Carina vem com a família ver os deputados discutirem a petição “da mamã”
Petição que resultou "de uma decisão de impulso" já reuniu mais de 30 mil assinaturas online. A participação política de Carina Pereira, de 35 anos, reduzia-se a ir votar, mas sempre com aquele sentimento de que não mudava muito com esse acto.
Carina Pereira estava a ler uma notícia: o título era “Portugal deve prolongar licença de maternidade até aos seis meses”. Era mais uma a dizer o que se já se sabia há muito: o aconselhável em termos de saúde é amamentar em exclusivo os bebés até aos seis meses e, em Portugal, a licença de maternidade paga a 100% não vai além dos quatro meses. Os comentários nas redes sociais também eram previsíveis, “‘o nosso país não vai para a frente’”. Blá, blá, blá.
Carina Pereira pensou, sozinha, que “se nós só reclamarmos é que não acontece nada”. Não fazia ideia de como se fazia uma petição popular, mas foi descobrir. Lançou-a online. Mais de 30 mil assinaturas depois (para ser debatida no Parlamento bastariam quatro mil), Carina, o marido e os dois filhos pequenos vêm de carro do Porto para verem, esta sexta-feira, os deputados da nação discutirem a petição “da mamã”.
A Organização Mundial da Saúde preconiza que, até aos seis meses, o bebé deve tomar apenas leite materno e mais nenhum outro alimento complementar ou bebida. Segundo a organização, o leite materno traz várias vantagens — promove o desenvolvimento sensorial e cognitivo, protege a criança de doenças crónicas e infecciosas, reduz tanto a mortalidade infantil como as doenças comuns da infância, como a diarreia ou a pneumonia, e ajuda na recuperação rápida das doenças.
Carina Pereira, que é subdirectora de uma escola de línguas no Porto, conseguiu, apesar de tudo, amamentar até aos seis meses. Quando foi mãe do Miguel, há três anos, para conseguir amamentar até ao meio ano, meteu cinco meses de licença e mais 15 dias de licença sem vencimento, que juntou às férias. Para o Rodrigo, que tem agora um ano, meteu os cinco meses e alargou um mês a 25%.
Decisão de impulso
A ideia da petição resultou “de frustração”, das dificuldades que sentia à sua volta em cumprir a recomendação, do esforço que foi conseguir fazê-lo no seu caso. A licença de maternidade em Portugal é de quatro meses (remunerada a 100%), e pode ser alargada para cinco meses, mas a mulher perde cerca de 20% da sua remuneração. Existe a possibilidade legal de a estender por mais três meses, mas apenas a receber 25% do salário, explica, “o que é complicadíssimo para a maioria das famílias”.
Até então, a participação política de Carina Pereira, de 35 anos, reduzia-se a ir votar, mas sempre com aquele sentimento de que não mudava muito com esse acto. Acompanhava a actualidade política sempre que conseguia, porque tem que intercalar tudo com mudas de fraldas, banhos, jantares. Nunca foi filiada num partido. “Lançar a petição foi uma decisão de impulso.” Sabia que qualquer cidadão pode apresentar uma petição à Assembleia da República.
Quando iniciou a petição, desconhecia que às quatro mil assinaturas podia conseguir que ela fosse discutida no Parlamento. E depois “começaram a chover assinaturas. Três dias depois tinha 5500”. Nessa altura, já sabia que tinha ultrapassado o patamar que lhe permitira apresentá-la na Assembleia da República, mas tinha de cumprir todos os trâmites, as identificações dos signatários. Teve medo de errar. “Não podia falhar, houve muitas partilhas, senti o peso da responsabilidade. 'Tenho de fazer isto bem'.”
Quando a submeteu ao Parlamento tinha umas seis mil assinaturas. Ficou muito aliviada quando, por e-mail, a informaram de que tinha sido aceite; mais tarde disseram-lhe que, como peticionária, iria ser recebida na Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social. Já tinha ido ao Parlamento numa visita de estudo quando era estudante do ensino secundário, mas apenas ao plenário.
Só conhecia as comissões parlamentares da televisão. No início não sabia se ia fazer perguntas, se lhe iam fazer perguntas a ela. O que sabia é que talvez o seu testemunho, que não vai além “da perspectiva de uma mãe”, não bastava, sabia que “indo com informação técnica teria outro peso”. Organizou-se, meteu um dia de férias, veio do Porto de comboio e, em Lisboa, encontrou-se com a pediatra, a enfermeira e a representante da Rede Internacional Pró-alimentação Infantil (IBFAN), a quem pediu que a acompanhassem para fornecer aos deputados o sustento teórico.
“E fui com algumas mães para darem o testemunho do que foi o seu regresso ao trabalho.” Carina nota que a alternativa que muitas mulheres que querem continuar a amamentar têm é usar uma bomba para tirar o leite e depois congelá-lo para o dar ao bebé por biberão. “Usar uma bomba não é agradável e é terrível ter de o fazer numa casa de banho do local de trabalho.” E esta é apenas uma solução para quem a pode comprar, “não é barata”.
Uma coisa que preocupa as pessoas
A petição n.º 9/XIII/1 lançou um amplo debate e Carina soube que o Bloco de Esquerda, o PCP e o PAN (Pessoas-Animais-Natureza) apresentaram propostas no mesmo sentido da sua petição, o que vem provar que “não foi só uma ideia" que lhe "passou pela cabeça". "É uma coisa que preocupa as pessoas.” Além da sua petição, o Parlamento vai também debater os projectos do BE e do PAN, uma vez que o do PCP foi apresentado mais recentemente.
Nesta sexta-feira, aquilo que começou com “um impulso” vai estar a ser discutido pelos deputados na nação. “É importante, vamos todos.” Carina, o marido e os dois filhos vão todos do Porto a Lisboa na carrinha Auris cinzenta da família, numa “visita de estudo política”. Vão assistir ao debate das galerias.
Os filhos são demasiado pequenos para perceberem o que é que se está a passar — quando esteve na SIC, o filho de três anos só comentou “olha a mamã está na televisão e também estás aqui” —, mas Carina quer que estejam com ela, quer incutir-lhes a ideia de que é preciso “participar”. Tentou trocar tudo por miúdos: “Vamos a Lisboa ver os senhores deputados a trabalhar. Os senhores deputados vão estar a falar sobre uma coisa que foi a mamã que lhes disse para falarem. Não se pode falar.” “E baixinho?”, perguntou o Miguel.