Morte de rebelde sírio limita ainda mais alternativas ao regime de Assad
Alloush era o líder de um dos mais poderosos grupos armados na Síria e prometia ser uma das vozes mais activas nas negociações da ONU. Não era moderado, mas também não era jihadista.
O bombardeamento que matou o carismático líder de um dos mais poderosos grupos rebeldes na Síria foi anunciado com um estrondo pelo regime sírio na noite de sexta-feira. Foram precisos poucos minutos para começarem a correr vídeos do ataque aéreo e apenas horas para circularem abertamente fotografias do corpo sem vida de Zahran Alloush. Neste sábado, perguntava-se se quem morrera era um extremista islâmico ou um moderado opositor ao Presidente Bashar al-Assad. A resposta a esta pergunta – cada vez mais comum à medida que o conflito na Síria se radicaliza – é que Alloush não era nenhum dos dois. Nem jihadista, nem moderado.
Seria, isso sim, uma das principais figuras nas negociações previstas para Janeiro sob a tutela das Nações Unidas. Alloush comandava o Exército do Islão, ou Jaish al-Islam. É um dos primeiros grupos armados a surgirem das manifestações de 2011 e combate simultaneamente o autoproclamado Estado Islâmico e o exército de Assad. Tem dezenas de milhares de militantes só nos subúrbios de Damasco, onde está enquistado desde praticamente o início da guerra, há cinco anos. Domina o Leste de Ghuta, o mesmo local atingido em 2013 com armas químicas e alvo frequente de bombardeamentos indiscriminados da aviação do regime. Assad reivindicou o ataque de sexta-feira, que matou de uma vez só Alloush, vários comandantes do seu grupo e responsáveis por outras facções armadas, que reuniam na mesma casa.
Os rebeldes afirmam que foram caças russos a largar as bombas de sexta-feira. Seja como for, a morte de Alloush é uma vitória para o regime e seus aliados. O Exército do Islão – como a coligação islamista Ahrar al-Sham – é um dos pesos-pesados da guerra, a segunda linha das grandes facções, logo atrás do Estado Islâmico e Frente al-Nusra, o satélite da Al-Qaeda no país. O grupo de Alloush foi um dos protagonistas das negociações entre dezenas de grupos rebeldes sírios em Riad, no início deste mês. Foi a primeira vez que um número tão grande de opositores ao regime se reuniu sem que as suas divergências interrompessem o encontro. A posição conjunta sobre uma Síria pluralista, democrática e inclusiva foi importante, embora puramente simbólica: parte dos grupos são irrelevantes no terreno, os outros são islamistas conservadores ou extremistas islâmicos.
Aliados e opositores ao regime de Assad estão ainda a decidir que grupos da oposição podem participar nas negociações de Janeiro e quem são os terroristas que devem ficar de fora. Até agora, os países que fazem parte do chamado Grupo de Apoio à Síria só conseguiram concordar em proibir a ida do Estado Islâmico e al-Nusra. Cada um dos 17 países no grupo de apoio fez uma lista das facções que considerava serem terroristas. Há 167 nomes no total, que vão desde a Guarda da Revolução do Irão, ao Exército do Islão, passando pelos curdos.
Quando a lista foi divulgada, há uma semana, num encontro em Nova Iorque, a sala de convidados explodiu em ira, segundo contaram observadores à revista Foreign Policy. O ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, por exemplo, respondeu à inclusão da Guarda da Revolução ameaçando pôr a CIA norte-americana no topo da sua lista de organizações terroristas. “O que ficou óbvio é que há muito pouco consenso sobre o que constitui uma organização terrorista”, disse um dos observadores à revista.
Zona cinzenta
O Exército do Islão é uma das facções em disputa. Assad e a Rússia insistem em dizer que são extremistas sem qualquer papel político a desempenhar no futuro da Síria. Arábia Saudita e Turquia, que financiam e enviam armas ao grupo, defendem o contrário. O que é evidente é que, com a morte de Alloush, aumentam os riscos de uma luta interna no seu grupo e esbatem-se as possibilidades de este se afirmar como uma alternativa a Assad nas negociações de Janeiro. “Mataram um homem que desempenharia um papel crucial na Síria”, disse neste sábado o líder da fracturada Coligação Nacional Síria, Ahmad Tu’mah, a partir do exílio.
A morte de Alloush foi condenada neste sábado por praticamente todas as grandes facções na guerra, excluindo o Estado Islâmico. A sua importância no conflito é inegável. É também reveladora da falta de alternativas ao regime. Na melhor das hipóteses, o Exército do Islão vive numa zona cinzenta entre o radicalismo e um ideal reformista. Antes de se encontrar com responsáveis norte-americanos – que, segundo escreve o New York Times, atenuou o seu discurso radical –, Alloush reivindicava a perseguição aos xiitas e um governo sectário da Síria.
O ex-líder era visto como um dos principais responsáveis pela falta de implantação do Estado Islâmico nos subúrbios de Damasco – “não tem lugar na revolução síria”, disse, numa entrevista publicada no início de Dezembro. Alloush dizia “acreditar no governo das instituições” e afirmava-se “muçulmano, não islâmico”. Mas, ainda este ano, o seu grupo enjaulou várias mulheres alauitas e passeou-as nas ruas do Leste de Ghuta, puxadas por homens armados. Serviriam de “escudo humano” contra os bombardeamentos do (também alauita) Assad nos subúrbios de Damasco.