António Vitorino: “O único recurso é a prevenção”
“Muita coisa foi feita sem que déssemos por isso”, incluindo a prevenção de muitos atentados na fase de preparação.
Muita gente fala da falta de preparação europeia para enfrentar a ameaça terrorista, que é comum a toda a Europa, e da falta de cooperação entre os serviços secretos europeus. António Vitorino, que era Comissário europeu para a Justiça e Assuntos Internos quando do 11 de Setembro, não faz um juízo tão negativo. “Há, desde o 11 de Setembro, uma mudança dos alvos escolhidos pelos terrorista islâmicos, que tornam o combate muito mais difícil”. “Basta olhar para os alvos de Bruxelas, uma estação de metro e um aeroporto atingido na zonas que se situam antes do controlo de segurança, para perceber que as sociedades europeias não podem evitar que aconteçam, a não ser prevenindo-os. Não se pode colocar um portal de segurança em cada entrada do metro de Londres pelo qual circulam milhões de pessoas por dia, sob pena de paralisá-lo”, diz o antigo Comissário, hoje presidente da Fundação Notre Europe. Do mesmo modo, não é possível garantir a segurança de uma esplanada de Paris.
Vitorino lembra duas coisas importantes. Primeira, que todos os atentados na Europa, mesmo os que foram atribuídos à Al Qaeda, já visavam este tipo de alvos que é impossível controlar. Em Londres, em 2005, foi o metro e um autocarro. Em Madrid (2004) os alvos foram uma estação de comboios e os próprios comboios suburbanos. Segunda, em quase todos eles (ao contrário do 11 de Setembro) os ataques foram perpetrados por jovens de origem muçulmana mas todos britânicos ou belgas, como agora em Bruxelas. É por isso que “a prevenção é o único recurso”, diz Vitorino.
Quanto à eficácia, o antigo comissário faz uma simples pergunta: “Quantos anos passaram desde 2005 em Londres até 2015 em Paris?” Dez anos durante os quais a prevenção europeia foi eficaz. “Muita coisa foi feita sem que déssemos por isso”, incluindo a prevenção de muitos atentados na fase de preparação. Mas subsistem falhas e problemas, como também admite e como se provou, por exemplo, na falha da troca de informações entre os serviços secretos franceses e os belgas, quando do atentado de 13 de Novembro em Paris. “Há serviços melhores e outros piores” mas a cooperação “é o único caminho possível”.
Vitorino também reconhece que a Europa se foi distraindo do problema. Por exemplo, a figura do “czar antiterrorista”, criada ainda no seu tempo para garantir melhor coordenação entre os vários países, na prática deixou de existir. O “czar” mantém-se mas os Governos europeus esqueceram-se de lhe dar os meios necessários para que a sua função realmente existisse. Em contrapartida, os atentados de 13 de Novembro em Paris já levaram à constituição de um “centro de combate ao terrorismo” no seio da Europol. O segundo problema é, por vezes, a legislação limitativa da capacidade de prevenção que os Governos não querem adoptar. Vitorino dá o caso português como exemplo. O Governo de Passos Coelho e o PS entenderam-se sobre uma alteração da lei que impede as escutas em caso de suspeita de actividades terroristas pelas forças de segurança. O Tribunal Constitucional chumbou-a.
O risco maior, diz o antigo comissário, são os danos que este tipo de terrorismo doméstico, que o Estado Islâmico recruta e apoia, podem causar nas comunidades muçulmanas nas grandes cidades europeias. É esse o objectivo declarado do Estado islâmico: alimentar uma “guerra civil” a partir dessas comunidades. É isso que a Europa tem de saber combater, através da integração. Finalmente, é preciso combater a mistura perigosa entre refugiados e terroristas, explicando às pessoas que os refugiados são sírios ou iraquianos que fogem da guerra e do mesmo Estado Islâmico, e os terroristas de Paris e de Bruxelas são belgas, “nascidos e criados na Bélgica”.