Com OE 2016 aprovado, a esquerda já sonha com o próximo Orçamento

No segundo dia de debate foi Passos Coelho o alvo preferido das bancadas da esquerda. Pela primeira vez na democracia portuguesa, um OE foi aprovado com os votos favoráveis do PCP, BE e PEV.

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António Costa e Catarina Martins selaram a aprovação do orçamento com um aperto de mão Nuno Ferreira Santos
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Sorrisos na bancada do Governo Nuno Ferreira Santos
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A aprovação do Orçamento Nuno Ferreira Santos
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Passos Coelho Nuno Ferreira Santos
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Assunção Cristas Nuno Ferreira Santos

De sorrisos rasgados e com um vigoroso aperto de mão, a bloquista Catarina Martins e o primeiro-ministro, António Costa, selaram a aprovação, na generalidade, do Orçamento de Estado (OE) para 2016 como se tratasse de uma prova superada. Foi um momento de satisfação pública ainda dentro do hemiciclo – que não foi partilhado pelo líder do PCP – ao fim de longas horas de debate. No segundo dia de discussão, o BE lançou as bases para as negociações do próximo Orçamento. E o Governo também deu sinais de que irá corresponder. As bancadas da esquerda gastaram boa parte do seu discurso a atacar o PSD e o CDS. Passos Coelho ironizou e assumiu-se como o “elemento de união” da maioria.

Ainda a proposta de OE para 2016 não tinha sido aprovada na generalidade já o bloquista José Manuel Pureza anunciava que o partido iria “desde já” iniciar a “preparação do próximo Orçamento” em conjunto com o PS e com o Governo. E lançou o caderno de encargos para as negociações: “Um plano contra a precariedade”, o estudo da questão “das pensões não contributivas”, a análise da “sustentabilidade da dívida externa”, a prossecução do objectivo de reduzir os custos energéticos, maior tributação para “combater a especulação imobiliária”, e a procura de novas soluções a nível fiscal. 

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Seria pela voz do ministro do Trabalho e Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva, que os deputados ficariam a saber que o Governo tem a intenção de propor, no Orçamento para 2017, a prestação única de combate à pobreza nas pessoas com deficiência. A comunista Diana Ferreira quis saber como será a concretização dessa medida, mas o ministro disse contar com o “esforço das bancadas” para encontrar um modelo que seja “sustentável”, tendo em conta que envolve um “direito ao trabalho” e um “direito à prestação”.

A aproximação ao Governo das bancadas à esquerda do PS foi visível, apesar de reparos sobre “as limitações e insuficiências” da actual proposta orçamental que passou com os votos contra do PSD e CDS e a abstenção do PAN. Mesmo com propostas da esquerda como a nacionalização do Novo Banco ou a renegociação da dívida, o PS – pela voz do líder parlamentar – disse não se sentir “pressionado”. Mais do que isso, o primeiro-ministro quis mostrar satisfação por ter ultrapassado esta etapa.

No final da sessão plenária, em declarações aos jornalistas - iniciativa que nunca foi tomada pelo anterior primeiro-ministro –, António Costa admitiu as dificuldades do OE, mas deixou uma mensagem de resistência: “Construir maiorias era difícil, aprovar o Orçamento em Bruxelas era difícil. Sim é difícil, mas nós somos capazes”. Esse foi precisamente o teste que Passos Coelho lançou, no encerramento do debate. “A maioria socialista, bloquista, comunista e verde que suporta o Governo é populista, retrógrada e irrealista. Isso está bem reflectido neste orçamento provisório. Sendo um repositório de intenções, veremos quanto tempo resistirá à realidade e se a própria maioria acredita nele. Esperamos que, desta vez, o custo da diferença seja mais acessível aos portugueses”, afirmou.

A declaração rematou o discurso e o líder do PSD não especificou quais os “custos”, se são medidas de austeridade ou até mesmo um novo resgate. O tom de desconfiança também foi lançado pela deputada e candidata a líder Assunção Cristas. “Se alguma coisa correr mal, então eu só peço aos quatro pais [PS, BE, PCP e PEV] deste orçamento que assumam as suas responsabilidades”, afirmou a candidata que substituiu Paulo Portas no encerramento do debate.

