Trump, o candidato "pró-vida", foi atacado por grupos antiaborto
O candidato do Partido Republicano defendeu que as mulheres devem ser punidas com prisão ou multa, se o aborto voltar a ser proibido nos EUA, mas viu-se obrigado a recuar devido a uma intensa pressão de todos os lados.
O magnata Donald Trump, auto-ordenado cavaleiro contra os moinhos do politicamente correcto, viu-se esta semana na posição rara e pouco confortável de se desdizer. Depois de ter defendido que as mulheres deviam ser condenadas a penas de prisão ou ao pagamento de multas, se o aborto voltar a ser proibido nos EUA, o candidato que lidera a corrida à nomeação pelo Partido Republicano foi alvo de ataques de todos os lados – do Partido Democrata e do partido pelo qual concorre à oportunidade de entrar na Casa Branca, mas também de organizações a favor e contra o aborto.
Apesar de continuar à frente na odisseia que é a nomeação de um candidato às eleições presidenciais nos EUA, Donald Trump é neste momento um homem acossado. Como se não bastassem os ataques esperados dos seus adversários na corrida pela nomeação, e as naturais investidas dos seus opositores no Partido Democrata, o homem que promete construir um muro na fronteira com o México é um alvo a abater pela linha mais tradicional do Partido Republicano – o chamado "establishment", contra o qual Trump apontou baterias assim que anunciou a sua candidatura, em Junho do ano passado.
A pressão no topo da hierarquia do Partido Republicano para que Donald Trump não seja o seu representante na corrida à Casa Branca tem aumentado de dia para dia e começa a ser quase tão intensa como as juras de amor eterno dos seus apoiantes, muitos deles eleitores que não olham para o magnata do imobiliário apenas como o candidato ideal do Partido Republicano, mas como o candidato ideal, ponto final. Seja do Partido Republicano, do Partido Democrata, do Partido Libertário, do Partido Donald Trump ou de partido nenhum.
As movimentações no interior do Partido Republicano para impedir a nomeação de Donald Trump tornaram-se públicas no início de Março, quando o adversário de Barack Obama nas eleições presidenciais de 2012, Mitt Romney, convocou um minicomício para acusar o magnata de ser uma "fraude" e de tratar o povo americano como se fosse "parvo". Para o establishment do Partido Republicano, Donald Trump não é um verdadeiro conservador, mas sim alguém que tem dividido o partido e o país com propostas e declarações públicas associadas "ao racismo, à misoginia, à intolerância, à xenofobia, à vulgaridade e, mais recentemente, a ameaças e violência", como escreveu Mitt Romney na sua página no Facebook.
No Partido Republicano já ninguém apoia ninguém
Ao contrário do que aconteceu até Fevereiro, Donald Trump tem passado as últimas semanas mais na defensiva, e essa mudança percebe-se nas respostas dos seus adversários nas primárias, Ted Cruz e John Kasich, mas também nos títulos dos jornais e nas entrevistas nas televisões – quase nada do que Trump diz passa em branco, e o candidato é cada vez mais pressionado a explicar em pormenor cada uma das suas polémicas propostas.
Na quarta-feira, durante um debate público no estado do Wisconsin, o moderador Chris Matthews (um apresentador com uma velha ligação ao Partido Democrata, mas que é considerado um dos mais conservadores da liberal MSNBC) não deu um momento de descanso a Donald Trump, principalmente quando o candidato começou a hesitar em resposta a uma pergunta sobre o aborto.
"Qual é o crime que está em causa? A mulher deve ser punida por fazer um aborto?", perguntou o moderador. Ainda Donald Trump não tinha começado a responder e já Chris Matthews deixava o aviso: "Isto não é um tema de que você possa esquivar-se. Se diz que o aborto é um crime, ou que o aborto é homicídio, tem de ser tratado na Justiça. O aborto deve ser punido?"
"Bem, há pessoas em alguns sectores do Partido Republicano, e republicanos conservadores, que diriam que sim", começou por dizer Trump. A pergunta que se seguiu era óbvia: "E qual é a sua opinião?" Depois de uma intensa troca de palavras, com muitas hesitações e tentativas de confrontar o moderador com as suas próprias convicções enquanto católico, o candidato acabou por dar uma resposta taxativa à pergunta "Como candidato a Presidente dos Estados Unidos, acredita que o aborto deve ser punido? Sim ou não?"
"A resposta é que tem de haver algum tipo de castigo", disse Donald Trump, confirmando depois que estava a referir-se às mulheres, e não apenas a quem ajudasse uma mulher a interromper a gravidez.
Apesar de muitos estados terem leis que dificultam o acesso à interrupção da gravidez, o aborto deixou de ser uma prática proibida nos EUA depois de uma decisão do Supremo Tribunal em 1973, e a generalidade dos movimentos que actualmente contestam essa decisão não defendem a aplicação de penas às mulheres.
Já se esperava que os candidatos do Partido Democrata, Hillary Clinton e Bernie Sanders, e os grupos que defendem a direito à escolha na questão do aborto tivessem reacções negativas, mas Donald Trump viu-se também atacado por uma das organizações antiaborto mais influentes nos EUA, a Susan B. Anthony List.
"Nunca defendemos, em nenhum contexto, a aplicação de penas a mulheres que passam por um aborto. Como um convertido ao movimento pró-vida, o sr. Trump vê o horror da realidade do aborto – a destruição de uma vida humana inocente –, que é legal no nosso país até ao momento do nascimento. Mas sejamos claros: o castigo é reservado apenas a quem realiza o aborto, que lucra com a destruição de uma vida e com as feridas profundas infligidas a outra", escreveu num comunicado a presidente da organização, Marjorie Dannenfelser.
Horas mais tarde, Donald Trump publicava também um comunicado, a revogar a resposta taxativa que tinha dado no debate no Wisconsin. Se o aborto voltar um dia a ser proibido nos EUA, o candidato defende, afinal, que "o médico ou qualquer outra pessoa que realize esse acto ilegal seria legalmente responsável, não a mulher". "A mulher é uma vítima neste caso, tal como a vida que transporta no útero."