Empresas nacionais duplicam vendas para o Irão e vão investir mais em 2016
As expectativas para este ano são elevadas: esperam-se projectos assinados e investimentos concretos. As vendas nacionais para o Irão aumentaram de sete milhões em 2014 para 18,8 milhões até Novembro do ano passado.
Nader Haghighi diz que não tem tido mãos a medir nas últimas semanas. São reuniões atrás de reuniões, telefonemas a sucederem-se a e-mails, contactos e pedidos de entrevista. É uma agenda apertada, mas que ainda este ano vai começar a dar frutos concretos. É essa a expectativa deste luso-iraniano que se doutorou na área da energia electrónica e deixou o cargo de director geral de uma empresa para assumir, em 2009, a liderança do Portugal Irão Business Council (PIBC), uma estrutura que tem os mesmos objectivos e características de uma Câmara de Comércio, mas que está ainda dependente economicamente das organizações empresariais que a fundaram: a AEP - Associação Empresarial de Portugal, a AIP - Associação Industrial Portuguesa e a Câmara de Comércio e Indústria, Minas e Agricultura do Irão.
Em vésperas de partir, com a AEP, na sexta missão empresarial àquele país do Médio Oriente, e a segunda desde que as sanções económicas foram formalmente levantadas, Haghighi acredita que vai conseguir não só consolidar o crescimento do volume de exportações de Portugal para o Irão, como também começar a registar o esforço das empresas portuguesas em conquistar quota de mercado em áreas estratégicas como as da chamada economia verde (energias renováveis, tratamento de resíduos sólidos urbanos), da construção e obras públicas, dos moldes e dos componentes automóveis, da industria farmacêutica, do têxtil e do calçado, e do turismo. “Estou a trabalhar nesse sentido”, insiste. Haghighi diz que não sugere Portugal aos parceiros iranianos quando é preciso comprar aviões ou um satélite, mas tem muitos bons exemplos de empresas portuguesas que podem estar à cabeça de exportações e de investimentos naquelas áreas.
Na verdade, os portugueses têm andado sempre por lá, com e sem embargo. Em 2010, quando a AEP realizou a sua segunda missão empresarial, as exportações portuguesas para o Irão ficaram-se pelos 37,4 milhões de euros. As trocas comerciais com aquele país são pouco relevantes e muito condicionadas pelas questões da política internacional e das sanções económicas que lhe foram impostas até se ter provado – como provou – que o potencial nuclear no Irão estava sob controlo. Em 2014 as exportações portuguesas para o Irão pouco passaram dos sete milhões. Durante o ano de 2015, e com a perspectiva do alívio das sanções económicas, as exportações foram aumentando: até Novembro, segundo os dados enviados ao PÚBLICO pela AICEP, esse volume já tinha atingido os 18,8 milhões de euros.
Entre os dez grandes exportadores encontramos a indústria papeleira (Portucel, Celbi), a cutelaria e os moldes e a indústria agro-alimentar. A industria farmacêutica inscreve três empresas neste ranking (Biocol, Generis e Laboris Farmacêutica), mas, segundo a associação do sector, a Apifarma , as exportações de quase meio milhão de euros representaram em 2014 cerca de 0,1% do total das exportações das empresas farmacêuticas .
Uma das principais dificuldades referidas pelas empresas prendia-se com a ausência de um circuito bancário directo entre o Irão e Portugal. Os iranianos queriam comprar – e descobriram, por exemplo, que impedidos de comprar componentes aos maiores fabricantes de automóveis, poderiam faze-lo à indústria portuguesa – e arranjaram maneira de o fazer através de países vizinhos, como a Turquia ou os Emirados Árabes Unidos. O PÚBLICO ouviu relatos das “horas de ponta” no Porto do Dubai, de onde saíam “pequenos barquinhos” para o porto de Bandaar Abbas, no Irão. “Não é prático, efectivamente”, reconhece Nader Haghighi. “As condições de pagamento não eram interessantes e até era muito arriscado para os iranianos”, argumenta. Era, muitas vezes, numa base de confiança. Um visitante que quisesse comprar com cartão de débito ou crédito um dos famosos tapetes persas numa qualquer cidade do Irão, teria sempre de fazer o pagamento a um terceiro, instalado no Dubai, por exemplo. Com o levantamento do embargo, as entidades bancárias já podem renovar os seus códigos swift e assim facilitar as transacções entre os países.
