Quando Johnny Depp faz de Donald Trump, o resultado é uma comédia – de combate
Irreconhecível, de cabeleira ruiva, o actor fez a sua entrada na campanha para as presidenciais americanas num "telefilme" de 50 minutos em que expõe o candidato republicano ao ridículo.
Um "telefilme" de 50 minutos que tem como protagonista o actor Johnny Depp foi mantido em segredo durante meses para ser lançado online esta quarta-feira no site de comédia Funny or Die: precisamente no dia em que Donald Trump confirmou a vitória nas primárias republicanas no estado de New Hampshire. Coincidência? Provavelmente, não.
Donald Trump’s The Art of the Deal: The Movie é mais uma produção do Funny or Die, site da responsabilidade de alguns nomes bem conhecidos da comédia americana como o realizador Adam McKay – cujo filme A Queda de Wall Street é candidato aos Óscares deste ano –, o actor Will Ferrell ou o cineasta Judd Apatow.
O título é devedor do livro de motivação e carreira homónimo que Trump editou em 1987, um dos subprodutos de um magnata do imobiliário que passou pela reality TV e se tornou um orador mais ou menos radical sobre temas como a imigração ou a política externa norte-americana em escassos meses. "Adoro minorias – elas são sensuais... são exóticas", diz a certa altura no filme do Funny or Die, que já tinha emulado "the Donald" sobre este mesmo tema recentemente no sketch Mexican Donald Trump (com George Lopez como Donaldo Trumpez). Agora, foi a vez de Johnny Depp fincar o dente na muito caricaturável figura de Trump.
O ambiente é anos 1980, a condizer com a ascensão de Trump na era Reagan e como personagem dos eighties americanos, e o tom é de um filme que nunca existiu, mas que alega ter existido – não é um mockumentary, é um fake movie. A narração está a cargo do realizador Ron Howard, que contextualiza o espectador logo ao início dizendo – em modo ficcional, claro – que o filme, escrito, produzido e protagonizado pelo próprio Donald Trump, terá sido feito nos anos 1980, e redescoberto por Howard no presente. Nele, Johnny Depp, que já foi Eduardo Mãos-de-Tesoura, pirata nas Caraíbas ou jornalista "gonzo" com cabelo duvidoso (o seu Hunter S. Thompson rompeu com a imagem de galã do actor em 1998), conhece uma profunda transformação física para representar o homem de quem se fala em todo o mundo – frondosa cabeleira ruiva incluída.
Adam McKay descreve no New York Times que "este filme é como um documento histórico importante que tem estado escondido, muito como o filme do palhaço do Holocausto de Jerry Lewis", uma peça falhada de cinema que o autor manteve oculta durante décadas e que nunca foi integralmente mostrada ao público.
"Foi uma ideia maluca, completamente alucinada que sabe-se lá como conseguimos concretizar", disse McCay ao New York Times, que admitiu que espera que esta piada, "com sorte", incomode Trump, o empresário e símbolo de uma versão do sonho americano que emergiu nos últimos meses como forte candidato a candidato presidencial dos republicanos à Casa Branca. Depp, que será o próximo Homem Invisível no cinema e que tem como último filme nas salas Black Mass, tem estado numa curva menos viçosa da sua carreira. O papel surpresa, acompanhado pela transformação física, granjeou-lhe alguns pontos de visibilidade e elogios de críticos como Peter Bradshaw, do Guardian – "tudo coisas boas de Depp", escreve, ressalvando que Trump "é uma figura que, de alguma maneira, já absorveu a derrisão na sua pele e se tornou imune a ela".
A comédia tem-se alimentado da política americana, e em particular das caricaturas dos políticos americanos – é pensar não só no papel do Daily Show e seus descendentes na última década, mas também em fixar a mira na Sarah Palin de Tina Fey no Saturday Night Live em 2008 – e pensar que ela voltou em 2016 para apoiar Trump, e com ela a imitação de Fey, mas também que Trump já esteve no mesmo programa há poucos meses.
Nesta viagem à volta de um momento da vida de Trump em que se explora a sua megalomania, as práticas de negócio discriminatórias e o desejo de comprar um grande casino, o Taj Mahal, em Vegas, para além do irreconhecível Johnny Depp há interpretações de Michaela Watkins, Jack McBrayer (Rockefeller 30), Patton Oswalt ou Alfred Molina. O filme pode ser visto na íntegra aqui. Filmado no início de Dezembro de 2015, Donald Trump’s The Art of the Deal: The Movie é fruto de uma ideia original do editor do site Owen Burke e foi feito com urgência por medo de que o fenómeno "Trump candidato" se eclipsasse em pouco tempo. Mas a realidade contrariaria os temores da equipa. Ainda assim, esta "cápsula do tempo instantânea" com curto "prazo de validade", como lembra o crítico Erik Adams no site AV Club, serve um propósito: "[É] entusiasmante ver tanta gente talentosa a juntar-se para rebentar a bolha de Trump tão minuciosamente e de formas novas e entusiasmantes." com V.B.