Referendo holandês anima antieuropeístas a dois meses do Brexit
Mais do que o acordo UE-Ucrânia, o que está em causa é o "descontentamento" de parte do eleitorado com Bruxelas.
Um referendo não vinculativo que contou com a participação de um terço dos eleitores acabou por se transformar na mais recente bandeira dos movimentos que olham de lado para a União Europeia. A meio da semana, os holandeses disseram ao seu Governo que não aprovam o acordo de associação com a Ucrânia e atiraram mais um problema para cima da mesa europeia.
Em reacção ao resultado do referendo, o político xenófobo Geert Wilders disse que o "não" holandês marca "o início do fim da União Europeia" e o populista britânico Nigel Farage foi menos catastrofista mas mais expressivo: "Hooray!"
Dutch exit polls seem to indicate big No to EU vote. Hooray!
— Nigel Farage (@Nigel_Farage) April 6, 2016
It looks like the Dutch people said NO to the European elite and NO to the treaty with the Ukraine. The beginning of the end of the EU.
— Geert Wilders (@geertwilderspvv) April 6, 2016
Em causa está o acordo de associação entre a União Europeia (UE) e a Ucrânia, que foi assinado em 2014 e posto em prática de forma provisória em Janeiro deste ano.
Em poucos meses, 27 dos 28 países da UE aprovaram e ratificaram o documento, cuja ideia principal é a de abrir as portas europeias ao comércio ucraniano em troca de profundas reformas políticas, anticorrupção e de controlo de qualidade de produtos e serviços – em Portugal, o acordo foi aprovado e ratificado entre Março e Abril de 2015.
Faltava apenas a Holanda, onde o processo foi travado em Outubro do ano passado, já depois de o Parlamento e o rei terem aprovado e promulgado o acordo com a Ucrânia. Mas a ratificação – um passo essencial para a entrada em vigor do acordo – acabou por ser adiada porque um grupo de cidadãos conseguiu recolher mais de 300 mil assinaturas para convocar um referendo.
Essa consulta popular aconteceu quarta-feira, e por pouco não foi declarada inválida. Para que os resultados fossem reconhecidos, pelo menos 30% dos eleitores teriam de votar, e foi isso mesmo que aconteceu – de acordo com os resultados finais, dos 32,2% dos holandeses que votaram, 61,59% disseram "não" ao acordo com a Ucrânia e 38,41% disseram "sim". Pondo estas percentagens em perspectiva, votaram pouco mais de quatro milhões de eleitores num universo de quase 13 milhões – e o "não" foi dito por dois milhões e meio.
O resultado foi um duro golpe para o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, que fez campanha pelo "sim", e foi também mais uma machadada na coesão europeia, num momento de profundas divisões sobre a questão dos refugiados, a crise monetária e financeira e a proximidade do referendo no Reino Unido, em que os britânicos vão dizer se querem permanecer na UE ou se preferem sair do grupo.
Apesar de não estar obrigado a recuar na sua decisão, o chefe do Governo já disse que vai levar em conta o rotundo "não" do referendo. O cenário mais provável é que a Holanda tente negociar alterações pontuais ao acordo, mas essa estratégia – que pode demorar "dias ou semanas", segundo o próprio primeiro-ministro – tem potencial para agravar ainda mais o cenário, principalmente do ponto de vista da Ucrânia, que precisa de começar a ver resultados palpáveis desta aproximação à UE: uma nova formulação do acordo pode levar outros países a terem de reiniciar todo o processo, e não é certo que os antieuropeístas se satisfaçam com quaisquer alterações.
"O referendo era sobre a Ucrânia – mas os defensores do 'não' nunca se preocuparam com os meandros do acordo comercial. O principal impulsionador [do referendo] gabou-se de que nem sequer leu o acordo de associação", frisou a correspondente da BBC em Haia, Anna Holligan. Mais do que uma consulta sobre a Ucrânia, "este exercício de democracia directa foi apresentado como uma oportunidade para o eleitorado expressar o seu descontentamento com o que muitos consideram ser um indesejável expansionismo e uma falta de responsabilidade democrática no interior da UE."
Num artigo publicado no jornal britânico The Guardian, o jornalista e escritor holandês Joris Luyendijk sublinha que este "não" foi dito por uma minoria, mas não há forma de negar que "é um problema para a Europa" – algo que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, também já tinha dito várias vezes quando foi posto perante a possibilidade da vitória do "não".
"É revelador que ninguém na Holanda tenha dito que o resultado do referendo é uma chamada de atenção para os líderes da UE ou para os partidos pró-europeístas. Se eles não ficaram atentos depois da crise financeira e do desastre dos refugiados, então é porque devem estar em coma", escreveu Joris Luyendijk. Apesar de descrever os organizadores do referendo como "um grupo heterogéneo constituído por pessoas com necessidade de atenção", Luyendijk termina o artigo com uma pergunta que terá uma resposta mais clara no dia 23 de Junho, quando os britânicos votarem no seu referendo: "De que forma se pode defender uma organização que nos últimos anos provou não ser capaz de controlar nem as suas fronteiras nem o seu sistema monetário?"