Turcos ignoram pedidos internacionais e continuam a atacar curdos sírios

Estados Unidos e França pedem a Ancara que pare operações no Norte da Síria. Governo turco descreve avanço curdo junto à fronteira como “linha vermelha” que põe em causa a sua “segurança nacional”.

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Um edifício bombardeado domingo por forças pró-Assad nos arredores de Damasco Bassam Khabieh/Reuters

Esta devia ser a semana em que a ajuda humanitária começaria a chegar às zonas de maior emergência, enquanto os países que integram o Grupo Internacional de Apoio à Síria negociariam com o regime e com os grupos da oposição uma trégua. Assim ficou decidido num texto assinado depois de negociações entre os Estados Unidos e a Rússia na madrugada de sexta-feira em Munique. Em vez disso, abriu-se uma nova frente num conflito sem fim à vista.

Domingo, a Turquia bombardeou pelo segundo dia consecutivo posições conquistadas recentemente por combatentes curdos sírios no Norte da província de Alepo, junto à sua fronteira, exigindo que estes recuem para as zonas curdas que controlam desde 2012.

“Capturámos a base área de Menagh e estamos próximos de capturar Tal Rifaat”, uma pequena cidade, 40 quilómetros a norte de Alepo, disse à Al-Jazira Tareq Abu Zeid, porta-voz do grupo Jaish al-Thuwar, aliado das YPG (Unidades de Protecção do Povo), a milícia do Partido da União Democrática (PYG), no poder em Afrin, um dos distritos da província.

“O nosso objectivo é chegar aos territórios controlados pelo ISIL [um dos nomes do Daash, o autodesignado Estado Islâmico]”, diz Abu Zeid. “Nós queremos combater este grupo terrorista. A Turquia quer que recuemos para Afrin. Isso não vai acontecer. Estamos a avançar, não a retirar”, garante.

Estes combatentes afirmam estar a enfrentar os jihadistas; a Turquia acusa-os de “tentativa de limpeza étnica”, ao quererem controlar zonas árabes da Síria. Para Ancara, as YPG são uma “organização terrorista” por causa das suas ligações ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) curdo turco. Os Estados Unidos e a União Europeia também consideram o PKK “terrorista” mas têm nas YPG um dos seus principais aliados na luta contra os jihadistas na Síria.

Washington pediu aos turcos para pararem os disparos de artilharia contra os curdos, apelando a todos para se concentrarem no combate ao Daash, ao mesmo tempo que avisou as YPG para não "aproveitaram a confusão da situação actual para conquistar novos territórios". Os avanços curdos foram facilitados pelos bombardeamentos da aviação russa em apoio ao regime. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da França também pede “a cessação imediata dos bombardeamentos” da Turquia nas regiões curdas da Síria.

O aeródromo de Menagh fica entre duas estradas importantes que ligam a grande cidade de Alepo a Azaz, junto à fronteira. De acordo com os curdos, o seu controlo é fundamental para lhes dar uma base para novas ofensivas contra os jihadistas que estão mais a Leste.

Mas o Exército Livre da Síria, grande coligação de grupos rebeldes, apoiada pelos EUA, europeus, países do Golfo e turcos, acusa os curdos de estarem a atacá-los. “Estamos a ser traídos no Norte do país pelo PKK e pelo seu aliado, Jaish al-Thuwar”, denuncia, em declarações à Al-Jazira, um dos comandantes deste grupo, o primeiro a erguer armas contra o regime, em 2011. “Eles aproveitaram-se do facto de estarmos a lutar em duas frentes – contra o regime e contra o ISIL.”

A progressão das YPG, que já controlam a maioria da fronteira, a ocidente do Eufrates na Síria constitui uma “linha vermelha” para Ancara, explicou em declarações à televisão Kanal 7 o vice-primeiro-ministro turco, Yalcin Akdogan. “São questões que tocam a segurança nacional da Turquia. A Turquia não é uma nação que vá ficar a ver o que está a acontecer de braços cruzados”, afirmou Akdogan.

Por uma vez, no caos do conflito sírio, Bashar al-Assad, Washington e Paris exigem o mesmo. O Governo sírio condenou “os ataques repetidos da Turquia que põem em causa a integridade territorial da Síria”, pedindo numa carta ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para “pôr fim aos crimes do regime turco”.

Parceiros e inimigos

Há meses que o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, acusa os EUA de estarem a apoiar inimigos seus e diz que não vai tolerar o controlo curdo da fronteira – para além de temerem, a longo prazo, o estabelecimento de uma nação curda, os turcos querem continuar a conseguir abastecer os grupos rebeldes que apoiam e consideram que Assad e Moscovo favorecem os curdos para os impedir de o fazer. “Estão connosco ou com os grupos terroristas PYD e com as YPG?”, perguntou há dias Erdogan. Parece que os turcos se cansaram de esperar pela resposta.

Washington “considera o PYD e as YPG um parceiro, enquanto a Turquia os vê como inimigos”, resume, em declarações à AFP Ozgur Unluhisarcikli, director do centro turco do think tank German Marshall Fund (EUA). Os ataques turcos, diz este analista, “vão fazer crescer a desconfiança e a tensão entre os dois aliados, que precisam de trabalhar lado a lado”.

“Se os EUA preferem uma organização terrorista à Turquia, assim seja”, escreveu domingo o editorialista do jornal Yeni Safak (conservador e próximo de Erdogan), Ibrahim Karagül. “Mas então vamos considerar que os EUA estão em guerra com a Turquia”. Palavras que são apenas isso, mas num tom que preocupa alguns turcos. Para o analista Cengiz Candar, que escreve no jornal Radikal, “o problema” é o de sempre: “vem da fobia curda de Ancara, que é incontrolável”.

 

 

 

 

 

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