Paulo Nunes de Almeida, presidente da AEP, defende que a associação a que preside tem a obrigação de apoiar as empresas de sectores menos representados associativamente e em mercados onde há maior dificuldade “porque internacionalizar é um desígnio de todas as empresas”. Dito isto, acrescenta que Portugal tem, de alguma maneira, a facilidade de ser bem visto e bem aceite pela sociedade iraniana – até porque o país nunca retirou a sua embaixada de Teerão, em décadas de afastamento e é reconhecido pelo bom trabalho que anda a fazer em algumas áreas. “Na última visita que fizemos ao país, estivemos no Fórum de Província do Teerão e fomos a única delegação a ser recebida pelo Governador, que mostrou às nossas empresas áreas concretas em que são necessários projectos, parcerias, investimentos”, explicou.
Haghighi diz que ainda tem trabalho para fazer, no sentido de dar a conhecer aos iranianos que Portugal não é só bom no futebol (“Todos conhecem o Ronaldo e o Mourinho, e, claro, o Carlos Queiroz [treinador da selecção de futebol iraniana”). Também é uma verdadeira potência em áreas que são estratégicas no Irão como o das energias renováveis ou do turismo. “O know-how e a experiência de Portugal é enorme.”
As primeiras abordagens
Visto de fora, e olhando para os mapas e as estatísticas, não há como não ficar impressionado com os números que ajudam a caracterizar o Irão: um país com uma área geográfica 15 vezes superior a Portugal, pleno de recursos naturais (é um dos maiores produtores de petróleo e gás natural do mundo) e grande capital humano (80 milhões de habitantes, 16 milhões de licenciados, uma taxa de alfabetização de 85%, e população jovem, com 65% dos habitantes com menos de 35 anos).
Como é visto por dentro? “É surpreendentemente hospitaleiro”, diz Catarina Gouveia, responsável comercial da WeedsWest, uma empresa especializada em soluções para pavimentação rodoviária que comprou a metalomecânica Laurel em 2014.
“Os iranianos, para além de nos fazerem sentir em casa e completamente seguros, são extremamente atentos e cuidadosos”, começa por referir, adiantando que encontrou semelhanças entre a cultura persa e a portuguesa. “Demonstraram muita curiosidade e interesse em perceber pontos de contacto onde poderiam ser encontradas sinergias e reais oportunidades de negócio com a WeedsWest”, acrescentou, em, jeito de balanço da primeira visita que fez ao país há cerca de dois meses, inserida numa missão promovida pela AEP. A WeedsWest conta realizar ainda este ano um “investimento considerável no acompanhamento e visitas regulares aos contactos estabelecidos e na angariação de novos clientes”, nomeadamente a abertura de um escritório de representação no Médio Oriente.
Bernardino Meireles, da Fogões Meireles, e Fernando da Silva, da Marcage, integraram a mesma missão em que esteve Catarina Gouveia e têm igualmente expectativas elevadas. “O Irão não é um mercado novo para a Meireles, antes do embargo estivemos presentes no país através de um distribuidor local”, começa por contar Bernardino Meireles, presidente da empresa, para dizer que espera que o mercado iraniano esteja em breve disponível para o decorrer de comércio de uma forma natural e estável. Fernando da Silva, CEO da Marcage, adianta que depois da missão, em Novembro a empresa já patrocinou a visita a Portugal de um potencial cliente. “Para visitar as nossas instalações e conhecer os nossos produtos e também conhecer um pouco do nosso país e cultura, uma vez que a única coisa que conhecem de Portugal é o Cristiano Ronaldo e ainda assim pensam que é espanhol”, sugere o empresário.
José António Monjardino, administrador do grupo Alves Bandeira, não precisou de missões empresariais para chegar ao Irão, país onde já garante 5% da facturação em mercados internacionais, e que se cifra em 40 milhões de euros. O objectivo, e que está a ser vertido no plano estratégico que está a ser ultimado, é duplicar a facturação internacional para os 80 milhões de euros, e multiplicar por dez o volume de negócios que tem actualmente com o mercado iraniano, com o comércio de pneus e lubrificantes. Monjardino admite que a presença no país deixe de ser apenas como “trader” para passar a ter um rede própria de distribuição de pneus e lubrificantes. A intenção é ter um volume de negócios de 15 milhões de euros. “Vamos fazer as coisas com calma, como sempre. Para já, espera-se a transição das barreiras administrativas e aduaneiras. Para todos os efeitos, para a opinião pública, as sanções só foram levantadas há duas semanas”, explica.