Em Faro espera-se dois anos e meio por consulta de ortopedia, no Porto nem três meses
No hospital de Faro espera-se 820 dias por uma consulta normal de ortopedia, enquanto no São João (Porto) aguarda-se, em média, apenas 79 dias. Também nas urgências as disparidades entre os serviços dos grandes hospitais públicos são grandes. Fazer esta comparação online já é possível.
Os grandes hospitais públicos de Lisboa e Sul do país respondem com mais lentidão às necessidades dos doentes do que os que estão localizados no Norte e no Centro. A amostra é pequena – dez hospitais, respectivas urgências e consultas em apenas quatro especialidades – mas uma pesquisa rápida feita pelo PÚBLICO no novo portal do Serviço Nacional de Saúde permite perceber que os hospitais da Grande Lisboa têm tempos de espera nos serviços de urgência e também para consultas de especialidade que ultrapassam, e nalguns casos em muito, os exibidos pelas unidades do Norte, desrespeitando os prazos máximos previstos na lei.
Numa urgência hospitalar, um doente que receba a pulseira vermelha na triagem deve ser visto de imediato e na cor laranja a espera não deve ir além de dez minutos. Para o amarelo (urgente) a demora deve ficar abaixo dos 60 minutos, para o verde (menos urgente) em menos de 120 minutos e para o azul (não urgente) em 240 minutos. No entanto, ao final da tarde de segunda-feira, muitos dos dez hospitais analisados, sobretudo em Lisboa, derrapavam nestes prazos.
Dos dez hospitais (Santo António, São João, Vila Real, Coimbra, Faro, Santa Maria, São José, Amadora-Sintra, Garcia de Orta e Beja) só seis publicitavam os tempos de espera nas urgências. O Hospital de Amadora-Sintra era, por volta das 18h de segunda-feira, o pior de todos: os doentes muito urgentes aguardavam 2h05 e os urgentes 3h07.
No centro de Lisboa, no Hospital de Santa Maria, sensivelmente à mesma hora, os pacientes com pulseira laranja entravam de imediato, enquanto os urgentes aguardavam 1h50 e os verdes 2h44. Bem perto, no São José, os triados como urgentes eram obrigados a aguardar quase três horas (2h53) e os verdes um pouco menos (2h44). No Garcia de Orta, em Almada, os tempos de espera estavam sensivelmente dentro dos prazos que a lei prevê, à semelhança do que acontecia no Hospital de Santo António (Porto), onde eram ainda inferiores (por volta das 17h00, 21 minutos para os muito urgentes, 37 para os urgentes e apenas 44 minutos para os pouco urgentes). Já no hospital de Vila Real, a espera para os doentes urgentes era de 18 minutos, enquanto os pacientes poucos urgentes eram vistos em 1h29.
Nos mesmos dez hospitais, o PÚBLICO seleccionou também quatro das especialidades mais procuradas para perceber o tempo de espera para uma primeira consulta depois de feito o pedido pelo centro de saúde. A lei prevê que os doentes muito prioritários sejam atendidos em menos de 30 dias, que os prioritários sejam vistos em menos de 60 e que os com prioridade normal não ultrapassem os 150 dias de espera.
Olhando para a ortopedia ou a oftalmologia, no caso de doentes de prioridade normal, o prazo fica acima do que a lei prevê em quase todos os hospitais, independentemente da localização geográfica. Pelo contrário, na cirurgia geral e cardiologia muitos prazos eram cumpridos. Mas os tempos de espera divergem substancialmente de instituição para instituição.
Atente-se apenas nos exemplos da ortopedia, nos casos não prioritários: de 79 dias de espera, no São João, passa-se para 114 dias no Santo António, e para 154 dias nos Hospitais da Universidade de Coimbra. Em Lisboa, no Santa Maria, os doentes não prioritários têm de aguardar 199 dias, enquanto a espera sobe para 335 dias, no Amadora-Sintra, para 550 dias no São José e para 820 dias (ou seja, mais de dois anos e meio) em Faro. Na oftalmologia, Faro volta a destacar-se pela negativa, com 684 dias de espera por uma consulta.
Na área da cardiologia, o Hospital de Santa Maria está a dar uma resposta de 35 dias aos muito prioritários e no Amadora-Sintra este prazo duplica. O Garcia de Orta tem um atraso, mas de só um dia. A área da oftalmologia é mais problemática, com o Santa Maria a ultrapassar em seis dias o prazo de 150 – apesar de tudo longe do Amadora-Sintra que vê em 192 dias os doentes que devia atender em 30, em 180 os que devia receber em 60 e em quase um ano os doentes com espera máxima de 150 dias. Uma situação que também se regista no Hospital de Beja, mas com esperas de apenas 157 dias para o prazo dos doentes “normais”.
Os tempos de espera para urgências e consultas de especialidade nos hospitais (pedidas pelos centros de saúde) são apenas duas entre as mais de 180 variáveis, organizadas em 53 grupos de dados, que passaram a estar disponíveis, de forma agregada e organizada, para qualquer cidadão.
A tutela lançou este novo portal que o ministro definiu como “um acto de responsabilidade cívica”. O site agrega serviços que já existiam, mas dá também novas possibilidades. Uma das novidades está na consulta e pesquisa de vários dados de forma agregada. Ainda há muitas instituições que não reportaram valores, mas têm até Março para o fazer. A ideia é que em 2017 este passo contribua para a criação de um registo electrónico do utente.
O portal, que faz parte do programa "simplex", tem quatro áreas-chave: SNS, institucional, cidadão e profissionais – com informação geral sobre os serviços, possibilidade de marcação de actos clínicos ou simples consulta de legislação. Numa área designada como “Transparência” é possível consultar indicadores variados, como a despesa com medicamentos, as chamadas atendidas pela Linha Saúde 24, o número de mamografias já realizadas em 2016 ou quantas vacinas um determinado centro de saúde já administrou. As informações podem ser georreferenciadas e comparada a prestação entre várias zonas.
“O objectivo deste portal do SNS é fazer ou estabelecer uma relação diferente com os cidadãos, com os dirigentes e com os responsáveis. A partir de hoje nós estamos totalmente online e a nossa responsabilidade política e dos gestores está também online. Os cidadãos têm o direito a saber como funcionam os serviços, como são utilizados os recursos, como se compara cada instituição entre si”, afirmou o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, na cerimónia de apresentação. “Há um clima diferente no SNS, onde a opacidade tem de deixar de existir. Não podemos confundir escassez de recursos com falta de qualidade organizacional”, defendeu, insistindo que “só melhora quem é comparado”.