TAP impedida de gastar mais de um milhão de euros sem aval do regulador
De entre os bloqueios impostos pela ANAC também está a proibição de fazer aumentos salariais e alterações aos contratos de trabalho.
A TAP foi impedida pela Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) de fazer despesas acima de um milhão de euros e de aumentar salários, enquanto se mantiverem os bloqueios à gestão impostos pelo regulador. Para tomar alguma destas iniciativas, a transportadora aérea tem sempre de pedir autorização ao supervisor do sector. Estas limitações só serão levantadas quando a empresa comprovar que a sua estrutura accionista e de controlo respeita as regras comunitárias.
O PÚBLICO apurou que, na deliberação tomada pela ANAC em meados de Fevereiro, que não foi divulgada publicamente, constam cerca de duas dezenas de alíneas que descrevem todos os bloqueios à gestão, que o regulador impôs por um período de três meses. De entre eles está a obrigatoriedade de pedir o aval do supervisor em todos os compromissos e contratos num valor que supere um milhão de euros. Esta restrição não incluirá encargos correntes, como o combustível ou o processamento de salários, estando abrangidas, porém, novos compromissos que o grupo queira assumir.
Além deste impedimento, a deliberação proíbe ainda que a companhia de aviação faça aumentos salariais ou revisões das regalias e benefícios atribuídos aos trabalhadores. Estão também vedadas quaisquer alterações aos contratos de trabalho. Cada decisão que a TAP pretende tomar tem vindo a ser analisada, caso a caso, pela ANAC, como aconteceu com o empréstimo obrigacionista de 120 milhões, que o regulador liderado por Luís Ribeiro autorizou e que foi aprovado em assembleia geral da empresa na semana passada. De igual modo o lançamento de novas rotas, como as anunciadas nos Estados Unidos em Fevereiro, teve de ser sujeita a um aval. Ao que o PÚBLICO apurou, não houve ainda aumentos de custos com os funcionários que tenham obrigado a pedir luz verde.
Estes bloqueios foram impostos a 19 de Fevereiro, dia em que o supervisor da aviação anunciou que iria impor “medidas cautelares e temporárias” à gestão da TAP e da PGA, a companhia de aviação regional que faz parte do mesmo grupo. Estas restrições, explicava a ANAC, pretendiam “assegurar que, até que seja proferida decisão final” sobre a venda da transportadora aérea, “não se materialize uma situação de facto consumada contrária” às leis europeias. Questionado pelo PÚBLICO sobre o conteúdo da deliberação, o regulador não respondeu.
À espera do acordo
A legislação comunitária (Regulamento 1008/2008) impede que as companhias de aviação sejam controladas por investidores de fora da Europa e o regulador entende que existem “fundados indícios de desconformidade de controlo societário e financiamento” com essas regras. O consórcio Atlantic Gateway, que venceu a privatização da TAP e que é actualmente dono de 61% da empresa, é detido maioritariamente pelo empresário português Humberto Pedrosa, mas o sócio norte-americano, David Neeleman, tem acções especiais que lhe dão mais direitos económicos. Além disso, pela sua experiência no sector, é considerado o verdadeiro estratego da gestão e o empréstimo obrigacionista de 120 milhões será suportado em pelo menos 90 milhões pela Azul, uma companhia de aviação brasileira que Neeleman fundou.
Mas este modelo de privatização deverá ser em breve ultrapassado pelo novo acordo celebrado entre a Atlantic Gateway e o actual Governo, que fará com que o Estado passe de uma participação de 34% para 50% (excluindo já a tranche de 5% destinada aos trabalhadores). No entanto, esta alteração, que está ainda a ser materializada num acordo definitivo, não afastará necessariamente todas as dúvidas da ANAC, até porque os privados aumentam os direitos económicos e ficam totalmente no controlo da gestão. Há ainda outra variável que importa clarificar: quando e de que forma entrará o grupo chinês HNA, dono de 24% da Azul, no capital da TAP – mesmo que de forma indirecta.
ANAC esteve na TAP antes de tomar a decisão
Poucas horas antes de divulgar a decisão que veio bloquear a gestão da TAP, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) enviou elementos da sua equipa às instalações da transportadora aérea. O PÚBLICO pediu esclarecimentos, nas últimas semanas, ao regulador sobre o objectivo desta visita, mas nunca recebeu uma resposta clara. Questionada sobre se fez alguma acção de inspecção na companhia nesse dia, 19 de Fevereiro, fonte oficial não desmentiu. “A ANAC no âmbito das suas competências, e para prossecução da sua missão, realiza com frequência acções inspectivas e auditorias de natureza técnica nas instalações das entidades por si reguladas”, respondeu.
Já a TAP negou que tal inspecção tivesse ocorrido. Porém, é certo que a visita existiu e que os elementos do regulador se dirigiram ao presidente da transportadora aérea, Fernando Pinto, convocando-o para uma reunião ainda nesse dia. Mas não está clarificado se, com esta iniciativa, o regulador pretendia apenas fazer uma convocatória formal para notificar o responsável máximo da decisão que tomaria horas depois. Ou se a visita teve outro propósito: o de obrigar a companhia de aviação a entregar documentos em falta, nomeadamente actas de reuniões do conselho.O PÚBLICO voltou ontem a questionar a ANAC sobre o motivo desta visita, mas não obteve resposta.