Governo pede parecer jurídico sobre legitimidade de gestora da ANAC
Ministério do Planeamento quer tomar uma decisão fundamentada sobre o eventual afastamento de Lígia Fonseca, cuja nomeação tem gerado polémica. Apesar do parecer favorável, salário da vogal do supervisor da aviação não vai subir.
O Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas já pediu aos serviços jurídicos que analisem a situação laboral da administradora da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), Lígia Fonseca. O facto de continuar em regime de substituição e de ter sido chumbada pela comissão que avalia os gestores públicos, sem que tenha sido ouvida no Parlamento, como a lei obriga, tem causado polémica. E o Governo quer ter segurança na decisão que for tomada, muito provavelmente com vista ao afastamento da gestora nomeada pelo anterior executivo PSD/CDS.
O PÚBLICO apurou que a tutela de Pedro Marques já pediu esta análise internamente para perceber que legitimidade tem Lígia Fonseca para permanecer no cargo. É que a administradora encontra-se em regime de substituição desde Agosto de 2014, altura em que foi nomeada vogal do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC).
Esta entidade foi transformada no ano passado em regulador, a ANAC, mas a gestora manteve-se exactamente nas mesmas funções. Aliás, o anterior Governo nomeou um novo presidente e vice-presidente, mas nada fez em relação a este caso. Lígia Fonseca, que era até então técnica especialista no ministério de Pires de Lima, está ainda hoje como vogal, em regime de substituição, no INAC.
A nomeação de 2014 foi feita sem parecer prévio da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap), o que causou polémica, mas foi justificado pela tutela da altura com o facto de a administradora estar em substituição. Mais controverso ainda foi o facto de, aquando da escolha da nova equipa da ANAC, em Julho de 2015, o currículo da gestora ter sido avaliado mas as conclusões da Cresap nunca terem sido conhecidas, o que se manteve até esta quinta-feira.
O PÚBLICO noticiou, logo em meados de 2015, que a comissão liderada por João Bilhim tinha chumbado o nome de Lígia Fonseca para o regulador da aviação, mas o Ministério da Economia nunca o assumiu. E preferiu avançar apenas com a nomeação do presidente e do vice-presidente da ANAC. O parecer da Cresap não é vinculativo, mas o Governo de Passos Coelho sempre fez questão de seguir as suas recomendações e só não as considerou uma única vez em mais de dois anos. E foi assim que a gestora acabou por não transitar oficialmente para a administração do supervisor.
Não sendo conhecida a avaliação, apesar de ter sido remetida pela Cresap ao Ministério da Economia, nem tendo sido formalizada a nomeação, a responsável acabou por também não ser ouvida no Parlamento – um passo a que estão obrigados todos os administradores de entidades reguladoras e que foi dado, sob duras críticas, pelos outros dois membros da equipa de gestão da ANAC (Luís Ribeiro e Carlos Seruca Salgado).
Salário mais alto negado
Todo este enredo colocou Lígia Fonseca numa posição fragilizada, até pelas suas ligações ao anterior executivo PSD/CDS. O Governo quer resolver o caso, mas tem evitado pronunciar-se sobre ele publicamente. Numa entrevista recente ao Jornal de Negócios, o actual ministro do Planeamento e das Infra-estruturas, Pedro Marques, respondeu que “o assunto do regulador do sector aéreo é demasiado sério para que tome decisões de forma casuística e precipitada”.
O tema ganhou especial relevância nesta quinta-feira, já que o Jornal de Negócios e a Lusa noticiaram o conteúdo da avaliação curricular que estava em parte incerta desde Julho de 2015 e a que o PÚBLICO também teve acesso. A Cresap emitiu um parecer com reservas a Lígia Fonseca, chumbando a sua nomeação para a ANAC, por considerar que é uma pessoa “sem competências de gestão”, com “problemas de independência”, “baixo nível de estabilidade” e “total desconhecimento” de regulação económica.
Não se sabe ainda, porém, como irá o actual Governo desatar este nó. E já há outro a surgir no horizonte: é que esta administradora, por ainda ser vogal do INAC, não teve direito a ver o seu salário definido pela comissão de vencimentos que passou a existir em cada regulador. E, por isso, ao contrário do presidente e do vice-presidente, continua a receber uma remuneração correspondente a um cargo de direcção num instituto público. A diferença é grande: o presidente ganha 16 mil euros por mês e o vice-presidente recebe mais de 14 mil; Lígia Fonseca tem um vencimento que ronda os cinco mil euros.
Face a este desequilíbrio, a vogal pediu um parecer jurídico aos serviços do regulador para ver a sua remuneração harmonizada com a dos seus pares. O PÚBLICO soube agora que a avaliação lhe foi favorável, mas que não terá direito a esse aumento, visto que o parecer não teve despacho a nível superior.
Ao mesmo tempo, assiste-se a algum desconforto dentro da ANAC sobre esta situação, até porque Lígia Fonseca já não tem estado envolvida em dossiers mais sensíveis. A decisão que bloqueou a gestão da TAP por desconformidades com a regulamentação europeia, por exemplo, já não contou com a sua assinatura.