Ajuda começa a chegar às populações cercadas da Síria
Bombardeamentos sírios e russos no Sul deixam 50 mil civis sem abrigo. Angela Merkel defende criação de zona de exclusão aérea para proteger civis.
A maioria dos cem camiões carregados com alimentos e medicamentos partiu esta quarta-feira de Damasco em direcção a várias cidades e localidades cercadas da Síria, onde as populações precisam desesperadamente de ajuda.
O enviado das Nações Unidas para a Síria, Staffan de Mistura, chegou à capital do país na segunda-feira precisamente para negociar a autorização do regime para a distribuição de ajuda, prevista no acordo assinado na sexta-feira em Munique pelos membros do Grupo Internacional de Apoio à Síria.
Mistura anunciou na terça-feira à noite que o regime autorizara a partida de ajuda para sete vilas, explicando que deveria acompanhar uma das colunas de viaturas.
A Federação Internacional da Cruz Vermelha confirmou ao início da tarde que os camiões tinham começado a deixar Damasco. Uns 40 partiram com destino à vila de Muadhamiyah, nos arredores de Damasco, controlada pela oposição e cercada pelas forças leais a Bashar al-Assad; outros 35 saíram para Madaya (onde dezenas de pessoas morreram à fome nos últimos dois meses) e Zabadani, duas vilas igualmente próximas da capital e sitiadas pelo regime. Madaya esperava ainda pelo envio de uma clínica móvel.
Mais de 30 camiões tinham viagem prevista para Fua e Kafraya, duas localidades xiitas na província de Idlib, no Noroeste do país, cercadas por grupos rebeldes.
De acordo com o Gabinete das Nações Unidas para a Ajuda Humanitária (OCHA), foi acordado ainda o envio de ajuda nos próximos dias para Kafr Batna, perto da capital, e para a cidade de Deir Ezzor (Noroeste). No caso de Deir Ezzor (em parte controlada por jihadistas, em parte sob controlo do regime), responsáveis da ONU tinham reuniões marcadas para discutir a hipótese de lançar ajuda por via aérea na cidade.
Mesmo quando se destina a zonas controladas pelos rebeldes, esta ajuda tem de atravessar territórios controlados pelo Governo e ser negociada com o Governo de Assad. A ONU estima que haja meio milhão de sírios bloqueados, mais de metade pelo regime, com 4,6 milhões de pessoas a viver em zonas de “difícil acesso”.
Segundo um relatório da semana passada realizado por duas ONG (a holandesa Pax e a norte-americana Syria Institute), há na verdade mais de um milhão de pessoas “em risco acrescido de morte” por causa da falta de comida, electricidade e água corrente em 46 localidades cercadas. Destes cercos, só Fua, Kafraya e Deir Ezzor não são da responsabilidade do regime e dos seus aliados.
O acesso “imediato” de ajuda às zonas onde este foi classificado como mais urgente foi incluído no texto assinado em Munique por aliados e rivais de Assad. O mesmo texto previa “a cessação nacional de hostilidades” numa semana, deixando de fora o combate contra o Daash (autodesignado Estado Islâmico).
A violência não tem entretanto abrandado, com bombardeamentos russos e sírios a atingirem hospitais, ao mesmo tempo que a Turquia começou a atacar as milícias curdas sírias que controlaram grande parte do território junto à sua fronteira.
A maioria das ofensivas actuais concentra-se no Norte do país, mas ONU fez saber que ataques de Assad com o apoio da aviação russa na província de Deraa, no Sul do país, deixaram nos últimos três meses mais de 70 mil civis deslocados, incluindo 50 mil que estão a viver na rua, “muitos dos quais fugiram pela segunda ou terceira vez” neste conflito. As agências das Nações Unidas já conseguiram levar ajuda a 7000 crianças e 25 mil adultos através da fronteira da Jordânia.
Proteger civis
Descrevendo a situação humanitária na Síria como “insuportável”, a chanceler alemã, Angela Merkel, voltou a defender a criação de uma zona de exclusão aérea para proteger os civis.
“Ajudaria termos uma zona onde nenhuma das partes ataque. Não podemos negociar com os terroristas do Estado Islâmico, mas, se conseguíssemos um acordo entre a coligação anti-Assad e os que apoiam Assad para criar um território de protecção para os refugiados, isso permitiria salvar numerosas vidas e apoiar o processo político sobre o futuro da Síria”, disse Merkel, em declarações no Parlamento alemão.
Apesar de não ser uma posição nova da Alemanha, repeti-la neste momento é manifestar o apoio à Turquia, que quer precisamente ver nascer uma zona destas ao longo da sua fronteira com a Síria. “Queremos instaurar uma zona de segurança de dez quilómetros no interior da Síria, que inclua Azaz”, disse esta quarta-feira o vice-primeiro-ministro, Yalçin Akdogan. Azaz é cidade de maioria árabe que a Turquia quer impedir as milícias curdas YPG (Unidades de Protecção de Povo) de conquistarem.
Exigência antiga de Ancara, os pedidos para a criação de uma zona de exclusão aérea voltaram a ser diários desde que os bombardeamentos russos e sírios em Alepo levaram dezenas de milhares de pessoas a fugirem em direcção à Turquia (100 mil estão em campos ao longo da fronteira). Desde sábado que a artilharia turca visa posições das YPG, o aliado curdo dos EUA na luta contra os jihadistas que aproveitou o caos no Norte para conquistar território a outros grupos.