Só nessa fase final Passos Coelho assumiu a sua defesa contra as acusações que ouviu durante dois dias, por parte do primeiro-ministro e de outros socialistas, de que terá influenciado as instâncias europeias para chumbarem o OE português. “Julga que acusando, insinuando, denegrindo o seu antecessor, resolve o seu problema de poder ser visto como quem usurpa o que não conseguiu conquistar por direito próprio e de poder afinal ter ficado apenas com uma réplica da verdadeira fonte de autoridade que precisa de destruir e aniquilar para que a falsificação não seja notada”, afirmou. Passos Coelho fez ainda notar, com ironia, a sua condição de líder da oposição e de ao mesmo tempo ser “involuntariamente” um “factor de estabilidade para o Governo de Portugal”. A cada debate, prosseguiu, está a transformar-se “no principal elemento de agregação e união da curiosa diversidade partidária da maioria que o sustenta”.

O tiro de partida nas críticas ao anterior Governo foi dado, logo de manhã, pelo ministro das Finanças, Mário Centeno: “As acções e omissões do anterior Governo farão com que Portugal não possa sair do procedimento por défice excessivo em 2015. Nas bancadas à esquerda do PS, a deputada do PEV Heloísa Apolónia tentou imaginar um Orçamento PSD/CDS para 2016”.  “Continuaria a sobretaxa de IRS, os cortes salariais, os cortes nos apoios sociais, mais o corte de 600 milhões na Segurança Social, continuaria o mesmo peso estrangulador”, disse, sublinhando o contraste com a actual proposta até para perceber do que “nos livrámos”. O exercício seria experimentado ao longo do debate. O comunista Francisco Lopes disse que PSD e CDS se preparavam para “fazer do OE 2016 mais uma operação de agravamento da exploração e do empobrecimento do país” e acusou-os de “fugirem durante todo o debate a assumir a responsabilidade pelo estado a que conduziram” Portugal.

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Entre os socialistas, o discurso foi repetido. “Não têm nada para propor? No fundo têm, mas não o podem confessar – têm mais propostas de austeridade, mais e mais austeridade, como tinham prometido a Bruxelas para este ano de 2016”, disse o líder da bancada do PS, Carlos César.

Haveria de ser o ministro-adjunto, Eduardo Cabrita, que no encerramento, ao resumir o orçamento em dez compromissos, abarcou também todas as críticas à direita. A descrição de cada uma das dez premissas foi estruturada numa dicotomia entre o que este Governo PS propõe e o que a direita fez nos últimos quatro anos e se propunha fazer se estivesse neste momento no poder – “a alternativa seria um orçamento igual aos últimos, igual ao prometido no Programa de Estabilidade da direita”.

O governante haveria ainda de retomar a ideia do “tempo novo” que António Costa usou na sua mensagem de Natal e olhar já para mais longe no calendário: a “aprovação deste OE hoje, na generalidade, e daqui a um mês na votação final global, (…) permitirá estarmos aqui em Outubro a apresentar um orçamento para 2017 ainda melhor”.

Mas até lá o caminho pode ainda ser longo. A oposição quis saber quais as medidas adicionais que o Governo pode vir a ter de aplicar, perguntando com insistência pelo “plano B” mesmo depois de a bloquista Mariana Mortágua ter assegurado que ele não existe e que a prioridade é “aprofundar” o plano A. A deputada sugeriu que o ministro das Finanças a acompanhasse nesta ideia, mas Mário Centeno apenas garantiu que não irá cortar pensões e salários. No encerramento do debate, Eduardo Cabrita pegou nas palavras de Mortágua e garantiu que para o Governo o “plano A é aprovar este orçamento e o plano B é executá-lo com rigor e determinação”.

E o que pensa Sérgio Godinho, o protagonista (ausente) do Orçamento?

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