Será o BES "mau" a suportar a solução para os lesados do papel comercial
Memorando assinado nesta quarta-feira prevê solução até Maio, mas não existem garantias de recuperação da totalidade dos 500 milhões investidos pelos clientes.
Os lesados do BES conhecerão, até ao início de Maio, uma solução que deverá minorar as perdas que sofreram com os investimentos em papel comercial do Grupo Espírito Santo. A proposta será suportada financeiramente pelo BES “mau” e não existem garantias de recuperação da totalidade dos 500 milhões de euros aplicados.
De adesão “voluntária”, o memorando assinado na tarde de quarta-feira, no âmbito do qual será delineada a solução, não vincula o Novo Banco (NB), que resultou da intervenção do BES e que está em processo de venda. A não inclusão do NB - exigida pelo Banco de Portugal ao longo dos últimos meses - deixa no BES “mau” a responsabilidade de suportar financeiramente a solução, cujos contornos começarão agora a ganhar forma.
“O procedimento de diálogo e as eventuais soluções que nele venham a ser encontradas respeitarão o processo de resolução do BES e os termos e limites da mesma resolução, tal como expressos e definidos nas decisões tomadas pelo Banco de Portugal enquanto autoridade de resolução”, refere um dos pontos do memorando.
O memorando de entendimento foi assinado pelo primeiro-ministro, António Costa, Carlos Tavares, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, Luís Máximo dos Santos, representante do BES e representantes da Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial.
Por enquanto, não se conhece que meios podem ser disponibilizados pela instituição, mas a pressa em encontrar uma solução até Maio estará relacionada com a revogação da autorização do BES como instituição financeira.
O documento refere que o Banco de Portugal informou que “deverá remeter a breve prazo ao BCE [por exigência deste] o dossier para efeitos de revogação da autorização do BES como instituição de crédito com vista à sua subsequente liquidação”.
Em causa estão mais de dois mil clientes do BES, que reclamam cerca de 500 milhões de euros. Estes investidores compraram nos balcões do banco papel comercial da Rio Forte e da Espírito Santo Internacional, empresas do Grupo Espírito Santo que entraram em insolvência deixando os clientes do BES sem o dinheiro que investiram.
Abrangidos pela solução estarão apenas “os investidores não qualificados”, critério para o qual conta o perfil do investidor (se tem conhecimentos que possam permitir avaliar o risco do produto) e o montante aplicado. Possivelmente por este motivo, o memorando prevê a adopção de eventuais procedimentos de conciliação e/ou arbitragem.
A solução deverá permitir a recuperação de apenas uma parte das poupanças, já que o próprio memorando fala “em eventuais soluções que possam minorar as perdas dos investidores", não existindo qualquer referência ao ressarcimento integral do dinheiro aplicado. Tem sido admitido, mas sem confirmação oficial, que os investidores com menos capital aplicado poderão ser compensados em percentagem superior aos que investiram mais.
"O Governo apoia o esforço comum de procura de soluções para minorar as perdas dos investidores e acompanhará, como promotor, observador e facilitador do diálogo, este procedimento, promovendo o esforço comum para a procura de soluções consensuais até ao início do próximo mês de Maio", refere um comunicado de imprensa disponibilizado aos jornalistas uns minutos antes da assinatura do memorando, que decorreu na residência oficial do primeiro-ministro, em Lisboa.
Depois da cerimónia, apenas falaram o primeiro-ministro e o presidente da associação que representa os lesados, Ricardo Ângelo. António Costa, que teve um papel determinante no diálogo que permitiu a assinatura do memorando, destacou a sua importância para a confiança no sistema financeiro nacional.
“O Governo não se propõe resolver litígios, nem dizer quem tem razão, se alguém direito ou se alguém tem responsabilidades a assumir. Ao Governo competiu única e exclusivamente aquilo que lhe cabe, não fechar os olhos a um conflito e oferecer-se como observador e facilitador para que as partes, através de um diálogo activo, possam encontrar um rumo e uma solução que permita minorar as perdas que os lesados não qualificados do papel comercial do BES sofreram” acrescentou o primeiro-ministro.
Antes, já Ricardo Ângelo, presidente da associação dos lesados, se tinha mostrado confiante de que o memorando será “o princípio de um bom fim”. “É chegada a hora de pôr termo a este drama que levou a suicídios, divórcios, mortes precoces e falência de empresas”, referiu.
António Costa teve um papel determinante neste processo ao pressionar, em Fevereiro passado, o Banco de Portugal a sentar-se à mesa das negociações. Carlos Costa, governador do banco central, que inicialmente garantiu o reembolso do papel comercial por parte do NB, remeteu depois a questão para a CMVM, por se tratar de um produto financeiro supervisionado por esta entidade.
A CMVM sempre defendeu que deveria ser encontrada uma solução que permitisse pelo menos a recuperação de uma parte das poupanças, reconhecendo que o BES não cumpriu os deveres de informação na colocação do papel comercial. Muitos dos clientes alegam que desconheciam as características do produto ou que lhes tinha sido assegurado que tinha garantia do BES.
Emigrantes recuperaram parte das poupanças
Para já não se sabe que solução poderá ser desenhada para os lesados do BES. Há apenas o exemplo dos emigrantes que subscreveram três produtos financeiros do BES, a quem foi apresentada uma proposta que foi aceite por 80% dos clientes. Com base nessa proposta, uma parte dos cerca de sete mil subscritores dos veículos Poupança Plus, Top Renda e Euro Aforro, num total de 750 milhões de euros, já está a recuperar, ou em vias de recuperar, uma parte das suas poupanças.
A solução permite a recuperação da quase totalidade do dinheiro investido mas a longo de vários anos (pelo menos seis), dependendo ainda de um conjunto de condições, incluindo a evolução de mercado de algumas obrigações.
Os emigrantes que não aderiram à solução comercial apresentada pelo Novo Banco continuam a reclamar a devolução das suas poupanças, nomeadamente pela via judicial. Muitos desses emigrantes estão agregados na Associação Movimento dos Emigrantes Lesados Portugueses (AMELP), que ameaça voltar às manifestações de rua, em Paris.