutos do sucesso”.
O PÚBLICO viajou a convite do Syfy Portugal